terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quando Não Se Sabe O Que Escrever No Blogue

...abre-se a Ilíada ao acaso e:

Por todo o lado os muros e ameias estavam borrifados
com sangue de homens de ambos os lados, Troianos e Aqueus.
Mas nem assim conseguiam pôr os Aqueus em debandada,
porquanto eles se mantinham firmes, como a fiandeira honesta
que segura a balança e levanta os pesos e a lã de cada lado
para os igualizar, de modo a ganhar uma ninharia para os filhos
assim de forma equável se esticou a luta e a batalha.

Canto XII, 430-436
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)

Memórias do Prado §3

Saturno Devorando Um Filho, de Goya
1821-1823, pintura mural, 143 x 81.

Em 1819 Goya comprou a que ficou conhecia por Quinta del Sordo, uma casa de campo com terreno de cultivo situada nos arredores de Madrid, numa zona pouco elevada do outro lado do rio Manzanares. O pintor, que pouco depois de se instalar ali sofreu uma grave doença, decorou as paredes das duas divisões principais, no rés-do-chão e no primeiro andar, com pinturas murais. Como parece deduzir-se do estudo radiográfico, inicialmente as paredes podiam ter apresentado composições mais agradáveis que as que conhecemos agora, com paisagens de cores claras. Sobre elas foram pintadas as agora conhecidas por Pinturas Negras, composições enigmáticas [...] que parecem ter como tema a maldade, o terror, a ignorância e a morte.

Alberto Pancordo, "A Colecção de Pintura Espanhola" in AA.VV., O Guia do Prado
Museu Nacional do Prado, Madrid: 2008

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

'Ode on a Grecian Urn', de Keats (Maio 1819)


Thou still unravish'd bride of quietness,
Thou foster-child of silence and slow time,
Sylvan historian, who canst thus express
A flowery tale more sweetly than our rhyme:
What leaf-fring'd legend haunt about thy shape
Of deities or mortals, or of both,
In Tempe or the dales of Arcady?
What men or gods are these? What maidens loth?
What mad pursuit? What struggle to escape?
What pipes and timbrels? What wild ecstasy?

Heard melodies are sweet, but those unheard
Are sweeter: therefore, ye soft pipes, play on;
Not to the sensual ear, but, more endear'd,
Pipe to the spirit ditties of no tone:
Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave
Thy song, nor ever can those trees be bare;
Bold lover, never, never canst thou kiss,
Though winning near the goal - yet, do not grieve;
She cannot fade, though thou hast not thy bliss,
For ever wilt thou love, and she be fair!

Ah, happy, happy boughs! that cannot shed
Your leaves, nor ever bid the spring adieu;
And, happy melodist, unwearied,
For ever piping songs for ever new;
More happy love! more happy, happy love!
For ever warm and still to be enjoy'd,
For ever panting, and for ever young;
All breathing human passion far above,
That leaves a heart high-sorrowful and cloy'd,
A burning forehead, and a parching tongue.

Who are these coming to the sacrifice?
To what green altar, O mysterious priest,
Lead'st thou that heifer lowing at the skies,
And all her silken flanks with garlands drest?
What little town by river or sea shore,
Or mountain-built with peaceful citadel,
Is emptied of this folk, this pious morn?
And, little town, thy streets for evermore
Will silent be; and not a soul to tell
Why thou art desolate, can e'er return.

O Attic shape! Fair attitude! with brede
Of marble men and maidens overwrought,
With forest branches and the trodden weed;
Thou, silent form, dost tease us out of thought
As doth eternity: Cold Pastoral!
When old age shall this generation waste,
Thou shalt remain, in midst of other woe
Than ours, a friend to man, to whom thou say'st,
"Beauty is truth, truth beauty," - that is all
Ye know on earth, and all ye need to know.

Bestiário Humano, ou Bonequinhos do Porto de Cartago

Pergunta-se ainda se é de admitir que dos filhos de Noé, ou antes desse único homem do qual eles próprios são provenientes, descendem certos monstros humanos de que fala a história dos povos, tais como, segundo se diz: alguns que têm um só olho no meio da fronte; outros têm as plantas dos pés voltadas para trás; outros com a natureza de ambos os sexos — o mamilo direito é de homem e a mama esquerda é de mulher e, unindo-se alternadamente entre si, ora geram ora dão à luz; outros não têm a boca e vivem respirando apenas pelo nariz; outos têm a estatura de um côvado, pelo que os Gregos lhes chamam pigmeus; em outros sítios, as mulheres concebem aos cinco anos e não vão além do oitavo ano de vida. Também se diz que há um povo onde as pessoas só têm uma perna sobre os pés, não dobram o joelho e são de uma espantosa rapidez; chamam-lhes Sciópadas, porque, no Verão, deitados de costas sobre a terra, protegem-se com a sombra dos pés; há outros sem cabeça, com os olhos nos ombros; e outros homens ou espécie de homens, pintados nos mosaicos do porto de Cartago, tirados de curiosos livros de histórias. Que direi dos Cinocéfalos, cuja cabeça de cão e o próprio latido os fazem tomar mais por animais do que por homens? [...] Embora muito raros, os andróginos, também conhecidos por hermafroditas, encontram-se, todavia, de tempos em tempos: neles, cada um dos sexos é tão evidente que não se sabe de que sexo devem tirar de preferência o seu nome. Prevaleceu, porém, o costume de os designar com o masculino, considerado o melhor, e assim ninguém diz «uma» andrógina ou «uma» hermafrodita. Há anos, mas ainda no nosso tempo, nasceu no Oriente um homem duplo quanto aos seus membros superiores e simples quanto aos inferiores: efectivamente, tinha duas cabeças, dois peitos, quatro mãos; mas, como qualquer outro, um só ventre e dois pés. Viveu durante tanto tempo que a sua fama atraiu muitos para o verem. E quem poderá mencionar todos os fetos humanos que não se assemelham àqueles de quem com toda a certeza nasceram?

