segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Euripides: Bacchae

Backstabber

Porém, se querem um conselho, importem-se pouco com Sócrates, e muito mais com a verdade!
ὑμεῖς μέντοι, ἂν ἐμοὶ πείθησθε, σμικρὸν φροντίσαντες Σωκράτους, τῆς δὲ ἀληθείας πολὺ μᾶλλον.

Platão, Fédon 91c
Lisboa Editora, Lisboa: 2004. (trad.: Teresa Schiappa)

E, contudo, parece ser melhor, até talvez um dever, que pela salvação da verdade se destruam os laços que temos com os que nos estão próximos, sobretudo se formos filósofos. Sendo ambos queridos para nós, é mais de acordo com a lei divina preferir a verdade.
δόξειε δ᾽ ἂν ἴσως βέλτιον εἶναι καὶ δεῖν ἐπὶ σωτηρίᾳ γε τῆς ἀληθείας καὶ τὰ οἰκεῖα ἀναιρεῖν, ἄλλως τε καὶ φιλοσόφους ὄντας: ἀμφοῖν γὰρ ὄντοιν φίλοιν ὅσιον προτιμᾶν τὴν ἀλήθειαν.

Aristóteles, Ética a Nicómaco I.1096a15
Quetzal, Lisboa: 2004. (trad.: António Caeiro)

Platão meu amigo, Aristóteles também;/ mais amiga é a Verdade, porém.
[Amicus Plato amicus Aristoteles magis amica veritas.]
Isaac Newton, Algumas Questões Filosóficas.

imagem: O Tempo Salvando a Verdade da Falsidade e da Inveja,
de François Lemoyne (1737).

«Antígona» no Teatro Municipal de Almada

Pela Companhia do Teatro Nacional São João. A encenação é de Nuno Carinhas e a peça estará em cena nos dias 3 e 4 de Fevereiro. Informações e reservas aqui.

Revista «Ler», n.º 99

O mais recente número da revista Ler (disponível nas bancas a partir de amanhã, 1 de Fevereiro), traz uma entrevista ao «filólogo, agricultor e político», responsável pela recente tradução de História da Guerra do Peloponeso, Raul Rosado Fernandes. Cf. aqui.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Cidades Visíveis & Lares Invisíveis



Deuses de duas espécies protegem a cidade de Leandra. Tanto uns como outros são tão pequenos que não se vêem e tão numerosos que não se podem contar. Uns estão às portas das casas, dentro delas, ao pé do cabide e do suporte dos guarda-chuvas; nas mudanças acompanham as famílias e instalam-se nos novos alojamentos no momento da entrega das chaves. Os outros estão na cozinha, escondem-se de preferência debaixo das panelas, ou no cano da chaminé, ou no canto das vassouras: fazem parte da casa e, quando a família que nela habitava se vai embora, ficam com os novos inquilinos; talvez já ali estivessem quando a casa ainda não existia, entre as ervas daninhas da área para construção, escondidos numa lata ferrugenta; se se deitar a casa abaixo e no seu lugar se construir um prédio para cinquenta famílias, vamos encontrá-los multiplicados, na cozinha de outros tantos apartamentos: Para os distinguir, vamos chamar Penates a uns e aos outros Lares.

Numa casa, nem sempre é certo que os Lares estejam com OS Lares e os Penates com os Penates: frequentam-se, passeiam juntos pelos caixilhos do estuque ou pelos tubos dos termo-sifóes, comentam, os assuntos da família, é fácil brigarem, mas também podem dar-se bem durante anos e anos; vendo-os todos em fila não se distingue qual é um e qual é o outro. Os Lares já viram passar por entre as suas paredes Penates das mais diversas proveniências e costumes; os Penates têm de arranjar lugar às cotoveladas com os Lares de ilustres palácios em decadência, plenos de sossego, ou com os Lares de barracas de bairros de lata, susceptíveis e desconfiados.

A verdadeira essência de Leandra é assunto de discussões sem fim. Os Penates julgam ser eles a alma da cidade, mesmo que só tenham chegado no ano passado, e que levam Leandra consigo quando emigram. Os Lares consideram os Penates visitantes provisórios, importunos e metediços; a verdadeira Leandra é a sua, que dá forma a tudo o que contém, a Leandra que já ali estava antes que chegassem todos estes intrusos e ali ficará quando todos se tiverem ido embora.

Em comum têm isto: sobre tudo o que acontece em família e na cidade acham sempre motivo para dizer mal, os Penates vão desencantar os velhos, os bisavós, as tias-avós, a família de outrora, os Lares o ambiente como era antes que dessem cabo dele. Mas não é certo que vivam só de recordações: matutam projectos sobre a carreira que farão as crianças quando forem grandes (os Penates), sobre o que poderia vir a ser aquela casa ou aquela zona (os Lares) se estivesse em boas mãos. Escutando bem, especialmente de noite, nas casas de Leandra ouvem-se num tagarelar cerradíssimo, gritarem uns com os outros, trocarem motejos, ventos e risadinhas irónicas.


Italo Calvino. As Cidades Invisíveis, José Colaço Barreiros (trad). Teorema: 1990.

Dèi di due specie proteggono la città di Leandra. Gli uni e gli altri sono cosí piccoli che non si vedono e cosí numerosi che non si possono contare. Gli uni stanno sulle porte delle case, all'interno, vicino all'attaccapanni e al portaombrelli; nei traslochi seguono le famiglie e s'installano nei nuovi alloggi alla consegna delle chiavi. Gli altri stanno in cucina, si nascondono di preferenza sotto le pentole, o nella cappa del camino, o nel ripostiglio delle scope: fanno parte della casa e quando la famiglia che ci abitava se ne va, loro restano coi nuovi inquilini; forse erano già lí quando la casa non c'era ancora, tra l'erbaccia dell'area fabbricabile, nascosti in un barattolo arrugginito; se si butta giú la casa e al suo posto si costruisce un casermone per cinquanta famiglie, ce li si ritrova moltiplicati, nella cucina d'altrettanti appartamenti. Per distinguerli, chiameremo Penati gli uni e gli altri Lari.

In una casa, non è detto che i Lari stiano sempre coi Lari e i Penati coi Penati: si frequentano, passeggiano insieme sulle cornici di stucco, sui tubi dei termosifoni, commentano i fatti della famiglia, è facile che litighino, ma possono pure andar d'accordo per degli anni; a vederli tutti in fila non si distingue quale è l'uno e quale è l'altro. I Lari hanno visto passare tra le loro mura Penati delle piú diverse provenienze e abitudini; ai Penati tocca farsi un posto gomito a gomito coi Lari d'illustri palazzi decaduti, pieni di sussiego, o coi Lari di baracche di latta, permalosi e diffidenti.

La vera essenza di Leandra è argomento di discussioni senza fine. I Penati credono d'essere loro l'anima della città, anche se ci sono arrivati l'anno scorso, e di portarsi Leandra con sé quando emigrano. I Lari considerano i Penati ospiti provvisori, importuni, invadenti; la vera Leandra è la loro, che dà forma a tutto quello che contiene, la Leandra che era lí prima che tutti questi intrusi arrivassero e resterà quando tutti se ne saranno andati.

In comune hanno questo: che su quanto succede in famiglia e in città trovano sempre da ridire, i Penati tirando in ballo i vecchi, i bisnonni, le prozie, la famiglia d'una volta, i Lari l'ambiente com'era prima che lo rovinassero. Ma non è detto che vivano solo di ricordi: almanaccano progetti sulla carriera che faranno i bambini da grandi (i Penati), su cosa potrebbe diventare quella casa o quella zona (i Lari) se fosse in buone mani. A tendere l'orecchio, specie di notte, nelle case di Leandra, li senti parlottare fitto fitto, darsi sulla voce, rimandarsi motteggi, sbuffi, risatine ironiche.




Para que ninguém se pergunte quem sou eu, passo a explicar.
Eu sou o Lar Familiar da família que mora aqui,
Donde acabei agora mesmo de sair. Já há imensos anos
Que assentei nesta casa e que trato dela,
Vim para cá com o pai e o avô do sujeito que agora aqui mora.
Passa-se então que o avô dele me confiou com muitas súplicas
Um tesouro de ouro às escondidas de todos! Escondeu-o
No meio da lareira, e implorou-me que lho protegesse.
Ora acontece que ele morreu. E visto que era ganancioso a valer,
Nunca quis mostrar ao filho onde é que o tinha escondido.
Preferiu antes abandoná-lo à miséria
Que mostrar ao filho onde é que estava o tesouro.
Deixou-lhe umas terras pequenitas
Para ele ir sobrevivendo com muito trabalho e misérias.
Quando morreu o velho, ou seja, o tipo que me tinha confiado o ouro,
Comecei a topar-lhe o filho. Será que ele me haveria
De honrar mais do que o pai dele?
Mas está-se já a ver que ele começou a respeitar-me
Menos e menos, e a negligenciar-me cada vez mais.
Portanto eu tratei-o da mesma maneira, e ele também morreu.

Plauto. Aulularia (A Comédia do Pote). 1-20. Tradução minha.


