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quarta-feira, 17 de abril de 2013

[C3|2 #2] Ciclo Clássicos no Cinema: 'Le Mépris/O Desprezo', de Jean-Luc Godard (1963)

Depois de termos percorrido o Mediterrâneo com Manoel de Oliveira, convidamos agora os nossos leitores a acompanharem-nos às filmagens de uma peculiar adaptação da Odisseia. O segundo filme do nosso ciclo é O Desprezo, de Jean-Luc Godard, realizador da nouvelle vague por demais célebre. Com Brigitte Bardot e Michel Picolli, trata-se de uma das obras mais conhecidas de JLG. A acção começa com a contratação de Paul, escritor, para corrigir o argumento de uma adaptação cinematográfica da Odisseia, a cargo de um respeitado realizador europeu: Fritz Lang interpretado por — Fritz Lang. A abordagem de Lang não é apreciada pelo produtor americano do filme, exasperado pela forma que este vai assumindo (reflectindo, em boa medida, as tensões que JLG teve, na vida real, com o produtor, também americano, de Le Mépris). Paul é contratado precisamente para resolver a situação, mas quando assume este trabalho a sua relação com a mulher, Camille, começa a deteriorar-se acentuadamente (o que evoca a desintegração da relação entre JLG e Anna Karina). O filme é entrecortado por reflexões várias sobre os gregos, Dante, Hölderlin e Brecht, ao mesmo tempo que a própria acção se desenvolve como glosa subtil à Odisseia. A fama da obra é bem merecida e vamos tentar entrar um pouco mais no seu mistério no final da sessão, em conjunto. Queremos mais gente na sala que pretendentes no palácio de Ulisses. Prometemos: there will be blood!


O DESPREZO, de Jean-Luc Godard
apresentado por Osvaldo Silvestre
com Ricardo Pereira e João Diogo Loureiro no debate final.

23 de Abril, 21h15
Aqui Base Tango,
Rua Venâncio Rodrigues 8, Coimbra

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Catena Aurea

Hércules olhando a estátua do Pai
Experimentai, pois, ó deuses, para que todos saibais!
Do céu pendurai uma corrente feita de ouro
e agarrai nela, ó deuses todos e deuses todas!
Mas não arrastaríeis do céu para a planície terrena
Zeus, o sublime conselheiro, ainda que vos esforçásseis.
Porém no momento em que eu quisesse puxá-la,
arrastaria a própria terra e o próprio mar;
e de seguida ataria a corrente à volta do cume do Olimpo,
e todas as coisas ficariam suspensas no espaço:
em tal medida sou superior aos deuses e aos homens.

[εἰ δ᾽ ἄγε πειρήσασθε θεοὶ ἵνα εἴδετε πάντες: 
σειρὴν χρυσείην ἐξ οὐρανόθεν κρεμάσαντες 
πάντές τ᾽ ἐξάπτεσθε θεοὶ πᾶσαί τε θέαιναι: 
ἀλλ᾽ οὐκ ἂν ἐρύσαιτ᾽ ἐξ οὐρανόθεν πεδίον δὲ 
Ζῆν᾽ ὕπατον μήστωρ᾽, οὐδ᾽ εἰ μάλα πολλὰ κάμοιτε. 
ἀλλ᾽ ὅτε δὴ καὶ ἐγὼ πρόφρων ἐθέλοιμι ἐρύσσαι, 
αὐτῇ κεν γαίῃ ἐρύσαιμ᾽ αὐτῇ τε θαλάσσῃ: 
σειρὴν μέν κεν ἔπειτα περὶ ῥίον Οὐλύμποιο 
δησαίμην, τὰ δέ κ᾽ αὖτε μετήορα πάντα γένοιτο. 
τόσσον ἐγὼ περί τ᾽ εἰμὶ θεῶν περί τ᾽ εἴμ᾽ ἀνθρώπων.] 

