segunda-feira, 24 de maio de 2010

Portugal, 2010 A.D.

Afastada a justiça, que são, na verdade, os reinos senão grandes quadrilhas de ladrões? Que é que são, na verdade, as quadrilhas de ladrões senão pequenos reinos? Estas são bandos de gente que se submete ao comando de um chefe, que se vincula por um pacto social e reparte a presa segundo a lei por ela aceite. Se este mal for engrossando pela afluência de numerosos homens perdidos, a ponto de ocuparem territórios, constituírem sedes, ocuparem cidades e subjugarem povos arroga-se então abertamente o título de reino, título que lhe confere aos olhos de todos, não a renúncia à cupidez, mas a garantia de impunidade. Foi o que com finura e verdade respondeu a Alexandre Magno certo pirata que tinha sido aprisionado. De facto, quando o rei perguntou ao homem que lhe parecia isso de infestar os mares, respondeu ele com franca audácia: «O mesmo que a ti parece isso de infestar todo o mundo; mas a mim, porque o faço com um pequeno navio, chamam-me ladrão; e a ti, porque o fazes com uma grande armada, chamam-te imperador».

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro IV, Cap. IV
Gulbenkian, Lisboa: 1991. (trad.: J. Dias Pereira)

[Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia? quia et latrocinia quid sunt nisi parua regna? Manus et ipsa hominum est, imperio principis regitur, pacto societatis astringitur, placiti lege praeda diuiditur. Hoc malum si in tantum perditorum hominum accessibus crescit, ut et loca teneat sedes constituat, ciuitates occupet populos subiuget, euidentius regni nomen adsumit, quod ei iam in manifesto confert non dempta cupiditas, sed addita inpunitas. Eleganter enim et ueraciter Alexandro illi Magno quidam comprehensus pirata respondit. Nam cum idem rex hominem interrogaret, quid ei uideretur, ut mare haberet infestum, ille libera contumacia: Quod tibi, inquit, ut orbem terrarum; sed quia ego exiguo nauigio facio, latro uocor; quia tu magna classe, imperator.]

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