quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Fragmentos de Dois Discursos Amorosos

Traga escrita esta mensagem em toda a extensão da tabuinha: "Vem!"
e eu não tardarei a cingir de louro as minhas tabuinhas vitoriosas
e a colocá-las bem no meio do templo de Vénus;
e nelas hei-de escrever: "a Vénus, estas suas servas que tão fiéis lhe foram, Nasão
as dedica, apesar de, até há pouco, serem um reles pedaço de madeira".

[hoc habeat scriptum tota tabella 'veni!'
non ego victrices lauro redimire tabellas
nec Veneris media ponere in aede morer.
subscribam: 'VENERI FIDAS SIBI NASO MINISTRAS
DEDICAT, AT NUPER VILE FUISTIS ACER.']


Ovídio, Amores 1.11
Cotovia, Lisboa: 2006. (trad.: Carlos Ascenso André)

*

OBJECTOS: Todo o objecto tocado pelo corpo do ser amado torna-se parte desse mesmo corpo e o sujeito sente-se apaixonadamente atraído para ele.

1. Werther multiplica os gestos de fetichismo: beija o nó da fita que Carlota lhe dera nos anos, o bilhete que ela lhe manda (correndo o risco de ficar com areia nos lábios), as pistolas que ela tocou. Do ser amado sai uma força que nada pode deter e que impregna tudo em que ele toca, até mesmo com o olhar: se Werther, não podendo ir ver Carlota, lhe manda o criado, é este mesmo criado sobre quem ela poisou o olhar que se torna para Werther uma parte de Carlota («Eu bem teria gostado de segurar a cabeça dele entre as minhas mãos para o beijar, se não fosse o respeito humano»). Cada objecto assim consagrado (colocado no seio de Deus) assemelha-se à pedra de Bolonha que irradia, à noite, os raios que armazenou durante o dia.

Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, s.v. Objectos
Edições 70, Lisboa: 2006. (trad.: Isabel Pascoal)

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