terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quand je dis beau, je ne parle pas de la beauté gréque

Ainda que a beleza das raparigas italianas, como paradigma do tipo mediterrânico, ou das suecas, como a coroa do género nórdico, seja proverbial, a verdade é que raramente ouvimos a expressão «a beleza sueca» ou «a beleza italiana». Já «a beleza grega» é uma locução com que, volta e meia, nos deparamos e que, no Ocidente, suscita uma série de associações, sendo o corpus (releve-se a carnalidade do termo, aqui) da escultura grega como que o corpo místico da Ideia platónica do Belo, para a nossa imaginação europeia. O Belo encarnou, para a nossa sensibilidade (αἴσθησις, donde estética) moderna, nos modelos e formas gregos, com a sua sabedoria da medida (o μέτρον, conceito-chave da ética helénica, que Protágoras uniu, no seu célebre dito, com o outro pilar da mundivisão grega: o Homem). A Vénus de Milo, mesmo se tão bela quanto o binómio de Newton, mantém o seu lugar cativo na cultura popular enquanto protótipo da mulher, e o seu equivalente masculino, o David, de Miguel Ângelo, esculpido pela observação atenta dos antigos, podia bem ter adornado, não fora talvez pelo seu tamanho que desagradaria aos gregos, a ágora de uma qualquer pólis.

Não obstante as nossas preferências pessoais, o certo é que «a beleza grega» continua um conceito operacional, um ideal válido (o que, insisto, nada tem que ver com os gostos de cada um: a minha mulher de sonho segue o padrão élfico, excepto no ser morena, e, todavia, nunca me apaixonei por nenhuma rapariga assim e as que conheço mais próximas desse ideal até me desagradam, honestamente falando). O ideal existe para não ser atingido, talvez até para nem ser sequer perseguido (como quem, mesmo não gostando de futebol, tem ainda assim um qualquer clube, herdado de família, e, se lhe perguntam, responde que sim, que é do sporting, mesmo se não sabe sequer quem é o actual treinador): só isso o pode preservar de toda a corrupção, e mantê-lo como a Ideia, a Forma, pura, transcendente e, todavia, no presente caso, observável, como a Forma não esperasse que subíssemos pela escada do Banquete (que se deita fora depois de usada, como explicava o Wittgenstein, mas falando da Filosofia toda), mas descesse ao mundo, para se dar a conhecer (o movimento da graça, como lhe chamaria Simone Weil, ainda que com outras implicações — foi porventura o não ter nunca pensado este movimento que condenou o platonismo, quando o cristianismo emergiu); observável, sim, mas irrecuperável: sussurro congelado dos deuses antigos, que nos chegou, quebrado, mas, como seria próprio dos deuses, ainda capaz de nos deslumbrar (lembrar a cena do Viagem a Itália, do Rosselini), pedra que petrifica (a medusa encrustada na égide de Atena é disso a metáfora — não esquecer que da Medusa nasce Pégaso, de cujo casco brota o Hipocrene: pensar a écfrase enquanto exercício de geneologia por parte da poesia: não por acaso o demiurgo de Platão, ao contrário do deus abraâmico, não cria ex nihilo, nem fala: esculpe — e assim começa o mundo).

Dito isto, Rohmer é um génio e La Collectionneuse mais uma jóia da série dos Seis Contos Morais. Qual daqueles três prólogos o melhor. (a frase do título está aos seis minutos - notem como a personagem assimila a beleza grega à beauté absolute).

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