domingo, 26 de setembro de 2010

A Maldição de Babel

Depois da cidade ou da urbe, vem o orbe da Terra. Neste é que põem o terceiro degrau da sociedade humana. Começam pelo lar familiar, passam à urbe e acabam no orbe. Este, como o acervo das águas, quanto maior é, tanto mais cheio de perigos está. É principalmente neste que a diversidade das línguas torna o homem um estranho para o homem. De facto, se dois homens, nenhum dos quais conhece a língua do outro, caminharem ao encontro um do outro mas, por qualquer razão, em vez de se cruzarem têm de ficar no mesmo lugar — é mais fácil que dois animais mudos, mesmo de género diferente, convivam em sociedade, do que aqueles dois, apesar de ambos serem homens. Efectivamente, quando não podem comunicar um ao outro o que sentem apenas por causa da diversidade da língua, de nada serve para levar os homens ao convívio social a sua tão grande semelhança de natureza — e tanto é assim, que o homem tem mais prazer em estar com o seu cão do que com um estrangeiro.

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XIX, Cap. VII
Gulbenkian, Lisboa: 1995. (trad.: J. Dias Pereira).

imagem: Torre de Babel, de Pieter Bruegel, O Velho
c. 1563, @ Kunsthistorisches Museum, Viena.

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