Ne quis miretur qui sim, paucis eloquar.
ego Lar sum familiaris ex hac familia
unde exeuntem me aspexistis. hanc domum
iam multos annos est cum possideo et colo
patri avoque iam huius qui nunc hic habet.
sed mi avos huius obsecrans concredidit
thensaurum auri clam omnis: in medio foco
defodit, venerans me ut id servarem sibi.
is quoniam moritur—ita avido ingenio fuit—
numquam indicare id filio voluit suo,
inopemque optavit potius eum relinquere,
quam eum thensaurum commonstraret filio;
agri reliquit ei non magnum modum,
quo cum labore magno et misere viveret.
ubi is obiit mortem qui mihi id aurum credidit,
coepi observare, ecqui maiorem filius
mihi honorem haberet quam eius habuisset pater.
atque ille vero minus minusque impendio
curare minusque me impertire honoribus.
item a me contra factum est, nam item obiit diem.


Na imagem, o Lararium da Casa dos Vétios em Pompeia. 
No Larário honravam-se tanto Lares como Penates, e ambos aparecem retratados no fresco.

Poesia Hebraica §2, ou Leitores Atentos §10

O teu porte semelhante ao da palmeira e os teus seios a cachos de uvas.
Eu disse subirei à palmeira prenderei os ramos sejam agora
os teus seios como cachos
de uvas o aroma do alento de tua boca como aroma
de pomos e o teu palato
vinho excelente que escorra para o meu amor o meu gosto
e faz calar os lábios adormecidos.

"Salomão"-Fiama, Cântico Maior 7.8-10
Assírio & Alvim, Lisboa: 1985.
[a trascrição acima não reproduz a formatação original]

Nunca com os olhos vi outra criatura mortal como tu,
homem ou mulher: é reverência que sinto quando olho para ti.
Outrora vi junto do altar de Apolo em Delos
o novo rebento de uma palmeira que se erguia no ar
(pois aí me dirigira, e comigo seguiam muitos outros,
num caminho em que desgraças seriam o meu destino):
igualmente ao ver a palmeira se me alegrou o coração,
porque nunca vira a sair da terra uma árvore semelhante.
Assim me espanto e me admiro perante ti [...]

"Homero", Odisseia 6.160-168
Cotovia, Lisboa: 2003. (trad.: Frederico Lourenço)

imagem: Salomão Recebendo a Rainha de Sabá, de Rubens
1620, @ Hermitage, São Petersburgo

'Sailing to Byzantium', Yeats


I
That is no country for old men. The young
In one another’s arms, birds in the trees,
— Those dying generations — at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, command all summer long
Whatever is begotten, born and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unaging intellect.

II
An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

III
O sages standing in God’s holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

IV
Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

Obrigado, Miguel.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Alexandria Ad Aegyptum, ou Alexandre & Bucéfalo

I went to the morgue at the Alexandria General Hospital, where I saw 13 bodies of dead people - all men, young and old, but mostly young. Also visited the hospital's emergency room and saw many people who had been shot and were waiting for treatment. Live bullets seem to have been used by police yesterday evening when protesters went to attack police stations, but also by security services against people even in their own homes. One man who told me that thugs (whom he referred to as "mukhabarat", the security services) showed up at his home, accused him of throwing things at police from his windows, and shot him.

Spoke to an Egyptian lawyer who saw 20 bodies at another Alexandria morgue; there's a third I haven't managed to visit yet. That makes a total of at least 33 confirmed dead here. The Egyptian government has got to rein in its security forces on the streets today.

Things are very tense in Alexandria. Large protests are ongoing. The police stations appear to have all been burned. Yesterday, demonstrators tried to burn down the building of the intelligence services, but seem not to have succeeded. The army is not intervening - so far.

Peter Bouckaert, da Human Rights Watch, aqui.

Dionysos

Entre as árvores escuras e caladas
O céu vermelho arde,
E nascido da secreta cor da tarde
Dionysos passa na poeira das estradas.

A abundância dos frutos de Setembro
Habita a sua face e cada membro
Tem essa perfeição vermelha e plena,
Essa glória ardente e serena
Que distinguia os deuses dos mortais.

Sophia, Dia do Mar, Caminho, 2005

Concurso de Perversidade, ou Pretexto


— Ora faz de conta - redarguiu - que falávamos de homens anormalmente altos e baixos. Queres tu coisa mais rara do que encontrar um homem, um cão ou seja o que for, de proporções anormalmente grandes ou pequenas? E o mesmo poderá dizer-se no que respeita a ser rápido ou lento, feio ou belo, branco ou preto; ou não te apercebes de como, em todo este tipo de qualidades, os graus extremos, que confiam com os limites, são escassos e raros, e os intermediários, pelo contrário, em número infindável?
— Decerto - respondi.
— Ora, se a perversidade fosse posta a concurso, não crês que só muito poucos lograriam brilhar em primeiro plano?
- É natural - assenti.

[— ὥσπερ, ἦ δ᾽ ὅς, περὶ τῶν σφόδρα σμικρῶν καὶ μεγάλων: οἴει τι σπανιώτερον εἶναι ἢ σφόδρα μέγαν ἢ σφόδρα σμικρὸν ἐξευρεῖν ἄνθρωπον ἢ κύνα ἢ ἄλλο ὁτιοῦν; ἢ αὖ ταχὺν ἢ βραδὺν ἢ αἰσχρὸν ἢ καλὸν ἢ λευκὸν ἢ μέλανα; ἢ οὐχὶ ᾔσθησαι ὅτι πάντων τῶν τοιούτων τὰ μὲν ἄκρα τῶν ἐσχάτων σπάνια καὶ ὀλίγα, τὰ δὲ μεταξὺ ἄφθονα καὶ πολλά;
— πάνυ γε, ἦν δ᾽ ἐγώ.
— οὐκοῦν οἴει, ἔφη, εἰ πονηρίας ἀγὼν προτεθείη, πάνυ ἂν ὀλίγους καὶ ἐνταῦθα τοὺς πρώτους φανῆναι;
— εἰκός γε, ἦν δ᾽ ἐγώ.]

Platão, Fédon 90a-b
Lisboa Editora, Lisboa: 2004. (trad.: Teresa Schiappa)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Apolo, o Deus-Pinóquio


Então eu, ao ouvir isto, reflecti assim: «Que indicará o deus [Apolo] e que deixa ele perceber? Se eu nem muito nem pouco reconheço ser sabedor, que poderá ele querer dizer, ao afirmar que eu sou o mais sábio? Pois com certeza não mente, não tem esse direito!»

[ταῦτα γὰρ ἐγὼ ἀκούσας ἐνεθυμούμην οὑτωσί: “τί ποτε λέγει ὁ θεός, καὶ τί ποτε αἰνίττεται; ἐγὼ γὰρ δὴ οὔτε μέγα οὔτε σμικρὸν σύνοιδα ἐμαυτῷ σοφὸς ὤν: τί οὖν ποτε λέγει φάσκων ἐμὲ σοφώτατον εἶναι; οὐ γὰρ δήπου ψεύδεταί γε: οὐ γὰρ θέμις αὐτῷ.”]

Platão, Apologia de Sócrates 21b
INCM, Lisboa: 1983. (trad.: José Trindade Santos)

Mas Apolo como o deus da arte, porque o deus mentiroso («ficção»: do latim fingo, 'criar', em português: 'fingir' — a língua é hegeliana: a palavra só no fim da sua evolução acha a sua verdade, a consciência de si). Sugestão, então: pensar toda a Apologia como uma tragédia-farsa, em que o deus assiste, com prazer, ao julgamento do mortal que, porque acreditou nele e no seu oráculo falso, se condenou. Sócrates, o apolíneo à machada, por auto-sugestão. Apolo, na realidade, nunca quis nada com ele, quando muito arranjar matéria para que um seu protegé compusesse obras maiores e não, como os outros, para se perderem, tragédias. Sócrates: o sacrifício de Apolo para Platão.