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XVI, Cap. VIII
Gulbenkian, Lisboa: 1995. (trad.: J. Dias Pereira)

[Quaeritur etiam, utrum ex filiis Noe uel potius ex illo uno homine, unde etiam ipsi extiterunt, propagata esse credendum sit quaedam monstrosa hominum genera, quae gentium narrat historia, sicut perhibentur quidam unum habere oculum in fronte media, quibusdam plantas uersas esse post crura, quibusdam utriusque sexus esse naturam et dextram mammam uirilem, sinistram muliebrem, uicibusque inter se coeundo et gignere et parere; aliis ora non esse eosque per nares tantummodo halitu uiuere, alios statura esse cubitales, quos Pygmaeos a cubito Graeci uocant, alibi quinquennes concipere feminas et octauum uitae annum non excedere. Item ferunt esse gentem, ubi singula crura in pedibus habent nec poplitem flectunt, et sunt mirabilis celeritatis; qu os Sciopodas uocant, quod per aestum in terra iacentes resupini umbra se pedum protegant; quosdam sine ceruice oculos habentes in umeris, et cetera hominum uel quasi hominum genera, quae in maritima platea Carthaginis musiuo picta sunt, ex libris deprompta uelut curiosioris historiae. Quid dicam de Cynocephalis, quorum canina capita atque ipse latratus magis bestias quam homines confitetur? [...] Androgyni, quos etiam Hermaphroditos nuncupant, quamuis ad modum rari sint, difficile est tamen ut temporibus desint, in quibus sic uterque sexus apparet, ut, ex quo potius debeant accipere nomen, incertum sit; a meliore tamen, hoc est a masculino, ut appellarentur, loquendi consuetudo praeualuit. Nam nemo umquam Androgynaecas aut Hermaphroditas nuncupauit. Ante annos aliquot, nostra certe memoria, in Oriente duplex homo natus est superioribus membris, inferioribus simplex. Nam duo erant capita, duo pectora, quattuor manus, uenter autem unus, et pedes duo, sicut uni homini; et tamdiu uixit, ut multos ad eum uidendum fama contraheret. Quis autem omnes commemorare possit humanos fetus longe dissimiles his, ex quibus eos natos esse certissimum est?]

domingo, 29 de agosto de 2010

Leitores Atentos §6

Dizem que é melhor ser touro durante um dia do que vaca a vida inteira.
[κρεῖττον εἶναι φάσκειν γενέσθαι μίαν ἡμέραν ταῦρον ἤ πάντα τὸν αἰῶνα βοῦν.]

Iâmblico, De Vita Pythagorica, 260.


Vale mais ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida.

D. Isabel de Gusmão, mulher de D. João IV

Contra um Plagiário de Virgílio

Desculpas o que de Maro roubaste
com muito que Maro do velho de Quios tirou.
Desculpado serias, e até os poetas te louvariam,
se roubado tivesses como Maro roubou.

Jannus Pannonius in Antologia da Poesia Húngara, Ernesto Rodrigues (selecção e tradução), Âncora Editores, 2002.

Memórias do Prado §2

A Forja de Vulcano, de Velázquez
1630, óleo sobre tela, 223 x 290.

Nesta obra estão presentes os ensinamentos da estatuária greco-romana, das obras de Miguel Ângelo, do classicismo romano-bolonhês e do neo-venezianismo triunfante em Roma nas primeiras décadas do século XVII. Uma passagem das Metamorfoses de Ovídio, na qual Apolo visita a frágua de Vulcano para lhe contar que a sua esposa, Vénus, o enganou com Marte, serve a Velázquez para criar uma composição complexa, em que a história é narrada através de um reportório incrivelmente animado de gestos e expressões de incredulidade e surpresa. Mas a qualidade dramática alia-se à criação de um cenário de grande verosimilhança, em que pode sentir-se o espaço existente entre os corpos de cuidada anatomia que a luz, superando o tenebrismo, modela com rigor. Também o ar parece circular entre os objectos, magníficos pedaços de realidade em forma de natureza-morta: a armadura, as ferramentas, o ferro em brasa.

Alberto Pancordo, "A Colecção de Pintura Espanhola" in AA.VV., O Guia do Prado
Museu Nacional do Prado, Madrid: 2008

sábado, 28 de agosto de 2010

Sobre os Usos Possíveis de Classicistas Desempregados

— Ele julga que inventou a estratégia — continuou a senhora de Guermantes — e depois utiliza palavras impossíveis para as mínimas coisas, mas nem por isso deixa de fazer borrões nas cartas. No outro dia disse que comeu umas batatas sublimes e que encontrara para alugar uma frisa sublime.
— Ele fala latim — disse o duque, indo mais longe.
— Como, latim? — perguntou a princesa.
— Palavra de honra! Pergunte Vossa Alteza à Oriane se estou a exagerar.
— Como não, Alteza, no outro dia disse numa só frase, de um só fôlego: «Não conheço um exemplo de sic transit gloria mundi mais comovente»; digo a frase a Vossa Alteza porque depois de vinte perguntas e recorrendo a linguistas, conseguimos reconstituí-la, mas o Robert atirou aquilo sem respirar fundo, mal se podia distinguir que havia latim lá pelo meio, parecia uma personagem d' O Doente Imaginário! E tudo isto a propósito da morte da imperatriz da Áustria!

Proust, Em Busca do Tempo Perdido - O Lado de Guermantes
Relógio d' Água, Lisboa: 2003. (trad.: Pedro Tamen)

Allzumenschliches

Quanto ao que me pediste na última carta que te enviasse, tratei de mandar fazer o Apolo — leva-to Léptines. É de um novo (e bom!) escultor, de seu nome Leócares. Havia no atelier dele outra peça muito fina, a meu ver: lá a comprei, para a oferecer à tua mulher, que cuida de mim, esteja eu doente ou bem, de um modo que te honra a ti e a mim. Dá-lha, peço-te, a não ser que sejas de outra opinião. Envio-te ainda doze garrafinhas de vinho doce para os teus miúdos e duas de mel. Chegámos já tarde para a colheita dos figos e os mirtilos que estavam armazenados apodreceram, mas para a próxima vamos ser mais cuidadosos. Do resto das culturas há-de te falar o Léptines.

