Pegando na citação do João numa das entradas anteriores, a respeito da eternidade dos deuses gregos tenho a relembrar o mister Shelley que, se o respeitamos por ter dito "We are all Greeks." então também teremos de respeitar no que ao que mitologia diz respeito: No seu Prometheus Unbound essa suposta constância divina não existe, Zeus é derrotado, e Demigorgon assume-lhe o trono. A monarquia dos céus é ciclicamente alterada. E, de novo, até que ponto é que a situação é assim tão alien à figuração grega? N'As Nuvens de Aristóteles também Zeus (que está por toda a hierarquia celeste) é substituido pelo "Vortex": é comédia, sim, é alegoria, sim: mas não é impensável.
Quando é que se terão perdido definitivamente as duas outras partes da trilogia de Prometeu, da qual apenas nos resta o Prometeu Agrilhoado (que, como já foi apontado, foi hoje apresentado em Lisboa e sê-lo-á amanhã em Coimbra)? Fantasiemos que terá sido cedo: com que situação bizarra, inconcebível, ímpia se depararia um grego ao ler um dos maiores tragediógrafos a colocar tão possível o destronar de Zeus? E a contingência de toda a ordem olímpia por arrastamento?
Arde o Etna porque Tífon ainda lá se espasma. O destroço duma geração passada, divina, assim na Terra como no Céu, permanece presente como a ruína duma coluna antiga permanece presente: a presença dos deuses não está em causa. A afirmação inicial da entrada do João, "contrast the 'inhumanness' of the Greek gods, however antropomorphic, with the 'humanness' of the Northern, however titanic", faz-me porém lembrar a fase final do Ragnarok, em que após a destruição de gigantes e de bestas, de Valhalla e da própria criação inteira, nasce dessa ambrósia derretida um casal, como se o sacrifício mortal daquilo que há de mais humano-transcendente se justificasse à luz do que está para vir, casal esse que se depara com um mundo que é todo ele possibilidade e limpidez, mas onde não existe mais a segurança do destino apocalíptico por-vir. Alterando Hölderlin, "Allein zu seyn, / und ohne Götter, ist das Leben." (Estar sozinho, e seu deuses, é Vida.) Talvez esses dois sejam (tenham sido? venham a ser?) os verdadeiramente primeiros "condenados a ser livres" sem nada quer de obstáculo quer de Lei que os constrinja, liberdade essa que na teologia cristã virá a ser reservada para Deus, ou, como diria o senhor Ž, "o Filho não estava presente em Deus antes da Encarnação, aí sentado ao seu lado. A Encarnação é o nascimento [ou seja, o tornar-se humano] de Cristo, e depois da sua morte, não há Pai nem Filho, mas "só" o Espírito Santo, a substância espiritual da comunidade religiosa."
Sem comentários:
Enviar um comentário