*

Nem aprovaremos a passagem de Ésquilo, onde Tétis diz que Apolo, ao cantar nos seus esponsais, lhe predissera uma feliz progénie
de filhos destinados a uma vida longa, isenta de doenças.
Após ter anunciado que de tudo os deuses velariam com amor, no meu destino,
entoou o péan, para alegria do meu coração.
E eu julgava que a boca divina de Febo
plena com o sopro da profecia, não tinha lugar para a mentira.
E ele, o mesmo que cantou este hino, que estava presente na festa,
o mesmo que previu este futuro, ele mesmo é que matou o meu filho.
[οὐδὲ Αἰσχύλου, ὅταν φῇ ἡ Θέτις τὸν Ἀπόλλω ἐν τοῖς αὑτῆς γάμοις ᾁδοντα “ἐνδατεῖσθαι τὰς ἑὰς εὐπαιδίας/ νόσων τ᾽ ἀπείρους καὶ μακραίωνας βίους,/ ξύμπαντά τ᾽ εἰπὼν θεοφιλεῖς ἐμὰς τύχας/ παιᾶν᾽ ἐπηυφήμησεν, εὐθυμῶν ἐμέ./ κἀγὼ τὸ Φοίβου θεῖον ἀψευδὲς στόμα/ ἤλπιζον εἶναι, μαντικῇ βρύον τέχνῃ:/ ὁ δ᾽, αὐτὸς ὑμνῶν, αὐτὸς ἐν θοίνῃ παρών,/ αὐτὸς τάδ᾽ εἰπών, αὐτός ἐστιν ὁ κτανὼν/ τὸν παῖδα τὸν ἐμόν—”]

Platão, República 2.383b (= Ésquilo, frg. 350)
Guimarães, Lisboa: 2005. (trad.: Elísio Gala)

*

[Atena fala, justificando Apolo e transmitindo as suas ordens:] Assim, Apolo conduziu tudo bem. Primeiro, fez que tivesses o teu filho sem sofrimento e ninguém soube de nada, graças a ele. Quando puseste no mundo a criança e a envolveste em faixas, pediu a Hermes que a recolhesse em seus braços e a trouxesse para cá [Delfos], alimentou-a e não permitiu que morresse. Agora, tu não reveles que esta criança é tua, para que a ilusão possa agradavelmente possuir Xuto, e abandona este templo, mulher, para teu bem.

[καλῶς δ᾽ Ἀπόλλων πάντ᾽ ἔπραξε: πρῶτα μὲν/ ἄνοσον λοχεύει σ᾽, ὥστε μὴ γνῶναι φίλους:/ ἐπεὶ δ᾽ ἔτικτες τόνδε παῖδα κἀπέθου/ ἐν σπαργάνοισιν, ἁρπάσαντ᾽ ἐς ἀγκάλας/ Ἑρμῆν κελεύει δεῦρο πορθμεῦσαι βρέφος,/ ἔθρεψέ τ᾽ οὐδ᾽ εἴασεν ἐκπνεῦσαι βίον./ νῦν οὖν σιώπα, παῖς ὅδ᾽ ὡς πέφυκε σός,/ ἵν᾽ ἡ δόκησις Ξοῦθον ἡδέως ἔχῃ,/ σύ τ᾽ αὖ τὰ σαυτῆς ἀγάθ᾽ ἔχουσ᾽ ἴῃς, γύναι./ καὶ χαίρετ᾽: ἐκ γὰρ τῆσδ᾽ ἀναψυχῆς πόνων/ εὐδαίμον᾽ ὑμῖν πότμον ἐξαγγέλλομαι.]

Eurípides, Íon 1595-1605
Liga de Amigos de Conímbriga, Condeixa: 2001.
(trad.: Manuel Pulquério e Maria da Silva Álvares)

imagem: estátua de Apolo, de uma villa de Tusculum
séc. I-II d.C., @ Glyptothek Museum, Munique

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Plato's Stepchildren [Star Trek 3x10]

The crew of the Enterprise encounters an ageless and mischievous race of psychic humanoids who claim to have organized their society around Ancient Greek ideals.
O episódio completo encontra-se disponível no YouTube.

Também Aquiles Morrerá

Transcrevo o episódio de Licáon, sem dúvida um dos mais conhecidos da Ilíada, em que o jovem Licáon surpreende Aquiles que lhe está prestes a matá-lo com um discurso de súplicas. Transcrevo a minha tradução da súplica e da resposta.


Mas [Licáon] com uma mão suplicou-lhe agarrando-lhe os joelhos
E com a outra prendeu-lhe a lança afiada e não a largou:
Então falando-lhe assim dirigiu-lhe a sua voz voadora:
"Ajoelho-me perante ti, Aquiles; portanto respeita-me e poupa-me:
Perante ti eu sou um suplicante a respeitar, ó gerado por Zeus,
Pois foi contigo que pela primeira vez provei o cereal de Deméter
Naquele dia em que me raptaste na eira bem aplanada
E me levaste, para longe do meu pai e dos meus companheiros,
Para a santa Lemnos, onde me vendeste por cem bois.
Mas agora comprei a minha liberdade por três vezes o meu preço.
E é já a décima segunda aurora desde que cheguei aqui a Ílion;
Onde muito sofri: e de novo agora nas tuas mãos me colocou
A horrível moira; não há dúvida que o Pai Zeus me odeia,
Ao devolver-me a ti: para uma curta vida a minha mãe
Me deu à luz, Laothóe, a filha do velho Altes,
Altes, que governa os Leleges que adoram o combate
e que manda no Pédaso na escarposa Satnioente,
Com cuja filha Príamo casou, e com todas as outras;
Dessa filha nascemos dois, e tu destruir-nos-ás a ambos,
A ele já mesmo o destruiste, no meio dos guerreiros da frente,
o divino Polydóro, quando lançaste a tua lança afiada.
Mas agora espera-me uma desgraça: pois não julgo
Que hei-de escapar às tuas mãos, para onde me conduziu o deus.
Mas digo-te outra coisa, e tu leva-o bem no teu espírito:
Não me mates, que eu não nasci do mesmo ventre que Heitor
Que te matou o teu companheiro gentil e valente."

Assim lhe falou o brilhante filho de Príamo
Suplicando-lhe com paralavras, mas a resposta foi imperturbável.
"Louco! Não me prometas tesouros nem me tentes convencer:
Antes de Pátroclo se ter precipitado para o seu inevitável dia
Não havia altura em que não me fosse agradável ao espírito poupar
Troianos, e capturei vivos muitos para os vender.
Mas agora não escapará à sua morte nenhum daqueles que o deus
Lançar para as minhas mãos diante das portas de Ílion,
Nenhum dos Troianos, muito menos dos filhos de Príamo.
Mas tu, meu amigo, morre tu também. Para quê lamentares-te assim?
Também Pátroclo morreu, que era muito melhor do que tu.
E vês aliás como eu sou mais belo e poderoso?
O meu pai era nobre, e a mãe que me gerou uma deusa.
Mesmo assim também para mim virá a morte e a Moira poderosa.
Há-de chegar uma aurora, uma tarde, ou um meio-dia
Em que alguém me roubará a vida em combate
Lançando uma lança, ou disparando uma flecha."

Assim falou, e Licáon deixou cair os joelhos e o seu querido coração,
Largou a lança, e lançou-se ao chão com as duas mãos
Abertas: então Aquiles desembainhou a espada afiada
E golpeou-o no ombro pelo pescoço e enterrou toda
A lâmina. Estendendo-se de cabeça para cima na terra
Jazeu, e o seu sangue negro escorreu e molhou a terra.

Ilíada 21.71-119. tradução minha.


αὐτὰρ ὃ τῇ ἑτέρῃ μὲν ἑλὼν ἐλλίσσετο γούνων,
τῇ δ᾽ ἑτέρῃ ἔχεν ἔγχος ἀκαχμένον οὐδὲ μεθίει:
καί μιν φωνήσας ἔπεα πτερόεντα προσηύδα:
γουνοῦμαι σ᾽ Ἀχιλεῦ: σὺ δέ μ᾽ αἴδεο καί μ᾽ ἐλέησον:
ἀντί τοί εἰμ᾽ ἱκέταο διοτρεφὲς αἰδοίοιο:
πὰρ γὰρ σοὶ πρώτῳ πασάμην Δημήτερος ἀκτὴν
ἤματι τῷ ὅτε μ᾽ εἷλες ἐϋκτιμένῃ ἐν ἀλωῇ,
καί μ᾽ ἐπέρασσας ἄνευθεν ἄγων πατρός τε φίλων τε
Λῆμνον ἐς ἠγαθέην, ἑκατόμβοιον δέ τοι ἦλφον.
νῦν δὲ λύμην τρὶς τόσσα πορών: ἠὼς δέ μοί ἐστιν
ἥδε δυωδεκάτη, ὅτ᾽ ἐς Ἴλιον εἰλήλουθα
πολλὰ παθών: νῦν αὖ με τεῇς ἐν χερσὶν ἔθηκε
μοῖρ᾽ ὀλοή: μέλλω που ἀπεχθέσθαι Διὶ πατρί,
ὅς με σοὶ αὖτις δῶκε: μινυνθάδιον δέ με μήτηρ
γείνατο Λαοθόη θυγάτηρ Ἄλταο γέροντος
Ἄλτεω, ὃς Λελέγεσσι φιλοπτολέμοισιν ἀνάσσει
Πήδασον αἰπήεσσαν ἔχων ἐπὶ Σατνιόεντι.
τοῦ δ᾽ ἔχε θυγατέρα Πρίαμος, πολλὰς δὲ καὶ ἄλλας:
τῆς δὲ δύω γενόμεσθα, σὺ δ᾽ ἄμφω δειροτομήσεις,
ἤτοι τὸν πρώτοισι μετὰ πρυλέεσσι δάμασσας
ἀντίθεον Πολύδωρον, ἐπεὶ βάλες ὀξέϊ δουρί:
νῦν δὲ δὴ ἐνθάδ᾽ ἐμοὶ κακὸν ἔσσεται: οὐ γὰρ ὀΐω
σὰς χεῖρας φεύξεσθαι, ἐπεί ῥ᾽ ἐπέλασσέ γε δαίμων.
ἄλλο δέ τοι ἐρέω, σὺ δ᾽ ἐνὶ φρεσὶ βάλλεο σῇσι:
μή με κτεῖν᾽, ἐπεὶ οὐχ ὁμογάστριος Ἕκτορός εἰμι,
ὅς τοι ἑταῖρον ἔπεφνεν ἐνηέα τε κρατερόν τε.