[361a] περὶ δὲ ὧν ἐπέστελλές μοι ἀποπέμπειν σοι, τὸν μὲν Ἀπόλλω ἐποιησάμην τε καὶ ἄγει σοι Λεπτίνης, νέου καὶ ἀγαθοῦ δημιουργοῦ: ὄνομα δ᾽ ἔστιν αὐτῷ Λεωχάρης. ἕτερον δὲ παρ᾽ αὐτῷ ἔργον ἦν πάνυ κομψόν, ὡς ἐδόκει: ἐπριάμην οὖν αὐτὸ βουλόμενός σου τῇ γυναικὶ δοῦναι, ὅτι μου ἐπεμελεῖτο καὶ ὑγιαίνοντος καὶ ἀσθενοῦντος ἀξίως ἐμοῦ τε καὶ σοῦ. δὸς οὖν αὐτῇ, ἂν μή τι σοὶ ἄλλο δόξῃ. πέμπω δὲ καὶ οἴνου γλυκέος δώδεκα σταμνία τοῖς παισὶ καὶ μέλιτος δύο. [361b] ἰσχάδων δὲ ὕστερον ἤλθομεν τῆς ἀποθέσεως, τὰ δὲ μύρτα ἀποτεθέντα κατεσάπη: ἀλλ᾽ αὖθις βέλτιον ἐπιμελησόμεθα. περὶ δὲ φυτῶν Λεπτίνης σοι ἐρεῖ.

É quase certo que esta carta de Platão (a décima terceira e última) não é, na realidade, dele, mas uma fabricação tardia. Ainda assim, gosto de, por momentos, abandonar o cepticismo científico e acreditar que ela é genuína e imaginar Platão a escrever estas linhas. O filósofo de génio fica, subitamente, tão frágil, tão pequenino, tão comum — tão humano.

imagem: O Fantasma de Platão instrui o Poeta Milton, de William Blake (1816)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

! ou ?

Greek archaeologists believe they have found the remains of a royal residence of pre-Classical Ithaca, with links to legendary Odysseus (Ulysses) inevitably coming to mind. Excavations by a University of Ioannina team of archaeologists are centred on the Aghios Athanassios site of Ithaca, a small isle in the Ionian Sea - west of mainland Greece - that has long been associated with Homeric hero Odysseus and the epic Odyssey.

"According to evidence so far, which is extremely significant, and taking under consideration scientific reservations, we believe we are before the palace of Odysseus and Penelope; the only one of the Homeric-era palaces that has not yet been discovered," professor Thanassis Papadopoulos told reporters during a briefing last week.

To date, the dig has uncovered remains of a three-storey building with an interior staircase cut into the side of sheer rock. Remnants of Mycenaean-era pottery were also found, along with a fountain dated to the 13 century BC. Similar fountains have been unearthed at the related sites of the acropolis of Mycenae and Tiryns , in southeast mainland Greece , and specifically in the Argolida plain in the NE Peloponnese.

Tirado daqui. Ver também aqui.

Memórias do Prado §1

Os Bêbedos ou O Triunfo de Baco, de Velázquez
1628-29, óleo sobre tela, 165 x 188.

Velásquez, grande renovador dos géneros pictóricos, aborda aqui o tema mitológico, pouco habitual na pintura espanhola, e trata-o de modo realista. Aproximando-se do quotidiano, representa o deus do vinho, Baco, e a sua corte com os traços dos frequentadores das tabernas de Madrid, de forma semelhante à de Caravaggio nas suas cenas religiosas ou de Ribera nos seus quadros de filósofos, mas longe da idealização das obras de Rubens, que pode ter influenciado na escolha deste tema. Velázquez já tinha feito algo de semelhante em Sevilha, em pinturas em que o tema religioso está quase escondido atrás da cena quotidiana, como sucede em Cristo em Casa de Marta e Maria. Como nelas, mantém o gosto pelas gamas da terra, pela indumentária popular e pelos rostos curtidos mas, aqui, a paisagem, a luminosidade, o corpo despido e a magnífica e meditada composição indicam-nos que o artista já tinha assimilado os ensinamentos das obras dos pintores venezianos e de Rubens na Colecção Real.

Alberto Pancordo, "A Colecção de Pintura Espanhola" in AA.VV., O Guia do Prado
Museu Nacional do Prado, Madrid: 2008.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Lapsus Linguae

Inversamente (e aliás muitos anos antes), a menina de Guermantes (Oriane), que não tinha coisa que se visse, dava mais que falar pelas suas toilettes que todas as Courvoisier juntas pelas suas. Até o escândalo das suas palavras fazia uma espécie de publicidade à sua maneira de se vestir e de se pentear. Atrevera-se a dizer ao grão-duque da Rússia: «Então, Monsenhor, parece que quer mandar assassinar Tolstoi?», num jantar para que não haviam sido convidados os Courvoisier, aliás pouco informados acerca de Tolstoi. Também não o estavam muito mais acerca de autores gregos, a avaliar pela duquesa viúva de Gallardeon (sogra da princesa de Gallardon, então ainda solteira), que, não tendo sido ao longo de cinco anos honrada com uma única visita de Oriane, respondeu a alguém que lhe perguntava a razão da ausência dela: «Parece que recita Aristóteles (queria dizer Aristófanes) em sociedade. Eu não tolero isso em minha casa!».

Proust, Em Busca do Tempo Perdido - O Lado de Guermantes
Relógio d' Água, Lisboa: 2003. (trad.: Pedro Tamen)

Uma cena de "I, Claudius"

Últimas Tendências da Moda Romana

New evidence from an archaeological dig has found that legionnaires wore socks with sandals. Rust on a nail from a Roman sandal found in newly discovered ruins in North Yorkshire appears to contain fibres which could suggest that a sock-type garment was being worn. Now scientists are examining the remains in the laboratory to see if it is true. The fashion faux pas was found in a 2000-year-old "industrial estate" excavated as part of a £318 million Highways Agency scheme to upgrade the A1 between Dishforth and Leeming in North Yorkshire. The unearthed site includes the remains of a water-powered flour mill used to grind grain and produce food for the soldiers, clothes, food remains, graves and pottery. It also contains the evidence of the socks in 14 graves on the outskirts of the area. Blaise Vyner, an archaeologist heading the cultural heritage team on site, said: "You don't imagine Romans in socks but I am sure they would have been pretty keen to get hold of some as soon as autumn came along."

retirado daqui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Anúncio

Ofereço o manual Caligula: the Corruption of Power de Anthony Barrett a quem dele precisar. Não querendo fiquei com dois exemplares e, evidentemente, só preciso de um. A edição é a anterior à que surge no anúncio da Amazon, porém, tanto quanto me parece, há diferenças na capa mas não no conteúdo. Podem responder ao anúncio para o e-mail que tenho no perfil.

domingo, 22 de agosto de 2010

Portugal e Grécia, ontem como hoje

— E Vossa Excelência, minha senhora — continuou logo Carlos [...]—como acha Lisboa?
Gostava bastante, achava muito bonito este tom azul e branco de cidade meridional... Mas, havia tão poucos confortos!... A vida tinha aqui um ar que ela não pudera perceber ainda — se era de simplicidade ou de pobreza.
— Simplicidade, minha senhora. Temos a simplicidade dos selvagens...
Ela riu.
— Não direi isso. Mas suponho que são como os Gregos: contentam-se em comer uma azeitona, olhando o céu, que é bonito...
Isto pareceu adorável a Carlos, todo o seu coração fugiu para ela.