Ilíada 8.18-27
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)
*
Parece à primeira vista incrível, mas é a verdade: são sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão. [...] Tal é a influência destes poucos sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade deste como também a deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração dos dinheiros... [...]. E abaixo de todos estes vêm outros. Quem queira desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mim e milhões agarrados à corda do tirano; tal como em Homero Júpiter se gloria de que, puxando a corda, todos os deuses virão atrás.

[On ne le croira pas du premier coup, mais certes il est vrai: ce sont toujours quatre ou cinq qui maintiennent le tyran, quatre ou cinq qui tiennent tout le pays en servage. [...] Ces six adressent si bien leur chef, qu’il faut, pour la société, qu’il soit méchant, non pas seulement par ses méchancetés, mais encore des leurs. Ces six ont six cents qui profitent sous eux, et font de leurs six cents ce que les six font au tyran. Ces six cents en tiennent sous eux six mille, qu’ils ont élevé en état, auxquels ils font donner ou le gouvernement des provinces, ou le maniement des deniers,... [...]. Grande est la suite qui vient après cela, et qui voudra s’amuser à dévider ce filet, il verra que, non pas les six mille, mais les cent mille, mais les millions, par cette corde, se tiennent au tyran, s’aident d’icelle comme, en Homère, Jupiter qui se vante, s’il tire la chaîne, d’emmener vers soi tous les dieux.]

La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, pg. 50-51
Antígona, Lisboa: 1997. (trad.: Manuel João Gomes)
*
Subindo a escada em caracol no interior do templo, podia chegar-se às galerias superiores e daí observar de perto o Zeus de Fídias. Segundo Quintiliano, essa obra «acrescentara algo à religião dos homens». O ouro e o marfim alternavam apenas com pedras preciosas, excepto no trono onde também aparecia o ébano. Zeus estava cingido por uma coroa de oliveira e tinha na mão direita uma Nike com uma fita e uma coroa. Na base do trono havia outras pequenas Nike, como elfos dançantes. E também se viam Esfinges aladas arrebatando nas suas garras donzelas tebanas, e Apolo e Artemusa, trespassando, mais uma vez, os filhos de Níobe. E os olhos, habituando-se à escuridão animada, vislumbravam sempre novas cenas, esculpidas nas traves do trono. Quanto mais para baixo se olhava, mais se multiplicavam as figuras. Só na base do trono havia vinte e nove, as Amazonas, Héracles com as suas tropas e Teseu. Um rapaz ajusta uma fita na fronte: será Pantarques, o jovem amante de Fídias? Vedações pintadas, onde se vêem de novo Teseu e Héracles, depois Pirito, Ájax, Cassandra, Hipodamia, Estérope, Prometeu, Pentesileia, Aquiles e duas Hespérides, impedem o acesso ao trono. Na parte superior, surgem novos seres: três Cáritas e três Horas. Depois, o olhar volta a inclinar-se para o escabelo, fixando-se no pé de Zeus, e até aí encontra figuras: Teseu, mais uma vez, e de novo as Amazonas e leões de ouro. Continuando a descer com os olhos até à plataforma que sustenta o enorme Zeus e os seus parasitas, outras cenas se distinguem: Hélios subindo para o seu carro, Hermes avançando, seguido por Héstia, Eros recebendo Afrodite saindo das águas e sendo coroada por Peito. Não faltam Apolo e Artemisa, Atena e Héracles, Anfitrite e Posídon, e Selene, sobre um cavalo. Zeus, gigante sentado e incrustado de criaturas, reflectia-se num pavimento de pedra negra e brilhante, onde o óleo para a manutenção do marfim escorria em abundância. 

