sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dido e Alceste

#1

Mas a rainha, há muito atacada por uma penosa preocupação,
Amamenta a ferida com o seu sangue, e numa chama cega vai ardendo:
A grande virtude do homem e a honra do seu povo revolvem-se-lhe
Na alma; não lhe sai da cabeça o seu rosto
Nem as suas palavras, e não consegue dar descanso ao corpo.

E foi então, quando a luz de Phebo fazia brilhar a terra com a sua luz
E a Aurora desvanecia do céu a sombra orvalhada,
Que [Dido] falou assim à sua fidelíssima irmã:
“Anna minha irmã, que sonhos me aterrorizam o sono!
Que estrangeiro este acabado de chegar às nossas terras,
Que coisas nos contava ele, que força de vontade e de guerra!
Creio aliás, e nisso não hesito, que pertence à raça dos deuses.
O medo denuncia as almas infames. Ai, por que destinos não foi ele
Engonçado! As guerras sem fim que ele cantava!
Se eu não tivesse preso na alma o imóvel propósito
De não desejar juntar-me a ninguém em matrimónio
Depois que o meu primeiro amor ao morrer me abandonou
Se não fosse desonroso ao thálamo e à sua chama
Com este apenas, talvez, eu teria renunciado à culpa.
Anna, digo-te tudo, depois do destino do miserável Syqueu
Meu marido, e da dispersão dos nossos penates por um irmão assassino,
Apenas este me revolveu a razão, e precipitou a minha alma
Sobre si. Reconheço o que arde ainda daquela chama antiga.
Mas antes prefiro que a terra profunda me engula
Ou que o Pai Omnipotente com um relâmpago me lance para as sombras,
Para as pálidas sombras do Érebo e para a noite profunda,
Do que violar-te, Vergonha, ou dissolver os teus votos!
Aquele a quem pela primeira vez me juntei tomou
O meu amor; e há-de mantê-lo e guardá-lo na tomba.”
Assim falou e encharcou o seio de lágrimas abundantes.

Ana responde-lhe: “Ó amada luz da tua irmã,
Hás-de envelhecer para sempre sozinha e chorosa
Sem teres filhos queridos nem conheceres os favores de Vénus?
Julgas que com essas cinzas hás-de tratar dos enterrados?
É que até agora pretendentes nenhuns nem da Lýbia nem de Tyro
Te suavizaram a dor: rejeitaste Iarbas,
E ainda os outros capitães que esta terra Africana alimenta
Com os espojos dos triunfos. Mas porque haverias de lutar também contra um amor suave?
Nem te lembras por um instante de quem são as terras que habitas?
Deste lado há as cidades dos Gétulas, esse povo insuperável no combate,
E os Númidas desvairados cercam-te, e a inóspita Syrte;
Deste outro há um deserto completamente seco e daquele lado os furiosos
Barceus. Para quê falar da guerra vinda de Tyro
e das ameaças do teu irmão?
Sou realmente da opinião que foi com os auspícios dos deuses e aprovação de Juno
Que o vento conduziu as naus vindas de Ílion para aqui.
Que grandiosa se tornaria esta cidade que vês, minha irmã, que força viria
De tal união! Com o auxílio do exército dos Teucros
De quanta glória se encheria o poderio de Cartago!
Tu trata de pedir perdão aos deuses, e depois de cumprires os ritos
Dedica-te à hospitalidade e arranja modo de o fazeres demorar-se
Enquanto o inverno e o marulhento Oríon reboliçam o mar,
Enquanto as naus se intempestam, e o céu não permite partir.”

Vergílio. Eneida IV 1-53. Tradução minha.


os versos abaixo, lidos por moi-même



At regina gravi jamdudum saucia cura
vulnus alit venis et caeco carpitur igni.
multa viri virtus animo multusque recursat
gentis honos; haerent infixi pectore vultus
verbaque nec placidam membris dat cura quietem.
postera Phoebea lustrabat lampade terras
umentemque Aurora polo dimoverat umbram,
cum sic unanimam adloquitur male sana sororem:

'Anna soror, quae me suspensam insomnia terrent!
quis novus hic nostris successit sedibus hospes,
quem sese ore ferens, quam forti pectore et armis!
credo equidem, nec vana fides, genus esse deorum.
degeneres animos timor arguit. heu, quibus ille
jactatus fatis! quae bella exhausta canebat!
si mihi non animo fixum immotumque sederet
ne cui me vinclo vellem sociare jugali,
postquam primus amor deceptam morte fefellit;
si non pertaesum thalami taedaeque fuisset,
huic uni forsan potui succumbere culpae.
Anna (fatebor enim) miseri post fata Sychaei               20
conjugis et sparsos fraterna caede penatis
solus hic inflexit sensus animumque labantem
impulit. agnosco veteris vestigia flammae.
sed mihi vel tellus optem prius ima dehiscat
vel pater omnipotens adigat me fulmine ad umbras,
pallentis umbras Erebo noctemque profundam,
ante, pudor, quam te violo aut tua jura resolvo.
ille meos, primus qui me sibi junxit, amores
abstulit; ille habeat secum servetque sepulcro.'
sic effata sinum lacrimis implevit obortis.


