segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Aquiles e Pátroclo, sós




Afugenta-os dos navios; e volta pra trás. Então se te
Permitir ganhar honra o tonitruante esposo de Hera,
Não vás tu para longe de mim, sedento de fazeres a guerra
Aos troianos que a guerra adoram. Estarias a desonrar-me.
Nem te lances todo exultante com a guerra e a discórdia
A matar troianos, nem levando o combate às portas de Tróia,
Não vá do Olimpo um daqueles deuses que são eternamente
Precipitar-se. Ama-os muito, Apolo que dispara longe.
Volta atrás então pra aqui, e depois de um facho sobre os navios
Lançares, deixa aqueles que na planície ainda combatem.
Ai, quem me dera a mim, pelo meu Pai Zeus, ou, Atena, ou Apolo,
Que nenhum Troiano, de tantos quantos há, escapasse à morte,
Que nenhum Argivo— que só nós dois fugíssemos à desgraça,
E que sozinhos tomássemos a santa coroa de Tróia.

Ilíada. XVI.87-100. Tradução minha.

Isto é aquilo que Aquiles dita a Pátroclo antes de consentir que este parta com a sua armadura para iludir os Troianos, fazendo-os pensar que é o divino Aquiles que combate. Consente-o ao companheiro, mas com ordens estritas. Com a ordem, Aquiles respira aquele que será o seu último momento de prazer, a lufada de ar antes de mergulhar no oceano invisível da destruição. Ele atreve-se a ponderar a vitória total: aliás, a vitória mais que total, a supremacia individual ao nível mais extremo. Tróia cairá, ousa ele crer, mas também cairão os Gregos, os seus companheiros. Cairá tudo, cairá o mundo, para que o guerreiro possa triunfar com o seu companheiro, triunfar perante o Nada. Que ganha ele? Não ganhará honra, nem glória. Essas apenas os outros homens a podem conceder. E por quem será ele recompensado, se não há mais reis a dar presentes, se os ring-givers forem realmente aniquilados pelos deuses tal como Aquiles o pede?

Esta é a sua mais completa ilusão. Enumerando os sonhos mais selvagens de Aquiles neste passo, nem um só os deuses permitirão que seja. Pátroclo errará, e depois de incendiar as naus lançar-se-á sobre as muralhas da Sacrosancta Tróia. Combaterá Heitor, e será morto. O seu companheiro, aquele único que com ele restaria sobre as ruínas fumegantes de Ílion, dentro de horas será uma negra sombra. Mas nem ele, nem mesmo o divino Aquiles terá a possibilidade de ver Tróia a caír, de ver os deuses destruir Gregos e Troianos pela sua súplica. Da cruenta coroa de Príamo Aquiles conhecerá apenas as lágrimas.


ἐκ νηῶν ἐλάσας ἰέναι πάλιν: εἰ δέ κεν αὖ τοι
δώῃ κῦδος ἀρέσθαι ἐρίγδουπος πόσις Ἥρης,
μὴ σύ γ᾽ ἄνευθεν ἐμεῖο λιλαίεσθαι πολεμίζειν
Τρωσὶ φιλοπτολέμοισιν: ἀτιμότερον δέ με θήσεις:
μὴ δ᾽ ἐπαγαλλόμενος πολέμῳ καὶ δηϊοτῆτι
Τρῶας ἐναιρόμενος προτὶ Ἴλιον ἡγεμονεύειν,
μή τις ἀπ᾽ Οὐλύμποιο θεῶν αἰειγενετάων
ἐμβήῃ: μάλα τούς γε φιλεῖ ἑκάεργος Ἀπόλλων:
ἀλλὰ πάλιν τρωπᾶσθαι, ἐπὴν φάος ἐν νήεσσι
θήῃς, τοὺς δ᾽ ἔτ᾽ ἐᾶν πεδίον κάτα δηριάασθαι.
αἲ γὰρ Ζεῦ τε πάτερ καὶ Ἀθηναίη καὶ Ἄπολλον
μήτέ τις οὖν Τρώων θάνατον φύγοι ὅσσοι ἔασι,
μήτέ τις Ἀργείων, νῶϊν δ᾽ ἐκδῦμεν ὄλεθρον,
ὄφρ᾽ οἶοι Τροίης ἱερὰ κρήδεμνα λύωμεν.

Imagem:
Aquiles a Lamentar a Morte de Pátroclo, rejeitando o consolo de Thétis. 
George Dawe. 1803.

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