ὣς ἄρα μιν Πριάμοιο προσηύδα φαίδιμος υἱὸς
λισσόμενος ἐπέεσσιν, ἀμείλικτον δ᾽ ὄπ᾽ ἄκουσε:
νήπιε μή μοι ἄποινα πιφαύσκεο μηδ᾽ ἀγόρευε:
πρὶν μὲν γὰρ Πάτροκλον ἐπισπεῖν αἴσιμον ἦμαρ
τόφρά τί μοι πεφιδέσθαι ἐνὶ φρεσὶ φίλτερον ἦεν
Τρώων, καὶ πολλοὺς ζωοὺς ἕλον ἠδ᾽ ἐπέρασσα:
νῦν δ᾽ οὐκ ἔσθ᾽ ὅς τις θάνατον φύγῃ ὅν κε θεός γε
Ἰλίου προπάροιθεν ἐμῇς ἐν χερσὶ βάλῃσι
καὶ πάντων Τρώων, περὶ δ᾽ αὖ Πριάμοιό γε παίδων.
ἀλλὰ φίλος θάνε καὶ σύ: τί ἦ ὀλοφύρεαι οὕτως;
κάτθανε καὶ Πάτροκλος, ὅ περ σέο πολλὸν ἀμείνων.
οὐχ ὁράᾳς οἷος καὶ ἐγὼ καλός τε μέγας τε;
πατρὸς δ᾽ εἴμ᾽ ἀγαθοῖο, θεὰ δέ με γείνατο μήτηρ:
ἀλλ᾽ ἔπι τοι καὶ ἐμοὶ θάνατος καὶ μοῖρα κραταιή:
ἔσσεται ἢ ἠὼς ἢ δείλη ἢ μέσον ἦμαρ
ὁππότε τις καὶ ἐμεῖο Ἄρῃ ἐκ θυμὸν ἕληται
ἢ ὅ γε δουρὶ βαλὼν ἢ ἀπὸ νευρῆφιν ὀϊστῷ.

ὣς φάτο, τοῦ δ᾽ αὐτοῦ λύτο γούνατα καὶ φίλον ἦτορ:
ἔγχος μέν ῥ᾽ ἀφέηκεν, ὃ δ᾽ ἕζετο χεῖρε πετάσσας
ἀμφοτέρας: Ἀχιλεὺς δὲ ἐρυσσάμενος ξίφος ὀξὺ
τύψε κατὰ κληῗδα παρ᾽ αὐχένα, πᾶν δέ οἱ εἴσω
δῦ ξίφος ἄμφηκες: ὃ δ᾽ ἄρα πρηνὴς ἐπὶ γαίῃ
κεῖτο ταθείς, ἐκ δ᾽ αἷμα μέλαν ῥέε, δεῦε δὲ γαῖαν.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fragmentos de Dois Discursos Amorosos

Traga escrita esta mensagem em toda a extensão da tabuinha: "Vem!"
e eu não tardarei a cingir de louro as minhas tabuinhas vitoriosas
e a colocá-las bem no meio do templo de Vénus;
e nelas hei-de escrever: "a Vénus, estas suas servas que tão fiéis lhe foram, Nasão
as dedica, apesar de, até há pouco, serem um reles pedaço de madeira".

[hoc habeat scriptum tota tabella 'veni!'
non ego victrices lauro redimire tabellas
nec Veneris media ponere in aede morer.
subscribam: 'VENERI FIDAS SIBI NASO MINISTRAS
DEDICAT, AT NUPER VILE FUISTIS ACER.']


Ovídio, Amores 1.11
Cotovia, Lisboa: 2006. (trad.: Carlos Ascenso André)

*

OBJECTOS: Todo o objecto tocado pelo corpo do ser amado torna-se parte desse mesmo corpo e o sujeito sente-se apaixonadamente atraído para ele.

1. Werther multiplica os gestos de fetichismo: beija o nó da fita que Carlota lhe dera nos anos, o bilhete que ela lhe manda (correndo o risco de ficar com areia nos lábios), as pistolas que ela tocou. Do ser amado sai uma força que nada pode deter e que impregna tudo em que ele toca, até mesmo com o olhar: se Werther, não podendo ir ver Carlota, lhe manda o criado, é este mesmo criado sobre quem ela poisou o olhar que se torna para Werther uma parte de Carlota («Eu bem teria gostado de segurar a cabeça dele entre as minhas mãos para o beijar, se não fosse o respeito humano»). Cada objecto assim consagrado (colocado no seio de Deus) assemelha-se à pedra de Bolonha que irradia, à noite, os raios que armazenou durante o dia.

Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, s.v. Objectos
Edições 70, Lisboa: 2006. (trad.: Isabel Pascoal)

Nada de Cultura sobre os Clássicos

"Esta semana, "Nada de Cultura" irá falar dos clássicos. Numa altura em que as inscrições nas faculdades estão a aumentar nos cursos de letras clássicas é importante saber quando se fala de língua e literatura clássica.

Terão os pedagogos modernos receio dos clássicos? Para falar sobre esta e outras questões Francisco José Viegas convida Raul Rosado Fernandes, professor catedrático jubilado de filologia clássica da Faculdade de Letras e investigador do Centro de Estudos Clássicos, Raul Rosado Fernandes e o professor de literatura portuguesa e brasileira, Abel Barros Baptista.

"Nada de Cultura" , quarta-feira dia 26 de Janeiro, no TVI24, à 01h06 com a apresentação de Francisco José Viegas."

Mais informação no link. Aviso feito pela página FB do Centro de Estudos Clássicos da FLUL.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Colóquio Internacional de Romanística

Dia 28 de Janeiro, às 9h 30 horas, na Sala do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos tem início o Colóquio Internacional de Romanística em que, além de especialistas da Universidade de Coimbra, participam especialistas das Universidades de Lisboa, da Universidade de Alcalá de Henares de Madrid, Universidade de Kiel, Universidade de Giessen e da Universidade de Liège.

Programa:
9h 30 - Abertura
10h:
Império, cultura e romanidade, Vasco Gil Mantas (Universidade de Coimbra)
Do Orador ao Mestre. Concepções romanas da linguagem, Diogo Falcão Ferrer (Universidade de Coimbra)
O latim e os romanistas, Luís Manuel Cerqueira (Universidade de Lisboa)
11h 30 Debate
12h 45 Almoço no Instituto Justiça e Paz

14h 30:
La variedad de fuentes de latín vulgar y una en particular: el Testamentum Porcellî, Jairo Javier García Sánchez (Universidade de Alcalá de Henares – Madrid)
Características do latim dos textos monásticos frutuosianos: observações sobre a mudança na língua do séc. VII na Hispânia visigótica, Paula Barata Dias (Universidade de Coimbra)
15h 30 Debate
16h Pausa para Café
16h 30 Mesa-Redonda: A Romanística Hoje
A linguística de contacto. Novos rumos na romanística, Harald Thun (Universidade de Kiel)
As relações contemporâneas entre as línguas românicas, Joachim Born (Universidade de Giessen)
L’unité des langues romanes aujourd’hui, Jean-Marie Klinkenberg (Universidade de Liège)
18h 00 Debate

O Rei de Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que
nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei de Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado

Sophia, O Nome das Coisas, Caminho, 2004

III International Aristotle Seminar at Coimbra: Causation in Greek and Medieval Philosophy

Nos dias 17 e 18 de Março realizar-se-á na Faculdade de Letras o III Seminário Internacional sobre Aristóteles em Coimbra, subordinado ao tema "Causalidade na Filosofia Grega e Medieval". A seu tempo disponibilizaremos mais informações, mas por enquanto na página da FLUC enconta-se já alguma informação provisória, contando-se nesta informações sobre a proposta de apresentações.

III International Aristotle Seminar at Coimbra: Causation in Greek and Medieval Philosophy.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

The Present [1892] Requirements for Admission to Harvard College

In the last ten years great changes have taken place in the course of study required of boys in preparation for Harvard College. The present list of requirements was published in the College Catalogue for 1886-87, after much discussion in the college and outside of it. The main point of dispute was the compulsory study of Greek. The opponents of Greek attacked it as being of no practical value to any person who was not to become either a student of language or a teacher, and argued, from this point of view, that it was absurd to require all boys to study it. Many other persons, trained under the old system, could not conceive of a liberally educated man to whom Greek was but a name, and therefore defended the requirement. The college authorities have settled the question for a time by admitting pupils with no knowledge of Greek, but only under very stringent conditions.