Eça de Queirós, Os Maias

Diels-Kranz online

A mais famosa e complete edição dos escritos dos filósofos gregos chamados os Pré-Socráticos (aos quais a Origem da Comédia já dedicou uma série de Tertúlias) é a edição Diels-Kranz, disponível num excelente site aqui com uma tradução italiana paralela.

http://presocratics.daphnet.org/

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Chez Atreus

The frenetic gestures of the priest as he declares for the sacrifice, the monstrous padded figure of Agamemnon, wearing a mask suggestive both of cruelty and of agony, the wordless, shocked grief of Clytemnestra, and the innocence of the child in her saffron wedding dress, all build the tension toward the moment when the armed men surround the girl and strip off her robe; the frail adolescent body, naked except for white loincloth and breastband, the mouth stopped with a black gag, is lifted high up over Agamemnon’s sword, “as you lift a kid above the altar,” to create, for one instant of unbearable intensity, that pity and fear which Aristotle named as the emotions proper to tragedy. After this scene, no one in the audience can fail to understand the force which drives Clytemnestra on to her revenge. Here at last a director has found a way to penetrate the modern spectator’s insensitivity to spoken poetry and expose him to the beauty and terror which, for the ancient audience, stemmed from the words alone.

Para muitos, e especialmente para alguém que, como eu, teve a oportunidade de participar numa encenação do Agamémnon, toda esta crítica soará desafiadoramente familiar.

Tradução de Clássicas em Inglaterra

If Ovid was the presiding spirit of the English Renaissance, then Homer played a similar role in the 18th century. Numerous translations of the Iliad and Odyssey appeared at the time, none more influential than those written by the greatest poet of the time, Alexander Pope. Pope may have set out to prove his classical credentials through these and his other forays into translation, but ultimately they helped provide him with the tools for creating mock epics in which he ridiculed the pretensions of what he came to see as a trivial, mock-Augustan age.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

'O Burro de Ouro' Online

No outro dia suspirava por sites sobre autores da Antiguidade como o que foi apresentado aqui. Pois bem, acabo de descobrir qualquer coisa parecida dedicada ao Burro de Ouro, de Apuleio (traduzido em português). No site em questão, encontram um longo, mas muito acessível, ensaio sobre a obra de Apuleio, com links para outros textos que exploram várias das questões levantadas pelo romance, como seja a relação dos romanos com os seus animais ou o culto de Ísis. No fim, encontra-se um link para o texto latino e para uma tradução inglesa, bem como uma página com várias versões inglesas comparadas (deliciosamente ilustrada). Pode ser uma boa porta de entrada para quantos ainda não conhecem a obra de Apuleio (fala quem ainda não leu o livro - shame on me).

imagem: Apuleius is transformed into an ass, de H.J. Ford.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

'Ode to Psyche', de Keats (21-30 Abril 1819)


O Goddess! hear these tuneless numbers, wrung
By sweet enforcement and remembrance dear,
And pardon that thy secrets should be sung
Even into thine own soft-conched ear:
Surely I dreamt today, or did I see
The winged Psyche with awakened eyes?
I wandered in a forest thoughtlessly,
And, on the sudden, fainting with surprise,
Saw two fair creatures, couched side by side
In deepest grass, beneath the whisp'ring roof
Of leaves and trembled blossoms, where there ran
A brooklet, scarce espied:
'Mid hushed, cool-rooted flowers, fragrant-eyed,
Blue, silver-white, and budded Tyrian,
They lay calm-breathing on the bedded grass;
Their arms embraced, and their pinions too;
Their lips touched not, but had not bade adieu,
As if disjoined by soft-handed slumber,
And ready still past kisses to outnumber
At tender eye-dawn of aurorean love:
The winged boy I knew;
But who wast thou, O happy, happy dove?
His Psyche true!
O latest born and loveliest vision far
Of all Olympus' faded hierarchy!
Fairer than Phoebe's sapphire-regioned star,
Or Vesper, amorous glow-worm of the sky;
Fairer than these, though temple thou hast none,
Nor altar heaped with flowers;
Nor virgin-choir to make delicious moan
Upon the midnight hours;
No voice, no lute, no pipe, no incense sweet
From chain-swung censer teeming;
No shrine, no grove, no oracle, no heat
Of pale-mouthed prophet dreaming.
O brightest! though too late for antique vows,
Too, too late for the fond believing lyre,
When holy were the haunted forest boughs,
Holy the air, the water, and the fire;
Yet even in these days so far retired
From happy pieties, thy lucent fans,
Fluttering among the faint Olympians,
I see, and sing, by my own eyes inspired.
So let me be thy choir, and make a moan
Upon the midnight hours;
Thy voice, thy lute, thy pipe, thy incense sweet
From swinged censer teeming;
Thy shrine, thy grove, thy oracle, thy heat
Of pale-mouthed prophet dreaming.
Yes, I will be thy priest, and build a fane
In some untrodden region of my mind,
Where branched thoughts, new grown with pleasant pain,
Instead of pines shall murmur in the wind:
Far, far around shall those dark-clustered trees
Fledge the wild-ridged mountains steep by steep;
And there by zephyrs, streams, and birds, and bees,
The moss-lain dryads shall be lulled to sleep;
And in the midst of this wide quietness
A rosy sanctuary will I dress
With the wreathed trellis of a working brain,
With buds, and bells, and stars without a name,
With all the gardener Fancy e'er could feign,
Who breeding flowers, will never breed the same:
And there shall be for thee all soft delight
That shadowy thought can win,
A bright torch, and a casement ope at night,
To let the warm Love in!

imagem: Psyche Entering Cupid's Garden, de John William Waterhouse.

