sábado, 7 de janeiro de 2012

Aristóteles era um Idiota



Nesses seis meses recordara em muitos momentos a primeira sensação que lhe causara o rosto daquela mulher, visto ainda apenas em retrato; mesmo na impressão causada por um simples retrato, lembrava-se, havia alguma coisa de demasiado penoso. Aquele mês, na província, em que a via quase todos os dias, teve sobre ele um efeito terrível, a ponto de o príncipe arredar de si a própria lembrança desse período tão recente. No rosto daquela mulher havia sempre algo de atormentadopr para ele; na sua conversa com Rogójin, o príncipe interpretara essa sensação como sendo a de uma infinita compaixão, e era verdade: aquele rosto, logo a partir do retrato, produzia no seu coração todo o sofrimento da compaixão; e a marca de compaixão e sofrimento que aquela mulher deixara nele e que nunca abandonava o seu coração também agora o não largava. Oh, não, era ainda mais forte. Mas o príncipe não estava satisfeito com o que dissera a Rogójin; e só agora, no instante do aparecimento inesperado dela e através, talvez, de uma sensação espontânea, compreendia o que faltara nas palavras que dissera a Rogójin. Tinham faltado as palavras que pudessem exprimir o terror; sim, o terror! Estava a senti-lo agora, plenamente, neste instante; tinha a certeza, a absoluta certeza, de que esta mulher era louca, e tinha motivos seus, próprios, para pensar assim. Se, por exemplo, quem amasse uma mulher mais do que tudo no mundo, ou antegozasse a possibilidade desse amor, visse de repente essa mulher acorrentada atrás das grades a aser zurzida pelo cacete do guarda, teria sem dúvida uma sensação muito semelhante à que sentia agora o príncipe.

Dostoiévsky. O Idiota. Nina e Filipe Guerra (trad). Editorial Presença: Lisboa (2001)



A tragédia é a mímica dum agir sério, completo, e dum certo porte, e que pelas diversas partes em que vai aparecendo divide o seu doce falar. Não é porém narrando o que acontece, mas sim encenando-o, que ela se consegue servir da compaixão e do terror para chegar à purificação destas patetices paixões.

Aristóteles. Poética. 1449b24-28. Tradução minha.

ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης, ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις, δρώντων καὶ οὐ δι᾽ἀπαγγελίας, δι᾽ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν

Imagem aqui.

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