[...] Let us examine these studies in detail, and notice what changes have been made in the methods of examination in them, in order to see and understand the new methods of instruction which are required to meet the new tests. In the elementary examination in the classics, the test applied is the translation at sight of passages from Caesar and Nepos in Latin, and from Xenophon in Greek. These authors all have a simple narrative style, and their thought is neither involved nor profound, so that their works are entirely within the comprehension of the average boy. Such a test as this requires an entire change from traditional methods of classical teaching, but unfortunately many persons do not understand just what this change is.

Formerly the candidate was asked to show that he had read certain specified works by translating passages from them, and to show his knowledge of some standard Latin or Greek grammar by explaining the grammatical construction of certain words in these passages. To be able to do this the pupil stored in his memory a translation of passages from the books he had himself read or had heard some one else read. Unless he had a natural fondness for language, he read these passages as combinations of words, for each of which he had to have some English equivalent word, but rarely realized, or cared to realize, the thought which was meant to be conveyed by them. He was taught to pick out his Latin or Greek words by means of their English equivalents in an English order; that is, first the subject, then the verb, and last the object, each with its modifiers. He then studied these English words in the English order to make something out of them which, according to his English notions, made sense. His thoughts and conceptions were only his own English ones. He was made to learn all the rules of syntax before he did any reading, because he must explain each construction he met by making it fit under one of these rules. This whole system of teaching looked at the classics only from an English point of view. The student gained very little more than a confused knowledge of the arbitrary names which grammarians have given to Latin and Greek constructions, and some insight into ancient life and customs, which would have been clearer and would have been obtained more easily if he had read any good translation of his author. He did not learn to read the languages, nor realize that thoughts were expressed by them.

Now the college requires him to be so familiar with the vocabulary and forms of thought of the classics that he can read a passage he has never seen before, in which the style is not different from that to which he is accustomed, and the thought not more profound than it is in the books which he has read. In order to do this at all, the pupil must read each sentence as he reads an English or French one; that is, he must take in the ideas in the order in which they are presented in the Latin or Greek sentence. He must learn how a Roman or a Greek thought, to be able to grasp the new thoughts which may be presented to him in a new passage. He must get at the ideas expressed by his author before he attempts to translate; that is, before he puts these ideas into good English.

The new system of teaching, if it would meet the new test, must keep these two processes--the understanding of the Latin or Greek thought, and the expression of it in English translation--entirely distinct, because the student can arrive at the ideas in a passage he has never seen only through the language in which they are found; whereas, under the old system, the two were confused, and the tendency of the teaching, as we have seen, was to make him translate before he had a clear understanding of the thought. The student must look at the different constructions of the language as ways of conveying thoughts, and be asked to explain the thought which is contained in them rather than to give some arbitrary rules of syntax for them which he often does not understand. In order to read the thought, he must be familiar with the syntax; but he gets this familiarity by reading, as the physicist, by observing phenomena in his laboratory, arrives at the knowledge of nature's laws. This new method of teaching gives, as it were, a laboratory training in language. The aim is now, not to read a certain quantity of Latin an Greek, but to learn how to read these languages, and to make the student realize that, although the languages are dead, they were and are still vehicles of thought.

Reading with this aim is what the phrase "reading at sight" really means. In many schools this is too little understood. It is supposed to mean guessing at words to save the use of a dictionary, while in reality the dictionary has to be used much more thoughtfully than before, as the boy must learn what each word meant to a Roman or a Greek and not simply find some English word for it which will fit into his preconceived notion of what the sentence means. Pupils are too frequently allowed to pass over forms in a slipshod way without learning them. Experience with pupils in preparation for college has shown me that an exact knowledge of the forms is absolutely essential in order to see at a glance the relations between words, and so to grasp the thought which is expressed by them. Such exact knowledge of the forms can be got only by memorizing them.

This method of studying the classics brings out clearly their educational value. The conceptions of Latin and Greek and the forms of expression are so different from the student's own that he must analyze words, phrases, and sentences containing complex ideas to arrive at any real comprehension of the author's meaning. Being thus obliged to look at each thought from two points of view, the Latin or Greek and the English, he is forced to get a clearer conception of the thought than he could possibly get by looking at it from the English side only. As few words in two widely different languages have exactly corresponding conceptions behind them,--that is, are synonyms,--he must get at these conceptions to see what a sentence really means. He must think, and think clearly. He grows accustomed to clear thinking, and therefore expresses his own thoughts more clearly both in speech and in writing. From this kind of classical training, as from mathematics, he learns to reason logically, but with this fundamental difference: in mathematics he reasons from letters and figures representing quantity, and from this limitation in the symbols he receives broad conceptions.

Something of this mental training was got under the old system of classical teaching, but the college examination did not then test this power of thinking as the present one does. A pupil cannot translate a passage he has never seen before without this power. To read at sight, a student must have a large vocabulary of Latin or Greek words, of which each word represents to him not one English equivalent word, but an idea. Under the old system of examination this vocabulary was not necessary, because he had read the passages before, and could often remember the context without knowing the meaning of separate words. This vocabulary will always be a valuable possession to him, when we consider that a large part of our English vocabulary is derived from Latin and Greek, so that a perfectly intelligent use of English words is impossible without some knowledge of these languages. This system of teaching the classics is for these reasons practical, and this study of them is as valuable to the business man as to the college professor.

The desire to banish all studies which are not to be of immediate money value to the student, which has given rise to the discussion of the comparative usefulness of ancient and modern languages, has caused many persons to overlook the true value of a right study of Latin and Greek. The study of them is valuable to every man for the mental training which they give much more than for the knowledge of ancient life and literature which is obtained through them. This knowledge can be and often is obtained by reading English translations of the classics, and modern works on ancient art, life, and literature; but this training can be got only by the study of the languages themselves. The man who says his Greek or Latin is of no use to him in business or elsewhere does not realize that if he really studied either language his powers of thinking were increased, even though he has forgotten every fact learned about the language itself.

James Jay Greenough, The Atlantic Monthly; May, 1892
Volume 69, No. 415; pages 671-677. artigo completo aqui.

imagem: estátua de John Harvard, em Harvard Square.

A Velhice, Segundo os Filósofos

- Sim, por Zeus, Sócrates — exclamou Céfalo — dir-te-ei qual o meu sentir sobre este assunto. Acontece com frequência que alguns de nós mais velhos, praticamente da mesma idade, nos reunimos, assim justificando o antigo provérbio. Nestas reuniões, a maior parte de nós lamenta-se, lembrando os prazeres perdidos da juventude, rememorando tanto os deleites do amor, com os do vinho e festas e outros similares e irritando-se como se tivessem sido privados de bens consideráveis com os quais viveram bem, enquanto que agora, nem sequer lhes parece que vivem. Alguns queixam-se também das ofensas dos amigos e familiares à sua avançada idade, razão por que recitam uma triste litania contra a velhice que culpam de quantos males padecem. Quanto a mim, Sócrates, parece-me que eles não culpam a verdadeira causa. Se a velhice fosse a verdadeira causa, ela teria provocado o mesmo efeito sobre mim e quantos chegaram a esta idade. Ora, tenho-me encontrado com outros anciãos, animados de sentimentos bem diferentes e, em particular, lembro-me de ouvir certa vez o poeta Sófocles, quando alguém lhe perguntou: «Quanto ao teu serviço de Afrodite, Sófocles, és ainda capaz de arrebatar uma mulher?». E ele respondeu: «Tento na língua, homem; libertei-me do que falas tão agradavelmente como se me tivesse libertado de um amo louco e selvagem». A sua resposta pareceu-me na altura bela e, agora, ainda mais. É que, no tocante a esses assuntos, em boa verdade, chega com a velhice uma grande paz e um abençoado desprendimento. Quando os ferozes apetites das paixões e desejos perderam a sua violência e afrouxaram, realiza-se por completo o que afirma Sófocles: libertamo-nos de uma multidão de déspotas coléricos. Quanto às queixas dos anciãos e, no respeitante aos seus desgostos caseiros, não há senão apenas uma espécie de causa e não é a velhice, Sócrates, mas o carácter dos seres humanos. Se eles são temperantes e bem consigo mesmos, também a velhice é um fardo moderadamente penoso; caso contrário, Sócrates, não é apenas a velhice, é também a juventude que é deplorável e de carácter difícil.