Νίκη της Σαμοθράκης























Vi há alguns dias um documentário onde se contava a história da evacuação do Louvre,que teve lugar quando as tropas alemãs avançaram sobre Paris, na Segunda Guerra Mundial. A Vitória é uma estátua enorme, que foi encontrada em pedaços e posteriormente restaurada. Por razões óbvias, este facto foi o terror de quem a teve de mover para a colocar a salvo.

domingo, 15 de agosto de 2010

The 'Noddy' Guide to Tertullian

Tertuliano (c. 160- c. 220) é um dos mais importantes Padres da Igreja dos primeiros séculos e da latinidade. A sua obra mais conhecida será porventura o Apolegeticus, que se encontra traduzido para português, uma defesa da fé cristã exigindo a autorização do novo culto. Tertuliano, que escreveu várias obras contra as heresias do seu tempo, nomeadamente o marcionismo (uma heresia sobremaneira interessante e ainda hoje popular, mesmo se, ao jeito do tempo, em modo light), acabou, no fim da vida, por se converter ao montanismo, o que fez com que, no século VI, todas as suas obras fossem condenadas pela Igreja, que, também por isso, nunca o canonizou, mesmo se foi ele, por exemplo, o primeiro a expor de forma sistemática a doutrina da Trindade (aliás, ele é o primeiro autor latino a usar o termo Trinitas). Falamos, pois, de uma figura curiosa, em que, ainda recentemente, em andanças cibernéticas, tropecei (aqui, via Tio Vânia). Parece que há quem goste mesmo de Tertuliano e se tenha dedicado a montar um site de fazer inveja com virtualmente tudo o que pode interessar aos curiosos ou estudiosos desta figura maior da Igreja dos primeiros séculos. É uma colecção de materiais de deixar qualquer um de boca aberta e quem me dera que existissem coisas assim para outros autores da Antiguidade Clássica. Podem começar a explorar aqui: The 'Noddy' Guide to Tertullian.

Este blog não partilha necessariamente das opiniões contidas nos seus posts

Requiescat in pace — sentenciou. — Sit tibi terra levis. Requiem aeternam dona ei, Domine. Estás a ver, quando é a morte que está em causa, quando se fala para mortos ou de mortos, o latim volta a ganhar a sua pujança. É a língua oficial para estes casos, por aqui se vê como a morte é uma coisa muito especial. Mas não penses que é por cortesia humanística que falamos latim em sua honra. A língua dos mortos não é o latim erudito, compreendes, o latim dos mortos é de uma natureza completamente distinta, diametralmente oposta, por assim dizer. Estamos a falar do latim sacro, do dialecto monástico, da Idade Média, de um cântico surdo, monocórdico, que parece vir das profundezas da terra — Settembrini não se identificaria com ele, não é coisa que agrade a humanistas e republicanos e a esse género de pedagogos, trata-se de uma outra ordem de ideias, da outra ordem de ideias que existe.

Thomas MannA Montanha Mágica, Dom Quixote, Gilda Lopes Encarnação (trad), 2009

sábado, 14 de agosto de 2010

Os povos antigos traziam nas carroças
os nomes e os objectos; colhiam nas árvores
nomes e alguns frutos, e dos mares
e das montanhas arrastavam
múltiplos nomes do ar e dos ares;
magnânimos, trocavam ou vendiam objectos,
porém davam as palavras.

Fiama Hasse Pais Brandão

As Origens da Pedagogia Moderna

— É, portanto, a partir da infância que se devem aplicar ao estudo da aritmética, da geometria e a todos os estudos que são indipensável preparação para a dialéctica, dando às lições uma forma que não os faça sentir constrangimento.
— Porquê? Porque quem é livre nada deve aprender como se fosse um escravo; é que, enquanto os trabalhos corporais praticados à força não causam mal algum ao corpo, nada do que se aprende mediante a força permanece na alma.
— É verdade.
— Nesse caso, meu excelente amigo, não eduques as crianças pela violência, mas pela brincadeira.

Platão, A República, Livro 7.16, 536d-537a
Guimarães, Lisboa: 2005. (trad.: Elísio Gala)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Há Notícias Que Eu Fico Contente De Só Saber Com Atraso

After turning Homer’s epic poem "The Iliad" into the 2004 film "Troy," Warner Bros. and Brad Pitt are teaming with George Miller to adapt the Greek poet’s other masterwork, "The Odyssey". Their intention is to transfer the tale to a futuristic setting in outer space. Warner Bros. has quietly set up "The Odyssey," and the early hope is that Pitt will star and Miller will direct, with Pitt’s Plan B producing.Pitt played Achilles in the Wolfgang Petersen-directed "Troy," a global blockbuster that David Benioff adapted from "The Iliad." [...]
Como esta, da Variety, de 16 de Outubro de 2008, mas em que só tropecei no outro dia, vagueando pela net. O IMDB já tem uma entrada para o filme, que aparece categorizado como in development, que é, como se sabe, uma coisa muito vaga: assim continue. Cá para mim, George Miller deve ter andado a ver demasiado Ulisses 31 (creio que existe também uma BD que parte da mesma premissa, que, se não estou em erro, até chegou a ser recenseada no Boletim de Estudos Clássicos, mas estou fora de casa, e por isso não posso confirmar a informação).

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ensinar a 'Odisseia'

Creio que todos conhecerão pelo menos três boas adaptações da Odisseia para crianças e jovens por autores portugueses: uma, o famoso Ulisses de Maria Alberta Meneres, que muitos, adivinho, terão dado na escola; outra, mais velhinha, por João Barros, da Livraria Sá da Costa Editora; e, por fim, de todas a mais fiel e madura, A Odisseia Contada aos Jovens, de Frederico Lourenço, que trabalhou sobre a sua tradução, mantendo alguns passos praticamente intactos, num salutar esforço de elevar o nível de literacia dos seus jovens leitores. Tudo isto mostra, de facto, como a Odisseia é uma estória popular junto dos mais novos e que pode ser uma magnífica porta de entrada para a Grécia Antiga e a sua cultura e literatura. Alguém convencido disso mesmo elaborou este site (em inglês), que disponibiliza um conjunto de recursos online sobre a Odisseia, fundamentalmente vocacionados para professores do ensino básico. Recolhe uma multiplicidade fantástica de materiais (incluindo apresentações de powerpoint), como um perguntas & respostas com Robert Fagles ou um jogo em que podemos escolher ser Ulisses, Penélope ou Telémaco e decidir o que fazer perante uma série de situações, recriando a estória.

imagem: Ulisses e Nausícaa, de Pieter Pietersz Lastman (1619)
@ Alte Pinakothek, Munique

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

'A Aristocracia e os Seus Críticos', de Miguel Morgado [Crítica]

Miguel Morgado, A Aristocracia e os Seus Críticos
Edições 70, Lisboa: 2008.

