terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mas a ideia é a mesma*

Um verso bom não permite ser lido em voz baixa, ou em silêncio. Se pudermos fazê-lo, não é um verso válido: o verso exige ser pronunciado. O verso recorda sempre que foi uma arte oral antes de ser uma arte escrita, recorda que foi um canto.
Há duas frases que o confirmam. Uma é a de Homero ou a dos Gregos que denominamos por Homero, que diz na Odisseia: «os deuses tecem desventuras aos homens para que as gerações vindouras tenham alguma coisa que cantar.» A outra, muito posterior, é de Mallarmé e repete o que diz Homero menos belamente: «tout aboutit en un livre» («tudo vai dar a um livro»). Aqui temos as duas diferenças; os Gregos falam de gerações que cantam, Mallarmé fala de um objecto, de uma coisa entre as coisas, um livro. Mas a ideia é a mesma, a ideia de que nós fomos feitos para a arte, somos feitos para a memória, somos feitos para a poesia ou possivelmente somos feitos para o esquecimento. Mas há algo que resta e esse algo é a história ou a poesia, que são essencialmente diferentes

Jorge Luis Borges
, in Sete Noites, Obras Completas vol. III, Tradução de Fernando Pinto do Amaral, Editorial Teorema, 1998

*Jorge Luis Borges, mesmerezing me com os seus escritos desde 1923.


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