domingo, 9 de janeiro de 2011

Sobre a Superioridade e as Suas Causas

Mas quando o príncipe está com os exércitos e tem de governar a multidão dos soldados, então é de todo necessário não se preocupar com o nome de cruel, porque sem esse nome não se tem jamais exército unido e disposto a alguma operação. Entre as admiráveis acções de Aníbal, conta-se que, tendo um exército enorme, mescla de homens de uma infinidade de nações levados a combater em terra alheia, hamais aí surgiu alguma dissensão, nem entre eles, nem contra o príncipe, tanto na má como na sua boa fortuna. O que não pôde nascer de outra coisa senão da sua desumana crueldade, a qual, em conjunto com a sua infinita virtù, o fez sempre, aos olhos dos seus soldados, digno de veneração e terrível; e, sem ela, para fazer aquele efeito, as outras suas virtudes não bastavam. E os autores, pouco judiciosos nisto, admiram por um lado esta sua acção, por outro condenam o principal motivo dela.

[Ma quando el principe è con gli eserciti e ha in governo moltitudine di soldati, allora al tutto è necessario non si curare del nome di crudele: perché sanza questo nome non si tenne mai esercito unito né disposto ad alcuna fazione. Intra le mirabili azioni di Annibale si connumera questa, che avendo uno esercito grossissimo, misto di infinite generazioni di uomini, condotto a militare in terre aliene, non vi surgessi mai alcuna dissensione né infra loro né contro al principe, così nella cattiva come nella sua buona fortuna. Il che non poté nascere da altro che da quella sua inumana crudeltà, la quale insieme con infinite sua virtù lo fece sempre nel cospetto de’ suoi soldati venerando e terribile; e sanza quella, a fare quello effetto le altre sua virtù non li bastavano. E li scrittori in questo poco considerati, dall’una parte ammirano questa sua azione e dall’altra dannono la principale cagione di essa.]

Maquiavel, O Príncipe 17.4
Temas & Debates, Lisboa: 2008. (trad.: Diogo Pires Aurélio)

A última frase - «e os autores, pouco judiciosos nisto, admiram por um lado esta sua acção, por outro condenam o principal motivo dela» - fez-me sobremaneira lembrar estoutra:
One recognizes the superiority of the Greek man and the Renaissance man — but one would like to have them without the causes and conditions that made them possible.
Nietzsche, The Will To Power; frg. 882 (Nov. 1887 - Mar. 1888) na edição de Walter Kaufmann.
Vintage Books, New York: 1968. (trad.: Walter Kaufmann e R. J. Hollingdale).


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