À primeira vista, pode parecer estranho recensear um livro como este no blogue: o grosso da obra é dedicada à discussão dos textos capitais de Maquiavel, Hobbes, Rousseau e Publius, autores que merecem, indesmentivelmente, o rótulo de clássicos, mas não certamente no sentido em que o adjectivo mais é usado por aqui. A tese de doutoramento de Miguel Morgado é, porém, leitura obrigatória para quem quer pensar a fundo a filosofia política antiga, com que o autor gasta, em boa medida, precisamente as primeiras cento e cinquenta páginas, bem como o capítulo final. Autores como Platão, Aristóteles, Isócrates, Políbio e Cícero merecem uma análise cuidada na tentativa de construir uma teoria geral da aristocracia qua forma optimal de governo.

E, todavia, o foco do livro não se encontra na Antiguidade, mas sim na fortuna, a nível da ciência política, da constituição que os antigos tinham em tão boa conta. Logo no segundo capítulo somos confrontados com as discussões que varreram o Renascimento a propósito do que definia, afinal, a verdadeira nobreza/aristocracia, depois de um período, a Idade Média, em que esta se havia constituído como classe (sim, em Roma havia os patrícios, mas as duas situações são razoavelmente diferentes). A nobreza, por exemplo, era ou não era hereditária? Como conciliar uma tal posição com a pretensão de que os nobres eram, de facto, os melhores, e por isso o seu governo era «naturalmente» justo (e justificado)? Estas são questões com que já Platão, na República, se confrontava.

A segunda, e mais longa, parte do livro revolve, como já foi dito, em torno do pensamento de Maquiavel, Hobbes e Rousseau. O que interessa a Miguel Morgado, claro, é a crítica destes autores à aristocracia, pois que este regime, tido, desde os gregos, como o melhor, constituía-se como um verdadeiro problema para os modernos teorizadores políticos, não-aristocráticos. Estes viam-se na necessidade de erodir o prestígio da aristocracia se efectivamente pretendiam que as suas teorias fossem encaradas com alguma seriedade, como alternativa. Ao traçar a história da crítica da aristocracia, Miguel Morgado acaba por reconstituir, ao mesmo tempo, a história da emergência do pensamento democrático, nomeadamente com Hobbes (sim!) e Rousseau, o que é, para nós, cidadãos nativos de democracias liberais, curiosíssimo, pois que põe a nu os fundamentos (ou, muitas vezes, tão-só hipóteses) filosóficos que subjazem ao nosso regime actual.

Também a democracia antiga é, por isso, analisada, mesmo se não tão extensivamente como a aristocracia. O capítulo em que, contudo, se lhe dá maior atenção é, precisamente, já na parte terceira, aquele em que o pensamento de Publius é analisado, já que os Founding Fathers, no Federalista, tiveram o cuidado de distinguir 'democracia' e 'república': 'democracia' era aquela coisa perigosa dos atenienses, a 'república', pelo contrário, era um regime todo novo que ia ser experimentado pela primeira vez nos Estados Unidos. Esta distinção, a nós, que confundimos os dois termos, pode-nos parecer estranha, mas, ainda que, semanticamente, o tempo a não tenha preservado, do ponto de vista da ciência política, foi vital para a criação da democracia como hoje a conhecemos. Este capítulo, portanto, pode quase ser subintitulado «a democracia e os seus críticos», em que o termo 'democracia' representa aqui, como se disse, o sistema político ateniense.

Por fim, o livro fecha com uma análise da teoria da constituição mista por pensadores como Políbio e Cícero, procurando ver nesta uma tentativa de resposta do partido aristocrático, por um lado, à impossibilidade de concretizar a aristocracia pura e, por outro, à indesejabilidade disso, pelos perigos que acarretava a total alienação do povo do governo da cidade. Toda a viagem filosófica que Miguel Morgado nos propõe acaba, por isso, por enriquecer, de forma significativa, a nossa visão da política antiga, pois que as críticas que os modernos lhe dirigiram mais nos fazem perceber as suas valências e defeitos, bem como a sua natureza. Ao mesmo tempo, A Aristocracia e os Seus Críticos não se fica por um mero exercício de arqueologia filosófica, uma simples exposição da aristocracia antiga e, depois, das críticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo do tempo; antes pelo contrário: o livro tem um profundo interesse para o leitor hoje, numa altura em que, se, por um lado, celebramos os cem anos da República, por outro, muitos são os que, cada vez mais, admitem a falência do sistema e questionam a validade da própria democracia, procurando informar-se sobre outros regimes alternativos. Num momento, portanto, de encruzilhada político-constitucional como este (relembremos que numa primeira versão da proposta de revisão constitucional do PSD havia a ideia de permitir um referendo ao regime, o que abria portas à implantação da monarquia), este é um livro muito válido e valioso, oferecendo um raro prazer intelectual. Sem dúvida dos melhores ensaios que li este ano.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Why Learn Ancient Greek?

Classicists do have a habit of over-egging the case. There is going to be a big conference in Athens in the autumn, to celebrate the achievement of Ancient Greece (fair enough) -- but also "to explore the potential of this legacy as a source for solutions to challenges that the world faces today and to those that it will inevitably come to face in the future". Well, thinking that Greek culture is marvellously interesting is one thing; thinking that it holds the solutions to the world's problems is quite another (and it is quite hard to resist the jibe that it clearly hasn't worked on the Greek economy).
Uma pequena crónica (a ler aqui) de Mary Beard, professora de Clássicas em Cambridge, no Times Literary Supplement desta semana, ainda a propósito do projecto de ensinar grego clássico a crianças de meios sociais mais desfavorecidos nas escolas primárias inglesas.

