terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

The Reader - Alguns Dizem



Lembraram-me recentemente, devido à evocação da banda sonora (Ludovico Einaudi), do latejante filme O Leitor; cujo título original The Readercomo me diz o João, não faz jus ao título do livro em que se inspira: Der Vorleser: aquele que lê perante, aquele que lê em voz alta para outros: Der Vorleser é o contador de histórias, é o tecedor de intrigas, é o rapsodo, e não simplesmente aquele que lê.

(Existe a história de que alguém alguma vez se deparou com Santo Agostinho - ou fora São Jerónimo? - a ler em voz baixa: algo raríssimo: a ideia de tal fazer é estranha à Antiguidade, para a qual ler é ler em voz alta; também pensar que a leitura ritual da Torah vem com recomendação de que seja em voz alta, ou quando muito acompanhada de movimento dos lábios, para relacionar com o texto lido todo o corpo e não apenas o intelecto. Mas afasto-me.) 

No filme há uma bela cena, que precede uma outra longa cena de várias outras leituras, em que Michael Berg recita a Hanna Schmitz dois excerptos de obras clásicas nos originais Latim e Grego. Lê-lhe Horácio, lê-lhe Sappho. O máximo que consegui encontrar foi este site, pois ao que parece a cena não existe separadamente no youtube. De 00:20:00 a 00:21.15.


Quo, quo scelesti ruitis? aut cur dexteris
      aptantur enses conditi?

Para onde fugis, criminosos, para onde? e porque agarrais
      com a vossa mão esquerda as lâminas embainhadas?

Horácio. Epôdo VII 1-2. Tradução minha.



[οἰ μὲν ἰππήων στρότον, οἰ δὲ πέσδων,]
οἰ δὲ νάων φαῖσ' ἐπὶ γᾶν μέλαιναν
ἔμμεναι κάλλιστον, [ἔγω δὲ κῆν' ὄτ-
τω τις ἔραται]

[oi men ippêôn stróton, oi de pésdôn,]
oi de náôn pháis' epi gân mélainan
émmenai kálliston, [égô de kên' ót-
tô tis ératai]

[Algums dizem que é uma hoste de cavalaria, outros de infantaria,]
Outros ainda há que dizem que uma frota é que é, sobre a terra escura,
A coisa mais bela, [mas eu digo que é aquilo que qual
Quer pessoa ama]

Sappho. fr. 16 1-4 (ele lê apenas as secções a parênteses rectos). Tradução minha.

1 comentário:

  1. [SPOILER:] A cena em que Hanna aprende a ler é dos momentos mais bonitos que eu já vi numa sala de cinema [END OF SPOILER]. Para mais, vi o filme numa sala que me é muito querida: ficava mesmo ao virar da esquina da rua da minha casa em Erasmus, em Bristol - um autêntico cinema de bairro, só com duas salinhas.

    Quanto à história do Santo Agostinho, inverteste os papéis: é o santo é que, um dia, descobre alguém a ler em silêncio, e fica mudo de espanto, ao descobrir a possibilidade de ler assim. O episódio, imagino, deve estar narrado nas Confissões, que eu ainda hei-de ler, mas não este ano.

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