Agora falarei dos olhos de Ariadne.
Falarei dos teus olhos, pois de Ariadne
só talvez haja memória
entre as pernas de Teseu.
De Ariadne ou não, os olhos são azuis.
Azuis de um azul muito frágil,
como se ao fazer a cor uma criança
tivesse calculado mal a água.
É um azul diluído, o azul dos teus olhos,
diluído em duas ou três lágrimas
-uma delas minha, pelo menos uma,
as outras tuas, as outras de Ariadne.
Falarei destes olhos. Os de Ariadne,
deles deixarei que seja Teseu a falar.
Falarei desse azul que não vi em Creta,
pois passei a infância numa terra sem mar,
falarei desse azul que não vi em Naxos,
mas vi em Delfos onde, entre colunas,
passava os dias divinamente a fornicar,
indiferente ao oráculo de Apolo.
De resto, que deus grego não me aprovaria?
Que outra coisa se pode fazer na Grécia?
Ali podeis fornicar com toda a gente
- é clássico e barato -,
até com os coronéis.
Agora falarei dos olhos gregos de Ariadne,
que não são de Ariadne nem são gregos,
desses olhos que se fossem música
seriam a música de água dos oboés,
falarei apenas dos olhos do meu amor,
desses olhos de um azul tão azul
que são mesmo o azul dos olhos de Ariadne.
Ariadne, in "Obscuro Domínio"
Poesia Eugénio de Andrade, Modo de Ler, Rosto Editora, Abril 2011, pp.175-176.
(pelo aniversário do poeta, 19 de Janeiro de 1923)
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Outros labirintos
Etiquetas:
ariadne,
eugénio de andrade
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