[ἐγώ σοι, ἔφη, νὴ τὸν Δία ἐρῶ, ὦ Σώκρατες, οἷόν γέ μοι φαίνεται. πολλάκις γὰρ συνερχόμεθά τινες εἰς ταὐτὸν παραπλησίαν ἡλικίαν ἔχοντες, διασῴζοντες τὴν παλαιὰν παροιμίαν: οἱ οὖν πλεῖστοι ἡμῶν ὀλοφύρονται συνιόντες, τὰς ἐν τῇ νεότητι ἡδονὰς ποθοῦντες καὶ ἀναμιμνῃσκόμενοι περί τε τἀφροδίσια καὶ περὶ πότους τε καὶ εὐωχίας καὶ ἄλλ᾽ ἄττα ἃ τῶν τοιούτων ἔχεται, καὶ ἀγανακτοῦσιν ὡς μεγάλων τινῶν ἀπεστερημένοι καὶ τότε μὲν εὖ ζῶντες, νῦν δὲ οὐδὲ ζῶντες. ἔνιοι δὲ καὶ τὰς τῶν οἰκείων προπηλακίσεις τοῦ γήρως ὀδύρονται, καὶ ἐπὶ τούτῳ δὴ τὸ γῆρας ὑμνοῦσιν ὅσων κακῶν σφίσιν αἴτιον. ἐμοὶ δὲ δοκοῦσιν, ὦ Σώκρατες, οὗτοι οὐ τὸ αἴτιον αἰτιᾶσθαι. εἰ γὰρ ἦν τοῦτ᾽ αἴτιον, κἂν ἐγὼ τὰ αὐτὰ ταῦτα ἐπεπόνθη, ἕνεκά γε γήρως, καὶ οἱ ἄλλοι πάντες ὅσοι ἐνταῦθα ἦλθον ἡλικίας. νῦν δ᾽ ἔγωγε ἤδη ἐντετύχηκα οὐχ οὕτως ἔχουσιν καὶ ἄλλοις, καὶ δὴ καὶ Σοφοκλεῖ ποτε τῷ ποιητῇ παρεγενόμην ἐρωτωμένῳ ὑπό τινος: “πῶς,” ἔφη, “ὦ Σοφόκλεις, ἔχεις πρὸς τἀφροδίσια; ἔτι οἷός τε εἶ γυναικὶ συγγίγνεσθαι”; καὶ ὅς, “εὐφήμει,” ἔφη, “ὦ ἄνθρωπε: ἁσμενέστατα μέντοι αὐτὸ ἀπέφυγον, ὥσπερ λυττῶντά τινα καὶ ἄγριον δεσπότην ἀποδράς.” εὖ οὖν μοι καὶ τότε ἔδοξεν ἐκεῖνος εἰπεῖν, καὶ νῦν οὐχ ἧττον. παντάπασι γὰρ τῶν γε τοιούτων ἐν τῷ γήρᾳ πολλὴ εἰρήνη γίγνεται καὶ ἐλευθερία: ἐπειδὰν αἱ ἐπιθυμίαι παύσωνται κατατείνουσαι καὶ χαλάσωσιν, παντάπασιν τὸ τοῦ Σοφοκλέους γίγνεται, δεσποτῶν πάνυ πολλῶν ἐστι καὶ μαινομένων ἀπηλλάχθαι. ἀλλὰ καὶ τούτων πέρι καὶ τῶν γε πρὸς τοὺς οἰκείους μία τις αἰτία ἐστίν, οὐ τὸ γῆρας, ὦ Σώκρατες, ἀλλ᾽ ὁ τρόπος τῶν ἀνθρώπων. ἂν μὲν γὰρ κόσμιοι καὶ εὔκολοι ὦσιν, καὶ τὸ γῆρας μετρίως ἐστὶν ἐπίπονον: εἰ δὲ μή, καὶ γῆρας, ὦ Σώκρατες, καὶ νεότης χαλεπὴ τῷ τοιούτῳ συμβαίνει.]

Platão, República 329a-d
Guimarães, Lisboa: 2005. (trad.: Elísio Gala)

Como vedes, a velhice, longe de ser débil e inerte, é, pelo contrário, laboriosa, sempre empenhada em fazer ou planear coisas novas, segundo a natural propensão de cada um na vida passada. Daqueles que são capazes de ainda aprender alguma coisa, que dizer? Igualmente vemos Sólon a glorificar-se nos seus versos de que envelhece aprendendo todos os dias alguma coisa. Assim o fiz, eu [Catão] que já ancião me instruí nas letras gregas, as quais com avidez assimilei, como se saciasse uma longa sede, a fim de as conhecer e agora poder, conforme vedes, dar tais exemplos. Desejaria fazer o mesmo que ouvi dizer acerca de Sócrates com a arte da lira — assim os antigos aprendiam com efeito a tocá-la — mas, decidi dedicar-me às belas letras. Agora não sinto a falta da força da juventude. Era este o segndo ponto dos defeitos da velhice — já não anseio possuir a força de um touro ou de um elefante como acontecia quando era jovem. É conveniente fazer-se uso dela e que se aja segundo as forças de cada um. Que palavras poderão ser mais desdenhosas do que as proferidas por Mílon de Crotona? Este, sendo velho, ao ver os atletas exercitarem-se no estádio, terá, segundo dizem, olhado para os seus braços e dito desfeito em lágrimas: «ah! certamente estes já morreram». Na verdade, não tanto como tu, pobre pateta! Porquanto jamais deveste o teu renome a ti próprio, antes, aos teus pulmões, aos teus braços. Muito diferentes foram Sexto Élio, e muito antes Tibério Coruncânio, ou há pouco Públio Crasso, autores de uma legislação que estabelecia normas jurídicas para os seus concidadãos e cuja prudência foi até à morte proverbial.

[Sed videtis, ut senectus non modo languida atque iners non sit, verum etiam sit operosa et semper agens aliquid et moliens, tale scilicet quale cuiusque studium in superiore vita fuit. Quid qui etiam addiscunt aliquid? ut et Solonem versibus gloriantem videmus, qui se cotidie aliquid addiscentem dicit senem fieri, et ego feci qui litteras Graecas senex didici; quas quidem sic avide arripui quasi diuturnam sitim explere cupiens, ut ea ipsa mihi nota essent quibus me nunc exemplis uti videtis. Quod cum fecisse Socratem in fidibus audirem, vellem equidem etiam illud (discebant enim fidibus antiqui), sed in litteris certe elaboravi. Ne nunc quidem vires desidero adulescentis (is enim erat locus alter de vitiis senectutis), non plus quam adulescens tauri aut elephanti desiderabam. Quod est, eo decet uti et, quicquid agas, agere pro viribus. Quae enim vox potest esse contemptior quam Milonis Crotoniatae? qui, cum iam senex esset athletasque se exercentes in curriculo videret, aspexisse lacertos suos dicitur inlacrimansque dixisse: 'At hi quidem mortui iam sunt.' Non vero tam isti quam tu ipse, nugator; neque enim ex te umquam es nobilitatus, sed ex lateribus et lacertis tuis. Nihil Sex. Aelius tale, nihil multis annis ante Ti. Coruncanius, nihil modo P. Crassus, a quibus iura civibus praescribebantur, quorum usque ad extremum spiritum est provecta prudentia.]

Cícero, Da Velhice 8.26-9.27
BI, Lisboa: 2009. (trad.: Carlos Humberto Gomes)

imagem: Quatro Idades da Vida, de Munch
1902, @ Colecção Rasmus Meyer, Bergen

Tales & Jack Skellington; ou breves notas sobre as ligações #2

#1
[...] Tales de Mileto, dá início à filosofia com a física.  Anos do mundo 3406

E [Tales] começou por um princípio demasiado insípido o da água talvez porque tinha observado que, com a água as abóboras crescem.

Giambattista Vico, Ciência Nova XXXII.92



#2
"It is always a significant question to ask about any philosopher: what is he afraid of?"

Iris Murdoch, On 'God' and 'Good', citado em The Lords of Limit, de Geoffrey Hill



#3

In this town we call home
Everyone hail to the pumpkin song.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A Velhice, Segundo os Poetas

Vós,] donzelas, com os belos dons [das Musas] de regaço violeta
sêde zelosas, bem assim com a] lira melodiosa, dos poetas amante.
Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram.
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas,
em tempos ágeis para a dança, como pequenas corças.
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer?
alguém que não envelhece é algo que não pode existir.
Também em tempos Titono, diziam, a Aurora de róseos braços,
levada pelo amor, consigo arrastou para o fim do mundo,
sendo este belo e jovem; mas até dele se apoderou,
com o tempo, a [grisalha] velhice, dele que tinha imortal esposa.

o novo poema de Safo, traduzido por Carlos de Jesus
in Boletim de Estudos Clássicos 44 (2005).

Já os membros não podem comigo, ó donzelas
de vozes doces de encantar. Quem dera que eu fosse como o cérilo,
que voa com os alcíones, à superfície das ondas,
com seu peito inquebrantável, essa ave sagrada, cor de púrpura marinha.

Álcman, frg. 26 Page, traduzido por MHRP,
in Hélade - Antologia da Cultura Clássica

imagem: Os Três Estádios da Mulher (Esfinge), de Munch
c. 1894, @ Colecção Rasmus Meyer, Bergen

O Regresso do Cão-Filósofo



Em 2007 apontei o nome desta série — Socrate, le demi-chien — no então novo Google Notebook, aplicação que, ao contrário da maioria das desenvolvidas pela empresa de Larry Page, acabou por não pegar. Hoje, por um conjunto de acasos que não interessa estar aqui a descrever, voltei a tropeçar no meu Google Notebook, e não pude deixar de cuscar o que houvera escrito ali outrora. Encontrei uma pequena nota que me reencaminhava para aqui, donde parti para redescobrir esta série que mistura mitologia grega com filosofia socrática e platónica. Juro que estou curioso: o conceito parece interessante, e já lá vão uns bons meses desde que li o meu último álbum de banda desenhada. E o Dr. Kartoon, cá em Coimbra, está em saldos: talvez dê lá um salto.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

What is a good life?