[...] Os modernos mostraram-se receosos e perplexos perante as descrições. Demasiadas cores, demasiado fausto oriental, a suspeita de uma certa falta de gosto. Terá Fídias, na sua obra mais ambiciosa, perdido todas as qualidades que se admiram nos frisos do Parténon? O erro dos modernos é considerarem o Zeus de Fídias uma estátua, como o Hermes de Praxíteles. O Zeus de Fídias, porém, era outra coisa. Encerrado e fulgurante na cela do templo, talvez se assemelhasse mais a um dólmen, a um abadir, a uma pedra caída do céu, a que se tivessem agarrado, para viver, os outros deuses e heróis. Sobre o ouro e marfim pululava o movimento de um formigueiro. Zeus não susbstiria senão como suporte de animais e de lírios, de arcos e panejamentos, de velhas cenas eternamente repetidas. Mas Zeus não era apenas aquele guardião imóvel sentado no trono: Zeus era todas aquelas cenas, todos aqueles gestos, confusos e emaranhados, que lhe eriçavam o corpo e o trono com arrepios minúculos. Fídias demonstrara, sem querer, que Zeus não pode viver sozinho: mostrara, sem querer, a essência do politeísmo. 

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, pg. 169-171 
Cotovia, Lisboa: 1990. (trad.: Maria Jorge Vilar de Figueiredo)

sábado, 28 de abril de 2012

O Que Lêem Os Nossos Políticos

A presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, defende que a União Europeia deve “olhar para todos os Estados membros com a mesma isenção e neutralidade com que Homero na sua Ilíada tratou Aquiles e Heitor, gregos e troianos”.

Do lado troiano, sobressai em toda a sua grandeza a figura de Heitor, ao mesmo tempo heróica e humana. É modelo de filho, de marido, de pai, de cidadão. Luta pelo seu país e pela sua família, não apenas para alcançar honra pessoal, como Aquiles. Este tratamento do herói máximo da facção inimiga é a mais antiga prova da imparcialidade — direi mesmo, da superioridade moral grega*. Não será a última.
*Quando Heitor morre às mãos de Aquiles, e os Aqueus finalmente ousam aproximar-se para o verem de perto, o seu primeiro movimento é de admiração pela beleza física do inimigo (XXII.367-371)

Maria Helena Rocha Pereira, 
Estudos de História da Cultura Clássica - I Volume: Cultura Grega.
Gulbenkian, Lisboa: 2006 (pg. 78).

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

"Emigro para outro país; estou cansado, é verdade(...)"



IV


Homero em sua desventura queixa-se dos Cimaios¹


«Que fado não permitiu Zeus se apoderasse de mim, era eu ainda infante no regaço de minha mãe! Minha mãe... é Esmirna, cidade de Eólia. Por vontade do Zeus da égide, os povos del-rei Frícon a rodearam outrora de muralhas. Povos do soberano Frícon, cavaleiros indomáveis de velozes corcéis, que se votavam aos trabalhos de Ares com o ardor e ímpeto do fogo! Ah! Esmirna de à beira-mar, açoitada pelas rajadas que sopravam do ponto, e o brando Meles límpido pelo meio da cidade!
Saindo dali proposeram-me as esclarecidas filhas de Zeus (as Musas) que cantássemos os louvores da terra e da civilização (pólin andrôn). Cidadãos insensatos fecharam os ouvidos às vozes divinas. (Mais de um se terá arrependido de haver, para seu opróbrio, urdido a minha desgraça). Resigno-me com a sorte que a divindade me deu, ao nascer. Suportarei com paciência o malogro de minhas aspirações e inspirações. Sou de ânimo altivo e ao corpo... não lhe apetece andar mais pelas ruas de Cime. Emigro para outro país; estou cansado, é verdade; mas devagar se vai ao longe...»

¹ Habitantes de Cime

Homero: Poemetos e Fragmentos; Tradução do Grego,Introdução e Notas do P.ᵉ M. Alves Correia, Colecção de Clássicos Sá da Costa,1947

Leitura pública da «Odisseia»

No dia 21 de janeiro, a República das Letras, programa para alunos do ensino secundário na ilha Terceira, fará uma leitura pública integral da Odisseia de Homero, com tradução de Frederico Lourenço.