Viva o YouTube


A adaptação de Antígona de 1961, realizada por Yiorgos Yavellas, com Irene Papas no papel principal. Em partes, o que é uma pequena desvantagem, embora legendado, no YouTube.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ovid in the third reich

non peccat, quaecumque potest peccasse negare,
solaque famosam culpa professa facit.
—(Amores, III, xiv)

I love my work and my children. God
Is distant, difficult. Things happen.
Too near the ancient troughs of blood
Innocence is no earthly weapon.

I have learned one thing: not to look down
So much on the damned. They, in their sphere,
Harmonize strangely with the divine
Love. I, in mine, celebrate the love-choir.

Geoffrey Hill, daqui.

domingo, 8 de agosto de 2010

Fócio, O Crítico Literário

Fócio, nascido circa 820, em Constantinopla, tornou-se patriarca da cidade por duas vezes, entre 858-861 e 878-886, sendo mesmo considerado por muitos o mais importante patriarca desde João Crisóstomo. Foi, além disso, um dos principais responsáveis pelo progressivo afastamento entre as duas igrejas (a de Roma e a do Oriente). Não nos interessa aqui, porém, o seu papel na história da Igreja, até porque viveu já muito tempo depois do período temporal com que este blogue normalmente se ocupa. Se aqui evocamos esta figura é por causa da sua Bibliotheca, também conhecida como Myriobiblion, uma colecção de 279 comentários a vários livros que Fócio leu, uma verdadeira compilação de exercícios de crítica literária, pequenas reviews, certamente dos primeiros exemplares do género de que temos conhecimento. A Bibliotheca lê-se como uma edição alargada do JL. Cerca de metade dos livros comentados por Fócio não nos chegaram, pelo que as informações no seu Myriobiblion são assaz preciosas para os estudiosos. Temos a sorte de o patriarca ser bastante eclético no seus gostos: Galeno, Isócrates, Cirilo, Luciano, os dois Clementes ou Aquiles Tácio são alguns dos autores que Fócio não deixou de comentar, alguns em poucas linhas, outros mais detalhadamente. Como amostra, e especialmente para a Tatiana, deixo aqui o comentário (que se verá não ser apenas isso, mas ter também outras informações curiosas, mesmo se possivelmente não verdadeiras) à Legatio Ad Gaium, de Fílon:
Read, also, his two tractates, Censure of Gaius and Censure of Flaccus in which, more than in his other writings, he shows vigour of expression and beauty of language. But he frequently errs by changing his ideas and in describing other things in a manner at variance with Jewish philosophy. He flourished in the times of the emperor Gaius, to whom he states that he sent a deputation on behalf of his own people, while Agrippa was king of Judaea. He was the author of numerous treatises on various subjects, ethical discussions, and commentaries on the Old Testament, mostly consisting of forced allegorical explanations. I believe that it was from him that all the allegorical interpretation of Scripture originated in the Church. It is said that he was converted to Christianity, but afterwards abandoned it in a fit of anger and indignation. Before this, during the reign of the emperor Claudius, he had visited Rome, where he met St. Peter, chief of the apostles, and became intimate with him, which explains why he thought the disciples of St. Mark the evangelist, who was a disciple of St. Peter, worthy of praise, of whom he says that they led a contemplative life amongst the Jews. He calls their dwellings monasteries, and declares that they always led an ascetic life, practising fasting, prayer, and poverty. Philo came of an Alexandrian priestly family. He was so admired amongst the Greeks for his power of eloquence that it was a common saying amongst them: "Either Plato philonizes or Philo platonizes."
Podem «folhear» o resto da obra aqui.

sábado, 7 de agosto de 2010

'Hyperion. A Fragment.', de Keats (Final 1818 - Primavera 1819)

[...]
“O tender spouse of gold Hyperion,
“Thea, I feel thee ere I see thy face;
“Look up, and let me see our doom in it;
“Look up, and tell me if this feeble shape
“Is Saturn’s; tell me, if thou hear’st the voice
“Of Saturn; tell me, if this wrinkling brow,
“Naked and bare of its great diadem,
“Peers like the front of Saturn. Who had power
“To make me desolate? whence came the strength?
“How was it nurtur’d to such bursting forth,
“While Fate seem’d strangled in my nervous grasp?
“But it is so; and I am smother’d up,
“And buried from all godlike exercise
“Of influence benign on planets pale,
“Of admonitions to the winds and seas,
“Of peaceful sway above man’s harvesting,
“And all those acts which Deity supreme
“Doth ease its heart of love in.—I am gone
“Away from my own bosom: I have left
“My strong identity, my real self,
“Somewhere between the throne, and where I sit
“Here on this spot of earth. Search, Thea, search!
“Open thine eyes eterne, and sphere them round
“Upon all space: space starr’d, and lorn of light;
“Space region’d with life-air; and barren void;
“Spaces of fire, and all the yawn of hell.—
“Search, Thea, search! and tell me, if thou seest
“A certain shape or shadow, making way
“With wings or chariot fierce to repossess
“A heaven he lost erewhile: it must—it must
“Be of ripe progress—Saturn must be King.
“Yes, there must be a golden victory;
“There must be Gods thrown down, and trumpets blown
“Of triumph calm, and hymns of festival
“Upon the gold clouds metropolitan,
“Voices of soft proclaim, and silver stir
“Of strings in hollow shells; and there shall be
“Beautiful things made new, for the surprise
“Of the sky-children
; I will give command:
“Thea! Thea! Thea! where is Saturn?”
[...]

Ler o poema todo, magnífico (still reading), aqui.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Eternidades

A serpente que cinge o mar e é o mar,
O repetido remo de Jasão, a jovem espada de Sigurd.
Só perduram no tempo as coisas
Que não foram do tempo.


Jorge Luis Borges
, in A Rosa Profunda, Obras Completas vol. III, Tradução de Fernando Pinto do Amaral, Editorial Teorema, 1998

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mas a ideia é a mesma*

Um verso bom não permite ser lido em voz baixa, ou em silêncio. Se pudermos fazê-lo, não é um verso válido: o verso exige ser pronunciado. O verso recorda sempre que foi uma arte oral antes de ser uma arte escrita, recorda que foi um canto.
Há duas frases que o confirmam. Uma é a de Homero ou a dos Gregos que denominamos por Homero, que diz na Odisseia: «os deuses tecem desventuras aos homens para que as gerações vindouras tenham alguma coisa que cantar.» A outra, muito posterior, é de Mallarmé e repete o que diz Homero menos belamente: «tout aboutit en un livre» («tudo vai dar a um livro»). Aqui temos as duas diferenças; os Gregos falam de gerações que cantam, Mallarmé fala de um objecto, de uma coisa entre as coisas, um livro. Mas a ideia é a mesma, a ideia de que nós fomos feitos para a arte, somos feitos para a memória, somos feitos para a poesia ou possivelmente somos feitos para o esquecimento. Mas há algo que resta e esse algo é a história ou a poesia, que são essencialmente diferentes

Jorge Luis Borges
, in Sete Noites, Obras Completas vol. III, Tradução de Fernando Pinto do Amaral, Editorial Teorema, 1998

*Jorge Luis Borges, mesmerezing me com os seus escritos desde 1923.


