sábado, 19 de fevereiro de 2011

Notas sobre tragicidade


O erro trágico a hamartia de cada um é ter nascido. Isto é menos de pacotilha do que parece. O dito de Sófocles (citado por Hölderlin na segunda metáde do celestial Hyperion): μη φυναι, τον απαντα νικα λογον. το δ'επει φανη βηναι κειϑεν, οϑεν περ ηκει, πολυ δευτερον ως ταχισα [sic] ("De tudo, o melhor é não ter nascido; porém, se se nasceu, o melhor é regressar o mais depressa possível ao lugar de onde se veio"). O que isto é? Isto é que a tragédia não será campo específico de alguns, excepto literiamente, as que enquanto tonalidade de vida (Stimmung), a tragédia é possível a toda a vida (e que de modo algum está dependente de algum pecado, de alguma culpa) (ou seguramente, mediante a anagnorisis a-vir), e que, mais importante que tudo, se houver algum momento de destroço existencial, de reconhecimento desse estado (a anagnorisis não mais é que o «despertar para a vida», o abrir os olhos à tragedia mundi), não podemos dizer outra coisa que não que é justo, e de nada nos podermos queixar. Podemos exclusivamente, como Édipo, erguer a cabeça na altivez da patientia: assim talvez possamos aprender; podemos também revoltar-nos, como Job, cuja mágoa é, deste modo, indiscutivelmente trágica, helenicamente trágica (ou será que aqui observamos um dos pontos de luz da fusão das nossas tradições ambas?), mas a revolta regressa sempre ao ponto em que nos apercebemos que, mesmo fora completamente duma esfera theológica ou divina, transferidos para a esfera cósmica do nihilismo, há ainda assim uma theodiceia: uma theodiceia vazia, que em nada se distingue dos gritos lancinantes de Job: mas theo (theos:divina) e diceia (dikê:justiça) ainda assim: ainda que gratuitamente, ainda que justamente, o sofrimento de Job é justo porque determinado pelo vazio da transcendência: isso não significa que os seus gritos não sejam igualmente justos: mas a nova Antígona morreu antes de nos poder justiçar.

1 comentário:

  1. A menção à tragédia de Jó lembrou-me um belo artigo do Prof. Fernando Rey Puente, renomado weiliano,"Da desgraça à beleza do mundo: o exemplo de Jó".
    Deixo o link:http://www.imaginariopoetico.com.br/2010/09/da-desgraca-beleza-do-mundo-o-exemplo.html
    Abraço.

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