Mais informações aqui.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Hector

And Hector died like everyone else
He was in charge of the Trojans
But a spear found out the little patch of white
Between his collarbone and his throat
Just exactly where a man's soul sits
Waiting for the mouth to open
He always knew it would happen

Alice Oswald, Memorial, Faber & Faber, 2011

Memorial faz parte de um conjunto de novas adaptações/traduções da Ilíada que saíram este ano. É um livro que recomendo, deixando embora a nota de que prefiro as versões de Christoper Logue.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

3 novas versões e meia do the greatest most beloved poem of them all (à venda a partir deste mês)

Bloody but beautiful, is there a greater poem than the “Iliad”? Depicting a few weeks in the final year of the Greek siege of Troy, Homer’s epic glitters with bronze spears and the blazing sun. Rich with his famous similes and repeated expressions, it describes a war in which men can pause from fighting in order to speak of their family lineage in terms of “As is the generation of leaves, so is that of humanity”; in which Gods can yank warriors back by their hair or cover them in a cloud of mist if it is not yet their turn to die. It is both brutally realistic (once you have heard how Phereclus died by a spear through his right buttock into his bladder, you won’t forget it) and belonging to another world—as the Greek epithet for Homer, theois aoidos or “divine singer” suggests. It is no wonder that the “Iliad” is a text that people constantly turn back to, and continually translate.

Continuar a ler (e/ou a ouvir) aqui.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Somos Todos Aquiles

Tétis Chora Aquiles Morto, de Johann Füssli (1780)
Na verdade me disse a minha mãe, Tétis dos pés prateados,
que um dual destino me leva até ao termo da morte:
se seu aqui ficar a combater em torno da cidade de Tróia,
perece o meu regresso, mas terei um renome imorredouro;
porém se eu regressar a casa, para a amada terra pátria,
perece o meu renome glorioso, mas terei uma vida longa,
e o termo da morte não virá depressa ao meu encontro.

[μήτηρ γάρ τέ μέ φησι θεὰ Θέτις ἀργυρόπεζα
διχθαδίας κῆρας φερέμεν θανάτοιο τέλος δέ.
εἰ μέν κ᾽ αὖθι μένων Τρώων πόλιν ἀμφιμάχωμαι,
ὤλετο μέν μοι νόστος, ἀτὰρ κλέος ἄφθιτον ἔσται:
εἰ δέ κεν οἴκαδ᾽ ἵκωμι φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν,
415ὤλετό μοι κλέος ἐσθλόν, ἐπὶ δηρὸν δέ μοι αἰὼν
ἔσσεται, οὐδέ κέ μ᾽ ὦκα τέλος θανάτοιο κιχείη.]

Ilíada 9.410-16
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)

Nesse momento, os demiurgos da nossa geração, ao reflectirem (75c) sobre se o género que estavam para criar havia de ter uma vida mais longa e pior, se uma mais breve e melhor; e decidiram que, por todos os motivos, deviam preferir uma vida mais curta que fosse melhor a uma mais longa que seria mais trivial.

[νῦν δὲ τοῖς περὶ τὴν ἡμετέραν γένεσιν δημιουργοῖς, ἀναλογιζομένοις πότερον πολυχρονιώτερον χεῖρον ἢ βραχυχρονιώτερον βέλτιον ἀπεργάσαιντο γένος, συνέδοξεν τοῦ πλείονος βίου, φαυλοτέρου δέ, τὸν ἐλάττονα ἀμείνονα ὄντα παντὶ πάντως αἱρετέον.]

Platão, Timeu 75b-75c
Trad.: Rodolfo Lopes [dissertação de mestrado, disponível aqui]

domingo, 20 de março de 2011

Operation Odyssey Dawn

ἦμος δ᾽ ἠριγένεια φάνη ῥοδοδάκτυλος Ἠώς...
Quando surgiu a que cedo desponta, a Aurora de róseos dedos...

