domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Refinada Misanthropia dos Antigos


§1

Demócrito e Heraclito foram dois filósofos, o primeiro dos quais, por considerar a condição humana vã e ridícula, não saía de casa sem uma cara escarnecedora e zombeteira; Heraclito, por ter pena e compaixão dessa mesma nossa condição, levava o vulto perpetuamente triste, e os olhos pesados de lágrimas.

Um
ria-se sempre que dava um passo
para fora de casa, mas o outro chorava.

[alter
Ridebat quoties à limite moverat unum
protuleratque pedem, flebat contrarius alter.]


Gosto mais da primeira atitude, não por ser mais agradável rir que chorar, mas porque é a mais desdenhosa, e porque nos condena mais do que a outra: e parece-me que é impossível sermos desprezados demais no que diz respeito ao nosso mérito. A pena e a comiseração estão de certa maneira relacionadas com uma certa estima por aquilo por que se tem pena: às coisas com as quais gozamos não atribuímos qualquer valor. Eu não penso de maneira alguma que haja em nós mais infelicidade do que há de vaidade, nem mais de malícia que de parvoíce: não estamos assim tão cheios de mal como estamos de loucura: somos menos miseráveis do que somos vis. Assim Diógenes, que se divertia consigo mesmo às voltas no seu tonel, e que virava o nariz ao grande Alexandre, tomando-nos a todos por meras moscas, ou por sacos de vento, é um juíz bem mais agreste e perfurante, e por conseguinte mais justo ao meu parecer que Tímon, a quem chamavam o Odeia-Gente. Pois levamos bem a peito aquilo que odiamos. E Tímon desejava-nos mal, desejava intensamente a nossa ruína, fugia do nosso convívio como de algo perigosíssimo, maligno, e de natureza depravada; enquanto que o outro tinha tão pouca consideração por nós que não o conseguiríamos incomodar, nem alterar o seu estado de espírito, e a razão de não nos fazer companhia não era ódio mas por desdém de estar connosco: não acreditava que fôssemos capazes de lhe fazer nem bem nem mal.

Montaigne. Essais, Chapitre L. Tradução minha.



Democritus et Heraclitus ont esté deux philosophes, desquels le premier trouvant vaine et ridicule l'humaine condition, ne sortoit en public, qu'avec un visage moqueur et riant : Heraclitus, ayant pitié et compassion de cette mesme condition nostre, en portoit le visage continuellement triste, et les yeux chargez de larmes.

alter
Ridebat quoties à limine moverat unum
Protuleratque pedem, flebat contrarius alter.

J'ayme mieux la premiere humeur, non par ce qu'il est plus plaisant de rire que de pleurer : mais par ce qu'elle est plus desdaigneuse, et qu'elle nous condamne plus que l'autre : et il me semble, que nous ne pouvons jamais estre assez mesprisez selon nostre merite. La plainte et la commiseration sont meslées à quelque estimation de la chose qu'on plaint : les choses dequoy on se moque, on les estime sans prix. Je ne pense point qu'il y ait tant de malheur en nous, comme il y a de vanité, ny tant de malice comme de sotise : nous ne sommes pas si pleins de mal, comme d'inanité : nous ne sommes pas si miserables, comme nous sommes vils. Ainsi Diogenes, qui baguenaudoit apart soy, roulant son tonneau, et hochant du nez le grand Alexandre, nous estimant des mouches, ou des vessies pleines de vent, estoit bien juge plus aigre et plus poingnant, et par consequent, plus juste à mon humeur que Timon, celuy qui fut surnommé le haisseur des hommes. Car ce qu'on hait, on le prend à coeur. Cettuy-cy nous souhaitoit du mal, estoit passionné du desir de nostre ruine, fuioit nostre conversation comme dangereuse, de meschans, et de nature depravée : l'autre nous estimoit si peu, que nous ne pourrions ny le troubler, ny l'alterer par nostre contagion, nous laissoit de compagnie, non pour la crainte, mais pour le desdain de nostre commerce : il ne nous estimoit capables ny de bien ny de mal faire.



§2

Sócrates
Quem dera, Críton, que a multidão fosse capaz de realizar os maiores males, contando que fosse igualmente capaz de realizar os maiores bens! Era bom que assim fosse... Mas a verdade é que ela não é capaz nem de uma coisa nem de outra. Não tem em si o poder de tornar um homem sensato ou insensato: o que faz é pura e simplesmente por acaso.

Platão. Críton. 44d. Manuel de Oliveira Pulquério (trad). Edições 70: 2009

Σωκράτης

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