Plato and Aristotle treated morality as a genre of interpretation. They tried to show the true character of each of the main moral and political virtues (such as honor, civic responsibility, and justice), first by relating each to the others, and then to the broad ethical ideals their translators summarize as personal “happiness.” Here I use the terms “ethical” and “moral” in what might seem a special way. Moral standards prescribe how we ought to treat others; ethical standards, how we ought to live ourselves. The happiness that Plato and Aristotle evoked was to be achieved by living ethically; and this meant living according to independent moral principles.

Ronald Dworkin, para continuar a ler é por aqui, meus senhores.

'Deus - Uma Peça', pelo TEUC — 21-22/01, n' A Barraca (Lisboa)

Recomendamos. Vivamente.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Δώρια

Be in me as the eternal moods
of the bleak wind, and not
As transient things are -
gaiety of flowers.
Have me in the strong loneliness
of sunless cliffs
And of grey waters.
Let the gods speak softly of us
In days hereafter,
The shadowy flowers of Orcus
Remember thee.

Ezra Pound, Personae: Collected Shorter Poems, Faber & Faber, 1990.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Incipit #1

Andromaque: La guerre de Troie n'aura pas lieu, Cassandre!
Cassandre: Je te tiens un pari, Andromaque.
Andromaque: Cet envoyé des Grecs a raison. On va bien le recevoir. On va bien lui envelopper sa petite Hélène, et on la lui rendra.
Cassandre: On va le recevoir grossièrement. On ne lui rendra pas Hélène. Et la guerre de Troie aura lieu.
Andromaque: Oui, si Hector n'était pas là!... Mais il arrive, Cassandre, il arrive! Tu entends assez ses trompettes... En cette minute, il rentre dans la ville, victorieux. Je pense qu'il aura son mot à dire. Quand il est parti, voilà trois moins, il m'a juré que cette guerre était la derniére.
Cassandre: C'était la dernière. La suivante l'attend.
Andromaque: Cela ne te fatigue pas de ne voir et de ne prévoir que l'effroyable?
Cassandre: Je ne vois rien, Andromaque. Je ne prévois rien. Je tiens seulement compte de deux bêtises, celle des hommes et celle des éléments.
Andromaque: Pourquoi la guerre aurait-elle lieu? Pâris ne tient plus à Hélène. Hélène ne tient plus à Pâris.
Cassandre: Il s'agit bien d'eux!
Andromaque: Il s'agit de quoi?
Cassandre: Pâris ne tient plus à Hélène! Hélène ne tient plus à Pâris! Tu as vu le destin s'intéresser à des phrases négatives?
Andromaque: Je ne sais pas ce qu'est le destin.
Cassandre: Je vais te le dire. C'est simplement la forme accélérée du temps. C'est épouvantable.

Jean Giraudoux, La Guerre de Troie N'Aura Pas Lieu (1935).

O Desejo & A Necessidade

Sócrates — Vou dizer-te o que me parece. Diz-me o seguinte: dos laços que mantêm qualquer ser vivo seja onde for, qual é o mais forte, a necessidade ou o desejo?
Hermógenes — É o desejo, ó Sócrates, e de muito longe.
Sócrates — E não te parece que muitos fugiriam ao Hades, se ele não ligasse pelo mais forte dos laços aqueles que para lá vão?
Hermógenes — É evidente que sim.
Sócrates — Parece então que ele os liga por um certo desejo, se é certo que os liga pelo laço mais forte, e não pela necessidade.

Platão, Crátilo 403c
Piaget, Lisboa: 2001. (trad.: Maria José Figueiredo)

Sócrates argumentará em seguida que o maior desejo de todos é o de viver com alguém que nos faça melhores. Ora no Além iremos encontrar-nos com quem é mais sábio do que nós (uma esperança já presente no Fédon), razão porque, diz, ninguém quer de lá regressar, e as almas aí permanecem. O que me interessa verdadeiramente nesta passagem, porém, é a ousadia platónica de declarar que é mais forte o desejo (ἐπιθυμία) do que a necessidade (ἀνάγκη). Lembremos que a necessidade é um dos conceitos-chave da teoria trágica grega, por sua vez uma pedra-angular do espírito helénico. Mas mesmo fora do contexto grego, apenas considerada sob um ponto de vista filosófico, a afirmação é de uma violência invulgar. A necessidade é, na tradição do pensamento ocidental, aquilo que, por definição, e perdoem-me a redundância, é necessário, ou seja, o que não se pode evitar, o que tem de ser, o que não pode não ser. E Platão, com a descontracção de um génio, face a tudo isso, diz apenas: o desejo pode mais.

[Σωκράτης: ἐγώ σοι ἐρῶ ἅ γέ μοι φαίνεται. εἰπὲ γάρ μοι, δεσμὸς ζῴῳ ὁτῳοῦν ὥστε μένειν ὁπουοῦν, πότερος ἰσχυρότερός ἐστιν, ἀνάγκη ἢ ἐπιθυμία;
Ἑρμογένης: πολὺ διαφέρει, ὦ Σώκρατες, ἡ ἐπιθυμία.
Σωκράτης: οἴει οὖν τὸν Ἅιδην οὐκ ἂν πολλοὺς ἐκφεύγειν, εἰ μὴ τῷ ἰσχυροτάτῳ δεσμῷ ἔδει τοὺς ἐκεῖσε ἰόντας;
Ἑρμογένης: δῆλα δή.
Σωκράτης: ἐπιθυμίᾳ ἄρα τινὶ αὐτούς, ὡς ἔοικε, δεῖ, εἴπερ τῷ μεγίστῳ δεσμῷ δεῖ, καὶ οὐκ ἀνάγκῃ.]

imagem: manuscrito do Crátilo por Julie C. Sparks, copiando as iluminuras bizantinas.
O processo de composição pode ser seguido com todo o detalhe aqui.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Hino da União Europeia em Latim + So You Think You Have Friends In High Places #2


Lembramos este post.

Herman Van Rompuy, actual Presidente do Conselho da União Europeia, assumiu funções em Dezembro de 2009. Em Janeiro de 2010, Peter Roland, o autor austríaco duma letra para um proposto hino oficial da União (cuja página com traduções pode ser encontrada aqui), escreve-lhe uma carta para lhe publicitar essa mesma letra. Van Rompuy responde-lhe, em Latim, e essa carta pode ser lida.



Herman Van Rompuy, presidente [do Conselho] da Europa, saúda o Dr. Roland.

Agradeço-te muito a tua carta, que recebi nos Idos de Janeiro. Li com muita atenção o hino da Europa que escreveste em Latim. Apesar de não ter muito jeito para cantar, a tua ideia agrada-me imensamente. Espero que os teus desígnios relativos à adopção deste hino da Europa em Latim sejam bem sucedidos no futuro.

Vale!


Herman Van Rompuy, praesidens Europae, salutat Dr. Roland.

Pro litteris tuis, quas Idibus Ianuariis accepi, tibi gratias ago. Magno cum studio hymnum Europae lingua Latina scriptum, legi. Mihi non est ingenium canendi, sed inceptum tuum mixi maxime placet. Spero consilia tua hymni Europae commendandi lingua Latina prospere eventura esse.

Vale!

"Back in school I used to love the myths"


Omar Little, no episódio 6 da segunda série de The Wire. Tirando a parte inicial, não tem muito que ver com Estudos Clássicos, mas fica a recomendação. Omar é uma personagem preferida.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A Democracia na América (e em Atenas)

Ontem, ao ouvir este discurso do Obama sobre o tiroteio em Tucson, no Arizona, não pude deixar de me recordar da Oração Fúnebre de Péricles, talvez, com o chamado Diálogo Meliano, o trecho mais conhecido da História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides. Podia sublinhar aqui uma série de semelhanças entre os dois: a homenagem aos mortos, o discurso como elemento de catarse pública, o elogio do país e das virtudes do regime. Duas democracias, e dois impérios, separados por coisa de mil e quinhentos anos: os mesmos rituais no luto público, o mesmo cultivo e trabalho da oratória, recolocando a palavra no centro do exercício comunitário da política, lembrando que a ἰσηγορία (isegoria), o direito à igualdade no acesso à palavra, na assembleia, é o pilar em que assenta a democracia: a troca de juízos em comum, diria Arendt, a partilha de formas de ver o mundo (Nussbaum, jurista e classicista, fala na imaginação como a virtude cívica por excelência: a capacidade de me pôr no lugar do outro; Obama, no discurso, desafia-nos a que expandamos «a nossa imaginação moral»).