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A Razão Por Que os Classicistas Nunca São Convidados Para o Governo

[Só a partir de meio do vídeo o classicista entra em acção, mas o que
vem antes é importante para perceber o contexto geral da coisa.]

"The Elements of Euclid" de Oliver Byrne

Ruari McLean, in his groundbreaking study Victorian Book Design and Colour Printing, calls Oliver Byrne's 1847 edition of The First Six Books of the Elements of Euclid "one of the oddest and most beautiful books of the whole century." The century was the nineteenth; the publisher was the great William Pickering; the printer, his collaborator and close friend, Charles Whittingham—and McLean was right on the money: indeed it is. Byrne, who wrote a number of books on mathematics and engineering, served as "Surveyor of Her Majesty's Settlements in the Falkland Islands," which, in case you don't know, are in the middle of nowhere in the South Atlantic Ocean. Presumably he had a lot of time on his hands, for in this very beautiful volume, he devised a radical method, which he claims to have tested "by numerous experiments" and with considerable success, to teach the six basic propositions of Euclid. To do so, instead of mathematical symbols, he employs colors and shapes whereby "the Elements of Euclid can be acquired in less than one third the time usually employed, and retention of this memory is much more permanent."

Mommsen, Ilustre Desconhecido


Até os não classicistas terão já ouvido falar da monumental obra de Edward Gibbon, The History of the Decline and Fall of the Roman Empire (podem adquirir a versão abridged da Penguin por um preço bastante razoável). Publicados entre 1776 e 1789, os seis volumes da obra, analisando o período que se estende de Marco Aurélio (180) até à queda do Império Romano do Oriente a.k.a. Bizâncio (1453), tornaram-se num clássico da prosa historiográfica. Boa parte da sua fama dever-se-á também à polémica tese de Gibbon de que o cristianismo foi um factor decisivo para a queda do império (a Penguin tem um bonito livrinho da sua magnífica série das Great Ideas com alguns dos principais capítulos da obra sobre os cristãos).

Poucos, porém, terão talvez ouvido falar de Theodor Mommsen e da sua Römische Geschichte (História de Roma). O nome de Mommsen talvez não seja de todo estranho aos ouvidos dos classicistas: a ele devemos o Corpus Inscriptionum Latinarum, uma colecção com todas as inscrições em latim que chegaram até nós, organizado de forma rigorosa e científica. No entanto, a fama de Mommsen entre os seus contemporâneos ficou sobretudo a dever-se a essa obra que há pouco referimos, a sua História de Roma, projecto planeado para cinco volumes, mas que se ficou pelos três primeiros, culminando com César, que Mommsen admirava imensamente. Um livro sobre as províncias romanas escrito mais tarde acabou por funcionar como uma sequela, cobrindo parte importante do que ficara por falar e já em 1992 foi lançada uma reconstrução tentativa do quarto tomo, a partir sobretudo de notas e apontamentos dos alunos de Mommsen. A obra, publicada entre 1854-1856, teve um enorme impacto, levando à atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao seu autor, em 1902, uma no antes da morte deste.

Não posso deixar de me interrogar por que razão nunca antes tinha ouvido falar deste senhor e da sua obra monumental (disponível na Cambridge University Press, em cinco volumes, com a tradução inglesa original de 1862-1866, reeditados em paperback este ano: a colecção fica por £110). Não consigo deixar de supor que este desequilíbrio de fama entre Mommsen e Gibbon se deve tão-só ao facto de o inglês ter triunfado no século XX, ao ponto de eclipsar tudo o mais: é uma explicação um pouco mesquinha, mas, receio, mais verdadeira do que talvez queiramos admitir.

imagem: Theodor Mommsen, de Ludwig Knaus (1881) @ Nationalgalerie Berlin

Pinacotheca Philosophica


Ora eis um site engraçado: um catálogo de imagens de filósofos em obras de arte de todos os séculos. Porque existe mais para lá da Escola de Atenas de Rafael. A lista, ordenada alfabeticamente por nome de filósofo, poderia ser ainda mais extensa, mas o acervo é já muito considerável. Os pensadores gregos e romanos são, de longe, e como seria previsível, os que receberam maior atenção dos artistas ao longo dos tempos. Não deixem de vaguear um pouco pela página: encontrarão coisas muito interessantes (procurem o Christ as the True Light - Scholars Following Pagan Philosophers Plato and Aristotle Towards the Abyss - confessem que o título vos deixa curiosos).

imagem: Greuter Johann Friedrich (a partir de Giovanni Francesco Romanelli),
Sócrates e os seus Discípulos. @ Achenbach Foundation for Graphic Arts, São Francisco

domingo, 1 de agosto de 2010

Grego Antigo Para Aprender Inglês


The works of ancient Greece have shaped the study of maths, science and civilization for centuries. But now the native tongue of Archimedes and Herodotus is to be turned to a more basic use - to help primary children from deprived backgrounds improve their English. The initiative, which will start this September, is being run by the Iris Project, which pioneered the return of Latin to state school classrooms. Started as a pilot scheme in 2006, it has introduced Latin to dozens of inner-city schools, and director Lorna Robinson is confident that classical Greek could prove even more popular. "It will provide a clear and fascinating basis for grasping the complexities of English grammar and connect with other aspects of the school curriculum, from history and geography through to science, maths, drama, art and sport," said Dr Robinson. The Greek lessons will start for 160 pupils in three schools in Oxford in September. A further 10 schools will get one-off taster sessions.

Ler mais aqui.

imagem: estátua de Sócrates, vendado por estudantes-manifestantes em Atenas
© Lefteris Pitarakis/AP