Odisseia 9.152 (trad.: Frederico Lourenço)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Leio Monet e vejo Homero


"Por toda a terra espalhava a Aurora o seu manto de Açafrão..."
[Ἠὼς μὲν κροκόπεπλος ἐκίδνατο πᾶσαν ἐπ᾽ αἶαν]
Homero, Ilíada, VIII, 1.


HOMERO. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. Lisboa: Edições Cotovia, 2005. p.163.
_______
Imagem: Claude Monet, Impression, soleil levant, 1872, óleo sobre tela, 48 × 63 cm.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Poesia Hebraica §2, ou Leitores Atentos §10

O teu porte semelhante ao da palmeira e os teus seios a cachos de uvas.
Eu disse subirei à palmeira prenderei os ramos sejam agora
os teus seios como cachos
de uvas o aroma do alento de tua boca como aroma
de pomos e o teu palato
vinho excelente que escorra para o meu amor o meu gosto
e faz calar os lábios adormecidos.

"Salomão"-Fiama, Cântico Maior 7.8-10
Assírio & Alvim, Lisboa: 1985.
[a trascrição acima não reproduz a formatação original]

Nunca com os olhos vi outra criatura mortal como tu,
homem ou mulher: é reverência que sinto quando olho para ti.
Outrora vi junto do altar de Apolo em Delos
o novo rebento de uma palmeira que se erguia no ar
(pois aí me dirigira, e comigo seguiam muitos outros,
num caminho em que desgraças seriam o meu destino):
igualmente ao ver a palmeira se me alegrou o coração,
porque nunca vira a sair da terra uma árvore semelhante.
Assim me espanto e me admiro perante ti [...]

"Homero", Odisseia 6.160-168
Cotovia, Lisboa: 2003. (trad.: Frederico Lourenço)

imagem: Salomão Recebendo a Rainha de Sabá, de Rubens
1620, @ Hermitage, São Petersburgo

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sobre a Grandeza da Imparcialidade de Homero

Em primeiro lugar, portanto, é de decisiva importância que o canto de Homero não passe em silêncio os vencidos, testemunhe tanto em favor de Heitor como em favor de Aquiles, e que, embora a vitória dos gregos e a derrota dos troianos estivessem irrevogavelmente predeterminadas pelo decreto dos deuses, isso não torne Aquiles maior ou Heitor mais pequeno, ou a causa dos gregos mais justa e menos justa a defesa de Tróia. Homero celebra esta guerra da aniquilação, já centenária no seu tempo, em termos tais que, em certo sentido — quer dizer no sentido da comemoração poética e histórica — desfaz a aniquilação consumada. A grandeza da imparcialidade de Homero não é uma objectividade neutra em matéria de valores no sentido moderno, mas antes uma liberdade perfeita em relação aos interesses particulares e uma completa independência em relação ao juízo da história, ao mesmo tempo que é tributária, em vez de o ser da história, do juízo dos interessados e da sua ideia de grandeza. A imparcialidade de Homero assinala o começo de toda a historiografia e não apenas da do Ocidente. Porque aquilo que entendemos por história nunca antes e em parte alguma existira, do mesmo modo que desde então não houve história que não tenha sido escrita pelo menos indirectamente segundo o exemplo de Homero. Encontramos a mesma ideia em Heródoto quando este diz que quer impedir «de serem relegados para o esquecimento grandes e maravilhosas acções, umas cometidas pelos helenos, outras cometidas pelos bárbaros» (I, I) — ideia que, como Burckhardt correctamente um dia fez notar, «nunca teria ocorrido a um egípcio ou a um judeu» (Griechische Kulturgeschichte, III, p. 406).

Hannah Arendt, A Promessa da Política (pg. 138-9)
Relógio d'Água, Lisboa: 2007. (trad.: Miguel Serras Pereira).

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Quando Não Se Sabe O Que Escrever No Blogue

...abre-se a Ilíada ao acaso e:

Por todo o lado os muros e ameias estavam borrifados
com sangue de homens de ambos os lados, Troianos e Aqueus.
Mas nem assim conseguiam pôr os Aqueus em debandada,
porquanto eles se mantinham firmes, como a fiandeira honesta
que segura a balança e levanta os pesos e a lã de cada lado
para os igualizar, de modo a ganhar uma ninharia para os filhos
assim de forma equável se esticou a luta e a batalha.