Anna refert: 'o luce magis dilecta sorori,
solane perpetua maerens carpere iuuenta
nec dulcis natos Veneris nec praemia noris?
id cinerem aut manis credis curare sepultos?
esto: aegram nulli quondam flexere mariti,
non Libyae, non ante Tyro; despectus Iarbas
ductoresque alii, quos Africa terra triumphis
dives alit: placitone etiam pugnabis amori?
nec venit in mentem quorum consederis arvis?
hinc Gaetulae urbes, genus insuperabile bello,
et Numidae infreni cingunt et inhospita Syrtis;
hinc deserta siti regio lateque furentes
Barcaei. quid bella Tyro surgentia dicam
germanique minas?
dis equidem auspicibus reor et Junone secunda
hunc cursum Iliacas uento tenuisse carinas.
quam tu urbem, soror, hanc cernes, quae surgere regna
conjugio tali! Teucrum comitantibus armis
Punica se quantis attollet gloria rebus!
tu modo posce deos veniam, sacrisque litatis
indulge hospitio causasque innecte morandi,
dum pelago desaevit hiems et aquosus Orion,
quassataeque rates, dum non tractabile caelum.'

#3



Héracles
O que adiantes com a continuação deste lamento?

Admeto
Reconheço que nada, mas sinto o desejo de o fazer.

Héracles
Amar quem está morto só leva às lágrimas.

Admeto
Sinto-me destruído; e muito mais do que consigo exprimir

Héracles
Quem pode negar que perdestes uma mulher preciosa?

Admeto
De tal modo, que este homem que sou já não tem gosto pela vida.

Héracles
O tempo há-de acalmar a infelicidade, que ainda é recente.

Admeto
O tempo, dizes... sim, se o tempo for a morte.

Héracles
Outra mulher e o desejo de te casares de novo hão-de acalmar-te.

Admeto
Cala-te!  que estás para aí a dizer? Nem acredito.

Héracles
O quê? Não voltas a casar-te? O teu leito ficará vazio?

Admeto
Nenhuma mulher se há-de deitar comigo.

Héracles
Será que esperas ajudar assim a morta?

Admeto
Esteja ela onde estiver, devo honrá-la.

Héracles
Elogio-te, não posso deixar de o fazer. Mas podes ser acusado de loucura.

Admeto
Jamais este homem que sou será chamado noivo.

Héracles
Louvo-te pel amor fiel que tens à tua esposa.

Admeto
Morra eu se a trair, ainda que ela já não exista.

Eurípides. Alceste, in Obras Completas I, Nuno Simões Rodrigues (trad). INCM.


Ἡρακλῆς
τί δ᾽ ἂν προκόπτοις, εἰ θέλεις ἀεὶ στένειν;
Ἄδμητος
ἔγνωκα καὐτός, ἀλλ᾽ ἔρως τις ἐξάγει.
Ἡρακλῆς
τὸ γὰρ φιλῆσαι τὸν θανόντ᾽ ἄγει δάκρυ.
Ἄδμητος
ἀπώλεσέν με κἄτι μᾶλλον ἢ λέγω.
Ἡρακλῆς
γυναικὸς ἐσθλῆς ἤμπλακες: τίς ἀντερεῖ;
Ἄδμητος
ὥστ᾽ ἄνδρα τόνδε μηκέθ᾽ ἥδεσθαι βίῳ.
Ἡρακλῆς
1085χρόνος μαλάξει, νῦν δ᾽ ἔθ᾽ ἡβάσκει, κακόν.
Ἄδμητος
χρόνον λέγοις ἄν, εἰ χρόνος τὸ κατθανεῖν.
Ἡρακλῆς
γυνή σε παύσει καὶ νέοι γάμοι πόθου.
Ἄδμητος
σίγησον: οἷον εἶπας. οὐκ ἂν ᾠόμην.
Ἡρακλῆς
τί δ᾽; οὐ γαμεῖς γὰρ ἀλλὰ χηρεύσῃ λέχος;
Ἄδμητος
οὐκ ἔστιν ἥτις τῷδε συγκλιθήσεται.
Ἡρακλῆς
μῶν τὴν θανοῦσαν ὠφελεῖν τι προσδοκᾷς;
Ἄδμητος
κείνην ὅπουπερ ἔστι τιμᾶσθαι χρεών.
Ἡρακλῆς
αἰνῶ μὲν αἰνῶ: μωρίαν δ᾽ ὀφλισκάνεις.
Ἄδμητος
ὡς μήποτ᾽ ἄνδρα τόνδε νυμφίον καλῶν.
Ἡρακλῆς
ἐπῄνεσ᾽ ἀλόχῳ πιστὸς οὕνεκ᾽ εἶ φίλος.
Ἄδμητος
θάνοιμ᾽ ἐκείνην καίπερ οὐκ οὖσαν προδούς.

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