A democracia americana, como a sua congénere ateniense, tem muitos podres (e não são aqueles que a Wikileaks veio revelar), mas é talvez a mais viva, ou pelo menos a mais pura (não num sentido de virgindade, mas de nela se encontrar tudo aquilo que define o regime em estado bruto e completo, se me permitem o não-paradoxo), democracia à face do planeta, como Atenas na Hélade do seu tempo. Dir-me-ão que nos EUA não há Estado Social, que entre nós, na Europa, é quase sinónimo de democracia, mas, se formos filosoficamente probos, temos que reconhecer que não é isso que define a democracia qua democracia. Não há outro país actualmente onde o debate político seja tão participado, onde haja tanta proximidade entre os eleitores e os seus representantes (que é um dos nossos principais problemas, na Europa), onde a democracia seja também mais espectáculo (que é coisa diferente da propaganda, que é, numa das suas múltiplas encarnações, mas também uma das suas mais populares, a forma degradada do espectáculo). A dimensão do espectáculo vai-se tornar particularmente proeminente em Roma (ver, a esse propósito), mas era já uma presença em Atenas: lembremos Alcibíades.

A democracia como uma festa: por isso o regime mais belo, como o classifica Platão na República. A política como uma celebração tão pública como as festividades religiosas: a política como a religião em honra do deus Homem. Ora o Homem é fundamentalmente o «animal dotado de palavra» e daí decorre a sua natureza enquanto «animal político», pois que para Aristóteles a Natureza nada faz em vão e, se o Homem fala, se é esse o traço distintivo do Homem, o discurso, o λόγος, e este exige sempre um outro, um segundo, um receptor, então é apenas natural que o Homem exista para viver em comunidade: «a comunhão destas coisas [as nossas opiniões sobre o bem e o mal, o justo e o injusto] produz a casa e a cidade» (Política, 1253a19). É esta palavra pública que sinto que me foi roubada: qual é o último grande discurso de um político português que se lembram? Tucídides reproduz uns quantos, o que nos diz algo sobre o lugar que a retórica tinha na vida pública ateniense (pense-se, ainda a propósito da Oração Fúnebre de Péricles, que esta era uma prática tão enraizada que Platão a pode parodiar no Menéxeno, com uma oração fúnebre de Aspásia). Ontem entrei na segunda sala do Instituto de Estudos Americanos e, depois de um lance de livros com os discursos do Jefferson, havia uma prateleira inteira só com os volumes em capa dura dos do Lincoln. A única colectânea de discursos entre nós, que me ocorre, é a antologia dos do Sá-Carneiro.

Não nos devemos espantar de politicamente estarmos tão decandentes, se o próprio discurso público, enquanto arte, se perdeu (temos até ministros gagos). Aquiles fora ensinado por Fénix a «ser orador de discursos e fazedor de façanhas» (Il. 9.443; trad: Frederico Lourenço), e não havia contradição nenhuma entre as duas coisas. Hoje, pelo contrário, desaprendemos a tal ponto esta verdade política que negamos com cinismo aos discusos qualquer relevância política, resumindo-os, o mais das vezes, a uma manifestação de boas-intenções, sem qualquer eficácia. O pensamento desligou-se da mão, como o Ulisses de Sophia temia. E, todavia, as palavras têm força (e devíamos reler mais o Génesis para não nos esquecermos disso). A palavra é, aliás, a anti-força por excelência: a persuasão (cf. a cena inicial da República), frágil, como o bem (Nussbaum, again). Mas a palavra é, afinal, o mais Humano. Um regime que a tente ignorar, que a substitua pelo ruído (e há múltiplas formas de ruído, dos chavões aos soundbytes - e aos bitaites), é um regime mais pobre, mais deficiente, menos livre também. O discurso de Obama fez-me lembrar tudo isso, e não deixa de ser curioso (sinal) que o tenha visto no mesmo dia em que, na biblioteca de Estudos Clássicos, descobri a prateleira sobre retórica. Talvez regresse lá em breve, porque, nesse ponto, como em tanto, gregos e romanos têm lições úteis para nós.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Sócrates e as Propinas

Ó Hermógenes, filho de Hipónico, há um antigo provérbio que diz que as coisas belas são difíceis, quando se trata de aprender; a e aprendizagem dos nomes não será com certeza coisa pequena. Ora, se eu já tivesse ouvido a exposição de cinquenta dracmas de Pródico — e, segundo ele próprio, quem a tiver escutado ficará informado sobre este tema —, nada te impedira de, neste mesmo instante, conheceres a verdade acerca da correcção dos nomes; porém, eu não ouvi essa exposição, mas apenas a de um dracma; por isso, não sei qual possa ser a verdade acerca dessas coisas.

Platão, Crátilo 384b
Piaget, Lisboa: 2001 (trad.: Maria José Figueiredo).

[ὦ παῖ Ἱππονίκου Ἑρμόγενες, παλαιὰ παροιμία ὅτι χαλεπὰ τὰ καλά ἐστιν ὅπῃ ἔχει μαθεῖν: καὶ δὴ καὶ τὸ περὶ τῶν ὀνομάτων οὐ σμικρὸν τυγχάνει ὂν μάθημα. εἰ μὲν οὖν ἐγὼ ἤδη ἠκηκόη παρὰ Προδίκου τὴν πεντηκοντάδραχμον ἐπίδειξιν, ἣν ἀκούσαντι ὑπάρχει περὶ τοῦτο πεπαιδεῦσθαι, ὥς φησιν ἐκεῖνος, οὐδὲν ἂν ἐκώλυέν σε αὐτίκα μάλα εἰδέναι τὴν ἀλήθειαν περὶ ὀνομάτων ὀρθότητος: νῦν δὲ οὐκ ἀκήκοα, ἀλλὰ τὴν δραχμιαίαν. οὔκουν οἶδα πῇ ποτε τὸ ἀληθὲς ἔχει περὶ τῶν τοιούτων].

'Tróia', O Filme: O Verdadeiro Guião - Excertos


Agamemnon’s Tent of Booty-Loot

AGAMEMNON: I am the King of Kings. PH34R!
ACHILLES: Yeah, the way you stormed that temple with fifty men and killed everyone by your lonesome was particularly impressive.
AGAMEMNON: STFU, NOOB. Oh, by the way, I took your temple babe.
Enter Greek soldiers struggling with a bruised and bloody Briseis. Alliteration is awesome!
ACHILLES: Give her back or I CUT YOU.
BRISEIS: Fuck you and the ships you sailed in on!
AGAMEMNON: *smirk*
EUDORUS: You realize that you could crack this guy’s head open like a walnut and be done with it, right?
ACHILLES: Yeah, but... then we wouldn’t have a movie. I fight for you again when Hades freezes over, assholes.

*

Some Rock Beside the Battlefield

EUDORUS: More popcorn, lord?
ACHILLES: Thanks, man.
PATROCLUS: But I wanna go fiiiiiiight!
ACHILLES: Shut up and drink your Slurpee, kid.
THE MYRMIDONS: *sit on the rock and watch the war*
ACHILLES: Huh. Look at that. All the Greeks are running right up to the city wall so the Trojan archers can shoot them down. How considerate of them.

O maravilho guião, na íntegra, aqui.

Thíasos no iTunes

A Universidade de Coimbra colabora agora com o iTunes U, a secção de podcasts académicos da loja da Mac. Encontrarão lá um canal do Thíasos/Festea, onde, por ora, podem achar vídeos da encenação do Agamémnon, de Ésquilo, por Lia Nunes (2007), e As Suplicantes, de Eurípides, por Carlos Jesus e Carla Braz (2006).

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Pop Classics

Um magnífico blogue sobre o aproveitamento de figuras e motivos clássicos na cultura popular actual, de Harry Potter a Matrix, passando por reviews de vários episódios das principais séries de TV de tema clássico (I Claudius, Rome, Xena, inter alia).

Ovídio em Braga

Mendigo com olhos de ouro dá a conhecer a boa literatura from umaCena on Vimeo.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Iniciacion a La Comédia Griega

Nos próximos dias 14 e 15 de Janeiro, decorrerá no espaço da biblioteca do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e no Teatro Paulo Quintela da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra um workshop intitulado "Iniciacion a La Comédia Griega" dirigido por Gemma López Martínez (licenciado em Filologia e membro da Unión de Actores) e José Luis Navarro (Doutor em Filologia Clássica). Apesar do workshop se dirigir essencialmente às comédias em cena/produção do grupo Thíasos, é oportuna a participação de todos aqueles que se interessem por comédia grega - haverá certificado de participação.

Sexta, dia 14
9h30
- Introducción a la Comedia Griega: orígenes, évolución y desarrollo
- Comedia y tragedia: analogías y diferencias
- Los textos cómicos: dificultades de la traducción: versiones y adaptaciones
- Humor verbal y humor gestual

11h00
- Aristófanes y la comedia Antigua: forma y contenido. Principales obras.

15h30
- Los personajes de la comedia aristofánica: el héroe cómico, el payaso, el esperpento y las caricaturas. Proyección y comentario escénico de escenas aristofánicas.

17h30
- El coro de la comedia aristofánica: el coro habla. el coro canta. el coro danza.
Energía vital y presencia escénica. Tipos de coros. Proyección y audición de fragmentos corales.

Sábado, dia 15
9h30
- La Comedia Nueva. Menandro y sus personajes. El papel del coro. Proyección y comentario escénico de escenas de comedias de Menandro.

11h00
- Menandro y la comedia latina. Plauto y Terencio: analogías y diferencias. Análisis de Hecyra. Sugerencias para la puesta en escena.