Canto XII, 430-436
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

'To Homer', de Keats (Abril/Maio de 1818)


I have written to George [Keats] for some Books — shall learn Greek...
I long to feast upon old Homer as we have upon Shakespeare and as I have lately upon Milton
Keats to Reynolds, 27 April 1818 (L i 274)

Standing aloof in giant ignorance,
Of thee I hear and of the Cyclades,
As one who sits ashore and longs perchance
To visit dolphin-coral in deep seas.
So thou wast blind! -but then the veil was rent;
For Jove uncurtained Heaven to let thee live,
And Neptune made for thee a spumy tent,
And Pan made sing for thee his forest-hive;
Aye, on the shores of darkness there is light,
And precipices show untrodden green;
There is a budding morrow in midnight;
There is a triple sight in blindness keen;
Such seeing hadst thou, as it once befell
To Dian, Queen of Earth, and Heaven, and Hell.

in Keats - The Complete Poems.
Londres, 1970: Longman. (Ed.: Miriam Allott)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Homero via Chamas

Here [is] a passage from [Kostis Palamas'] 'The Death of the Ancients', in which the Gipsy declares:


If ever I find a papyrus,
I burn it to secure
heat or light;
I light my fire indiscriminately,
in any ruined foundation,
whether palace or monastery,
school or church.

And from the flame and the blaze
all around me birds and trees
and reptiles
shine, crackles, quiver, change,
an the while of nature becomes spirit
and whispers secretly to me
mantic words.


The impulse here is to secure inspiration desctructively, in defiance of nature, through an artificial light: through the destruction of what is human the poet achieves natural inspiration.

David Ricks, The Shade of Homer. Cambridge University Press (1989)


Na realidade, o poema acima chamado "Death of the Ancients" é apenas uma das secções do mais composto poema de Palamas "Doze Palavras". Infelizmente não parece existir online em texto, mas leituras das várias secções estão disponíveis, por exemplo, aqui

domingo, 27 de junho de 2010

Uma Pessoa Abre A Ilíada

à procura de um qualquer verso para o qual tem a referência e, ao folhear as páginas para lá chegar, depara-se com isto (3.216-223; trad.: Frederico Lourenço, Cotovia 2005):
Mas quando se levantava Ulisses de mil ardis,
ficava em pé com os olhos pregados no chão,
sem mover o ceptro para trás ou para a frente,
mas segurava-o, hirto, como quem nada compreendia:
dirias que era um palerma, alguém sem inteligência.
Mas quando do peito emitia a sua voz poderosa,
suas palavras como flocos de neve em dia de inverno,
então outro mortal não havia que rivalizasse com Ulisses.
Aquele verso não me abandonou o dia inteiro.

[ἀλλ᾽ ὅτε δὴ πολύμητις ἀναΐξειεν Ὀδυσσεὺς
στάσκεν, ὑπαὶ δὲ ἴδεσκε κατὰ χθονὸς ὄμματα πήξας,
σκῆπτρον δ᾽ οὔτ᾽ ὀπίσω οὔτε προπρηνὲς ἐνώμα,
ἀλλ᾽ ἀστεμφὲς ἔχεσκεν ἀΐδρεϊ φωτὶ ἐοικώς:
220φαίης κε ζάκοτόν τέ τιν᾽ ἔμμεναι ἄφρονά τ᾽ αὔτως.
ἀλλ᾽ ὅτε δὴ ὄπα τε μεγάλην ἐκ στήθεος εἵη
καὶ ἔπεα νιφάδεσσιν ἐοικότα χειμερίῃσιν,
οὐκ ἂν ἔπειτ᾽ Ὀδυσῆΐ γ᾽ ἐρίσσειε βροτὸς ἄλλος:]