sexta-feira, 7 de maio de 2010

1.

Na fase final da cultura grega,
a vida a figura de um fumo, o medo,
cantou o homem a representação
do próprio rosto.
Reproduzia a desconfiança
da profundidade, dos discursos
que desciam em torno de si.
A filosofia findara. O que viam
os chegados do mar a Alexandria
era um buraco de paredes, um comércio
da alegria. Na superfície cabia agora
uma imagem do corpo que parecia
fundir-se na largura dos olhos,
o grandioso também desaparecia.
Cabeça minúscula espreitando do esmalte,
nariz e boca cerzidas na pequena
convexidade do metal, testa
quase recoberta de cabelo.
Um fogo de perversidade.
Alguns pintores matavam-se mostrando-se.
Vendiam-se jóias fugazes.
metais raros, animais embalsamados.
Os poetas calavam-se entre si.
Outros deles falavam, tentavam
a ficção de várias regras menores.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

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