quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Fortuna Imperatrix Mundi

A Fortuna, que corrompe a vida toda,
cuja natureza não conhece a moderação,
que mistura e depois serve de novo,
agora é ela própria taberneira, não deusa,
tem um ofício digno do seu carácter.

Páladas de Alexandria, Antologia Palatina 9.180
in Do Mundo Grego Outro Sol, Asa, Porto: 2001. (trad.: Albano Martins).

Páladas é um dos mais interessantes poetas antologiados na famosa Antologia Palatina. Gramático de profissão, residente em Alexandria, pagão, assistiu ao período conturbado do patriarcado de Teófilo, na passagem do século IV para o V, em que o cristianismo triunfou simbolicamente sobre o paganismo, com a destruição do templo de Serápis (o acontecimento com que culmina a primeira metade do Ágora, de Amenábar). Há, talvez por isso, um tom de desencanto que atravessa os seus poemas mais sérios, a consciência de que uma época chega ao seu fim e a consequente sensação de ser um exemplar anacrónico que restou de outros tempos, com a solidão que acompanha esse sentimento (ele tem, aliás, um belíssimo epigrama sobre isso). Poder-se-ia ler o poema acima nesta chave: uma reflexão mordaz sobre as voltas da roda da fortuna. Ainda assim, creio não estar em erro ao arriscar que muitos leitores estarão ainda a pensar no que possa significar aquele dístico final: que quer Páladas dizer com aquela imagem da Fortuna taberneira? Pois bem,
The cults of other traditional gods were discontinued at this time [depois da destruição do Serapeum], including that of Tyche [Fortuna], the former protectress of the city's abundance and good fortune. Palladas has left to us three enchanting epigrams depicting the transformation of the Tychaion into a wineshop. In these poems, Palladas plays upon the current misfortune of Fortune and he notes with some irony that "Thou who hadst once a temple, keepest a tavern in thy old age,/ and we see thee now serving hot drinks to mortals". The statues in the Tychaion, however, escaped destruction and existed at least until the Persian conquest in 619.
Christopher Haas, Alexandria in Late Antiquity - Topography and Social Conflict.
Johns Hopkins University Press, Baltimore & Londres: 1997.

1 comentário: