quarta-feira, 16 de junho de 2010

One of those things

Tibério Júlio Alexandre era um Judeu originário de Alexandria, que terá nascido ca. 15 d.C. O seu pai, Alexandre Lísimaco, era um homem muito importante e influente dentro e fora da sua comunidade: entre outras responsabilidades, foi alabarca de Alexandria e procurador dos bens de Antónia, a mais nova das filhas de Marco António, no Oriente. O tio de Tibério era Fílon de Alexandria, importante escritor judaico, que constitui para nós um exemplo paradigmático da síntese entre a cultura judaica e helenística na Alexandria do primeiro século de Império Romano.
Era difícil Tibério exceder qualquer um destes seus dois familiares. Mas a verdade é que, quando Josefo nos fala de Alexandre, o identifica como sendo o pai de Tibério Júlio Alexandre, o que por si é sinal de que, ainda na Antiguidade, o filho veio a exceder o pai em notoriedade e importância.
E de facto assim foi. Tibério protagonizou uma ascensão meteórica. Depois de ter renunciado à religião dos seus ancestrais, muito provavelmente porque esta o impedia de aceder a cargos públicos na cidade de Alexandria, foi, entre outras coisas, governador da Judeia entre 46 e 48 d.C., governador do Egipto durante o principado de Nero e, mais para o fim da vida, prefeito do Pretório em Roma.
Tibério devia ser também um bom general. A imagem com que ficamos é que ele devia pertencer àquela casta de homens que são capazes de tomar a decisão mais difícil e mais cruel (por vezes até para eles próprios) no mais curto espaço de tempo, quando ela é ainda eficaz. Infelizmente, não raras vezes, para reprimir revoltas entre elementos do seu povo e elementos de outras comunidades teve de recorrer ao derramamento de sangue, por vezes revelando uma mão muito pesada. Este foi o caso em 66, altura em que era governador de Alexandria e do Egipto (o título, salvo erro, englobava esta distinção), e Judeus, Gregos e (muito provavelmente) Egípcios resolveram repetir os eventos da perseguição de 38, mas desta vez estando os Judeus armados, o que não sucedeu em 38. Além disso, Tibério era um governador com características muito diferentes das de Flaco, o governador que em 38 se revelou perfeitamente incapaz de lidar com a situação.
Tibério deu as suas instruções às legiões Romanas. Estas abriram caminho através das ruas do quarteirão Judaico, que estavam apinhadas de gente, e, quando encontraram resistência, reagiram com violência indiscriminada. Josefo avança com um número de cinquenta mil judeus mortos e termina o seu relato com a não muito agradável imagem de cidadãos Alexandrinos a terem de ser arrancados dos cadáveres dos Judeus seus inimigos (BJ 2. 494 - 98). (Digno de uma página da história de Bizâncio!)
Há pelo menos mais um evento tão amargo como este na carreira de Tibério Pode-se até pensar que deve ter sido uma espécie de punição do destino, ou algo assim.
No ano de 70, Tibério desempenhou o cargo de general de Tito. E aconteceu ser ele o general de Tito que comandou a destruição da Hierosolyma, de Jerusalém.
Às vezes divirto-me a imaginar se nesta ocasião Alexandre e Fílon ainda estariam vivos. Se estivessem, teriam uma idade muito avançada (Fílon pelo menos oitenta anos; Alexandre não faço ideia, porque não sei se era o irmão mais velho ou mais novo).
Se Alexandre de facto ainda estivesse vivo, como teria o filho explicado ao pai que, o Templo para cuja construção este contribuíra com tão vastas somas de dinheiro quando era ainda um homem na flor da idade, fora destruído às suas ordens?
Ainda que Josefo nos diga que Tibério votou em conjunto com Tito a favor da preservação do Templo (cf. Bellum Judaicum 6.242), a verdade é que primeiro votou para que este fosse destruído e ele foi de facto arrasado. One of those things, indeed.

3 comentários:

  1. Tu és a pessoa ideal para me responder: o que é que devo ler para saber mais sobre estas perseguições, a de 38 e a de 66? É que isto pode-me vir a ser bastante útil para um trabalho que vou ter de fazer lá para o próximo Outono (a continuação daquele artigo a propósito do qual te chateei da última vez). Eu consigo falar, a propósito do 'Ágora', de toda a história de Alexandria, só não falo da morte da Hipácia, que é o tema do filme. Eu não tenho emenda.

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  2. Como te disse da outra vez, não me chateias de todo, João. Há muitos manuais e bons. Eu destaco três. Se tiveres notícias de outros diz-me. Isto é interesseiro. Pode ser que eu o conheça e te possa dizer bem ou mal dele, ou pode ser que eu não o conheça e me seja útil. Um livro sucinto, que descreve bastante bem a conjuntura da Diáspora em Alexandria no tempo dos Ptolemeus e do Império Romano é o de Barclay, «Jews in the Mediterranean Diaspora» (University of California Press, 1996), outro livro a ter em conta é o de Louis H. Feldman, Jew and Gentile in the Ancient World: Attitudes and Interactions from Alexander to Justinian, Princeton University Press, New Jersey, 1996. Este, se a memória não me falha, é menos descritivo do que o de Barclay e mais analítico, também mais centrado no aspecto do encontro de culturas. É um livro cheio de boas inferências, que Feldman extrai a partir das evidências que tem. Mas, de todos, o que eu gosto mais é o de E. Mary Smallwood: The Jews under Roman Rule: From Pompey to Diocletian, A Study in Political Relations, Brill, Leiden, 1981. Acho este livro melhor que os outros, mas francamente mais caro . (O mais em conta, se a memória não me falha é o de Barclay). Os capítulos são também mais demorados de ler. Mas estou em crer que toda a literatura (sobre este assunto) que lhe sucedeu lhe deve alguma coisa. Emprestava-te qualquer um dos três mas preciso deles. Posso contudo, se me indicares, tirar fotocópias do que precisares, caso não haja na biblioteca aí em Coimbra. A Smallwood pelo menos deve haver. É um livro mesmo importante.

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  3. Acabei de procurar no catálogo online e Coimbra, aparentemente, não tem nenhum dos três. Já vi, porém, que na vossa Faculdade existe o da Smallwood e o da Feldman (a única coisa que Coimbra tem são precisamente dois livros dela sobre Josefo, judaísmo, Fílon e cristianismo). Obrigado pela tua disponibilidade imediata para me enviares material. Por ora, porém, não é necessário, obrigado. Como te digo, o trabalho é só para começar no Outono. Se perguntei é porque realmente me devo ir debruçar sobre a violência étnica em Alexandria, e um enquadramento histórico, neste caso, parece-me imperativo, dado a longa série de conflitos entre os vários grupos das cidades. Talvez até acabe por ir para casa da minha tia, em Paços de Arcos, e passo uns dois dias na biblioteca da FLUL, nessa altura. Se tal acontecer, não deixarei de avisar. Bem como se descobrir algum livro ainda sobre este assunto que tu não conheças (o que será complicado). Obrigado, mais uma vez!

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