Existe ainda o preconceito, nascido ou de se atender só às formas inferiores da arte, ou de se atender inferiormente a qualquer delas, de que a arte deve dar prazer ou alegria. Ninguém cuide esquecendo os grandes fins dela, que a arte suprema deve dar-lhe alegria, ou, ainda quando o satisfaça, satisfação. Se a arte ínfima tem por dever o entreter, se a média tem por mister o embelezar, elevar é o fim da suprema. Por isso toda arte superior é ao contrário das outras duas, profundamente triste. Elevar é desumanizar, e o homem se não sente feliz onde se não sente já homem. É certo que a grande arte é humana; o homem, porém, é mais humano que ela.
Ainda por outra via a grande arte nos entristece. Constantemente ela nos aponta a nossa imperfeição: já porque, parecendo-nos perfeita, se opõe ao que somos de imperfeitos; já porque, nem ela sendo perfeita, é o sinal maior da imperfeição que somos.
É por isto que os gregos, pais humanos da arte eram um povo infantil e triste. E a arte não é porventura mais em sua forma suprema, que a infância triste de um deus futuro, a desolação humana da imortalidade pressentida.
Fernando Pessoa. Na apresentação da revista Athena. Fonte.
Na imagem, Vergílio. Supomos nós instantes antes de decidir queimar a Eneida.
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