terça-feira, 11 de maio de 2010

Ainda a Propósito do Post Anterior ou, Como Respeitar Apolo Escrevendo Poemas

Cebas interrompeu-o: — Por Zeus, Sócrates - disse -, ainda bem que me lembras! Trata-se do hino a Apolo e desses poemas que fizeste sobre as fábulas de Esopo: já várias pessoas me perguntaram, entre elas ainda no outro dia Eveno, o que é que se te meteu na cabeça, desde que aqui te encontras, para te dedicares agora à poesia, tu que jamais na vida escreveste um verso! Se, pois, te interessa que eu possa responder a Eveno, da próxima vez que mo perguntar - pois não tenho dúvidas de que o fará - explica-me lá então o que devo dizer-lhe.
— Pois bem, Cebes - redarguiu Sócrates -, diz-lhe a verdade! Que não foi intenção minha competir com ele ou com os seus poemas (nem isso seria fácil, sabia-o bem...), mas tão-só certificar-me do significado de certos sonhos e desquitar-me de um dever religioso, caso fosse esta a espécie de "música" que me mandavam praticar. Eis, em linhas gerais, os factos: frequentes vezes ao longo da minha vida me visitava o mesmo sonho, ora sob uma ora sob outra visão, mas sempre com as mesmas palavras: "Sócrates, compõe, pratica a arte das Musas!". Ora este sonho, tomava-o eu no passado como um advertência, um incitamento em ordem a prosseguir a minha linha de acção: tal como se estimulam os atletas de corrida (pensava), assim também o sonho me estimulava a prosseguir neste mesmo género de actividade que pratico, ou seja, a música, visto que a filosofia é a mais alta forma de música e outra não era, justamente, a minha ocupação. Agora, porém, que o julgamento foi já, e que as festas em honra do deus [Apolo] me impediram de morrer, fiquei a pensar comigo se não seria esse o tipo comum de "música" que o sonho me prescrevia, e achei conveniente voltar-me então para a poesia, para, no caso de assim ser, não cair em desobediência. Era, efectivamente, mais seguro não partir nem me desquitar desse dever de compor poemas, seguindo as prescrições do sonho. Foi assim que comecei por fazer um hino ao deus em honra de quem se realiza a apresente festa: a seguir ao hino, pensei, contudo, que o poeta, para ser verdadeiramente poeta, deve criar ficções e não argumentos; ora eu não era, pessoalmente, um criador de ficções... E eis porque peguei nessas histórias mais acessíveis, que sabia de cor - as fábulas de Esopo - e passei para verso as primeiras que se me depararam. Aí tens pois, Cebes, o que explicarás a Eveno.

Platão, Fédon [60d-61b]
Lisboa, Lisboa Editora: 2004. (trad.: Teresa Schiappa)

[ὁ οὖν Κέβης ὑπολαβών, νὴ τὸν Δία, ὦ Σώκρατες, ἔφη, εὖ γ᾽ ἐποίησας ἀναμνήσας με. περὶ γάρ τοι τῶν ποιημάτων ὧν πεποίηκας ἐντείνας τοὺς τοῦ Αἰσώπου λόγους καὶ τὸ εἰς τὸν Ἀπόλλω προοίμιον καὶ ἄλλοι τινές με ἤδη ἤροντο, ἀτὰρ καὶ Εὔηνος πρῴην, ὅτι ποτὲ διανοηθείς, ἐπειδὴ δεῦρο ἦλθες, ἐποίησας αὐτά, πρότερον οὐδὲν πώποτε ποιήσας. εἰ οὖν τί σοι μέλει τοῦ ἔχειν ἐμὲ Εὐήνῳ ἀποκρίνασθαι ὅταν με αὖθις ἐρωτᾷ—εὖ οἶδα γὰρ ὅτι ἐρήσεται—εἰπὲ τί χρὴ λέγειν.
λέγε τοίνυν, ἔφη, αὐτῷ, ὦ Κέβης, τἀληθῆ, ὅτι οὐκ ἐκείνῳ βουλόμενος οὐδὲ τοῖς ποιήμασιν αὐτοῦ ἀντίτεχνος εἶναι ἐποίησα ταῦτα—ᾔδη γὰρ ὡς οὐ ῥᾴδιον εἴη—ἀλλ᾽ ἐνυπνίων τινῶν ἀποπειρώμενος τί λέγοι, καὶ ἀφοσιούμενος εἰ ἄρα πολλάκις ταύτην τὴν μουσικήν μοι ἐπιτάττοι ποιεῖν. ἦν γὰρ δὴ ἄττα τοιάδε: πολλάκις μοι φοιτῶν τὸ αὐτὸ ἐνύπνιον ἐν τῷ παρελθόντι βίῳ, ἄλλοτ᾽ ἐν ἄλλῃ ὄψει φαινόμενον, τὰ αὐτὰ δὲ λέγον, “ὦ Σώκρατες,” ἔφη, “μουσικὴν ποίει καὶ ἐργάζου.” καὶ ἐγὼ ἔν γε τῷ πρόσθεν χρόνῳ ὅπερ ἔπραττον τοῦτο ὑπελάμβανον αὐτό μοι παρακελεύεσθαί τε καὶ ἐπικελεύειν, ὥσπερ οἱ τοῖς θέουσι διακελευόμενοι, καὶ ἐμοὶ οὕτω τὸ ἐνύπνιον ὅπερ ἔπραττον τοῦτο ἐπικελεύειν, μουσικὴν ποιεῖν, ὡς φιλοσοφίας μὲν οὔσης μεγίστης μουσικῆς, ἐμοῦ δὲ τοῦτο πράττοντος. νῦν δ᾽ ἐπειδὴ ἥ τε δίκη ἐγένετο καὶ ἡ τοῦ θεοῦ ἑορτὴ διεκώλυέ με ἀποθνῄσκειν, ἔδοξε χρῆναι, εἰ ἄρα πολλάκις μοι προστάττοι τὸ ἐνύπνιον ταύτην τὴν δημώδη μουσικὴν ποιεῖν, μὴ ἀπειθῆσαι αὐτῷ ἀλλὰ ποιεῖν: ἀσφαλέστερον γὰρ εἶναι μὴ ἀπιέναι πρὶν ἀφοσιώσασθαι ποιήσαντα ποιήματα [καὶ] πιθόμενον τῷ ἐνυπνίῳ. οὕτω δὴ πρῶτον μὲν εἰς τὸν θεὸν ἐποίησα οὗ ἦν ἡ παροῦσα θυσία: μετὰ δὲ τὸν θεόν, ἐννοήσας ὅτι τὸν ποιητὴν δέοι, εἴπερ μέλλοι ποιητὴς εἶναι, ποιεῖν μύθους ἀλλ᾽ οὐ λόγους, καὶ αὐτὸς οὐκ ἦ μυθολογικός, διὰ ταῦτα δὴ οὓς προχείρους εἶχον μύθους καὶ ἠπιστάμην τοὺς Αἰσώπου, τούτων ἐποίησα οἷς πρώτοις ἐνέτυχον. ταῦτα οὖν, ὦ Κέβης, Εὐήνῳ φράζε.]

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