segunda-feira, 14 de junho de 2010

Contra a Navalha de Occam - Versão XXX

Que o deus Jugatino intervenha na união do homem com a mulher — vá que não vá! Mas é preciso levar a noiva a casa — e lá temos o deus Domiduco; para lá a instalar, está o deus Domítio; para a fazer estar com o seu marido, junta-se a deusa Manturna. Para quê buscar mais? Tenha-se em consideração o pudor humano! Seja a concupiscência da carne e do sangue a levar a cabo o resto no recato do pudor. Para quê encher o quarto com uma caterva de deuses quando se retiram os paraninfos? E enchem o quarto, não para que o conhecimento da sua presença constitua uma garantia maior do pudor, mas para que a mulher, débil em razão de sexo, aterrada pela novidade, graças ao concurso deles perca a virgindade sem dificuldade: realmente, lá estão presentes a deusa Virginense, o deus-pai Súbigo, a deusa-mãe Prema, a deusa Pertunda e ainda Vénus e Priapo! Que vem a ser isto? Se era absolutamente necessário que os deuses ajudassem o varão em apuros, não bastaria um ou uma? Não bastaria apenas Vénus, pois que, diz-se, ela assim se chama porque sem violência (vis) nunca a mulher poderá deixar de ser virgem? Se nos homens há pudor que falta aos deuses, os esposos que acreditam na presença de tantos deuses de ambos os sexos, todos atentos ao acto conjugal, — não se sentirão possuídos de tal vergonha que o ardor do acto se vai apagando e vai aumentando a resistência à vergonha? Se, para desatar o cinto da donzela, lá está a deuses Virginense; se lá está o deus Súbigo para a submeter ao varão; se, para a obrigar, uma vez entregue, a deixar-se desflorar sem resistência, está lá a deusa Prema — que faz lá a deusa Pertunda? Que tenha vergonha! que se vá embora! que deixe ao marido alguma coisa para fazer! É altamente indecoroso que seja outro a cumprir uma tarefa que, como o seu nome indica, só a ele pertence.

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro VI, Cap. IX
Gulbenkian, Lisboa: 1991. (trad.: J. Dias Pereira)

[Cum mas et femina coniunguntur, adhibetur deus lugatinus; sit hoc ferendum. Sed domum est ducenda quae nubit; adhibetur et deus Domiducus; ut in domo sit, adhibetur deus Domitius; ut maneat cum uiro, additur dea Manturna. Quid ultra quaeritur? Parcatur humanae uerecundiae; peragat cetera concupiscentia carnis et sanguinis procurato secreto pudoris. Quid impletur cubiculum turba numinum, quando et paranymphi inde discedunt? Et ad hoc impletur, non ut eorum praesentia cogitata maior sit cura pudicitiae, sed ut feminae sexu infirmae, nouitate pauidae illis cooperantibus sine ulla difficultate uirginitas auferatur. Adest enim dea Virginensis et deus pater Subigus, et dea mater Prema et dea Pertunda, et Venus et Priapus. Quid est hoc? Si omnino laborantem in illo opere uirum ab diis adiuuari oportebat, non sufficeret aliquis unus aut aliqua una? Numquid Venus sola parum esset, quae ab hoc etiam dicitur nuncupata, quod sine ui femina uirgo esse non desinat? Si est ulla frons in hominibus, quae non est in numinibus, nonne, cum credunt coniugati tot deos utriusque sexus esse praesentes et huic operi instantes, ita pudore adficiuntur, ut et ille minus moueatur et illa plus reluctetur? Et certe si adest Virginensis dea, ut uirgini zona soluatur; si adest deus Subigus, ut uiro subigatur; si adest dea Prema, ut subacta, ne se commoueat, conprimatur: dea Pertunda ibi quid facit? Erubescat, eat foras; agat aliquid et maritus. Valde inhonestum est, ut, quod uocatur illa, impleat quisquam nisi ille.]

imagem: Polifemo e Galateia. Fresco de um quarto de Pompeia.
@ Gabinetto Segreto, Museo Archeologico Nazionale, Nápoles

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