bravo a essa tua dos poetas fora da república
deixa que te diga
essa tua é de amigo Banana
toda a gente o sabia
mas tiveste a necessidade de dizê-la tu
e então o caso muda de figura
há a república e há a poesia
ambas são a mesma coisa no fim
e metade-metade é zero-nada
bravo a hoje bravo
bravo a esta nossa da república fora da poesia
esta nossa é de amigo Banana
toda a gente o sabia
mas temos a necessidade de dizê-la nós
e então o caso muda de figura
dizê-la nós a quem? a nós
«entretanto» nada temos a dizer á república
ela dobra o outro Cabo da Boa Esperança
encontrar-nos-emos ou não e é tudo
«entretanto» nascem poetas e republicanos
sem ser possível só poetas ou só republicanos
nem ambos lado-a-lado
«entretanto» não será possível reconhecer irmãos senão vizinhos
o nosso espelho fragmentado
a combinação é diabólica ou divina
haver fora da república lugar de poetas
o mundo é de ambos
não é território mais território
isto é
não há o mundo da república mais o mundo dos poetas
poesia e república são a lua-nova uma da outra
não haveria mundo se não houvesse gente
e o mundo só cabe à-vez em cada pessoa
sem máquina registradora disto
senão pela própria pessoa ela-mesma
e foi então que um dia chegou a palavra vocação
a vez do mundo em cada pessoa
a coz da vez de cada um
a voz antes do falar
a voz da memória do antes de havermos nascido para a memória do «entretanto» da vez
o único poder que diz respeito a um mesmo
«vós sois deuses» (Cristo)
a única defesa de cada um à nascença, na circunstância e no extremo
tu-cá-tu-lá com a vocação é tudo o que se pede
e depois de ter chegado a palavra vocação vieram todas as outras
Vocação: a vez, o «entretanto», o agir
poetas e república o agir difere
agir é o que se pode
e também o que ainda não se pode
também o destronamento do impossível
o estanque deslocável cada vez mais para lá
Almada, Poemas
Assírio & Alvim, Lisboa: 2005.
Assírio & Alvim, Lisboa: 2005.
(Ce)lembram-se hoje os 40 anos da morte de Almada, um dos meus autores portugueses favoritos, um artista integral, um Leonardo luso e moderníssimo. Fica o poema à sua memória.
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