Nesses seis meses recordara em muitos momentos a primeira sensação que lhe causara o rosto daquela mulher, visto ainda apenas em retrato; mesmo na impressão causada por um simples retrato, lembrava-se, havia alguma coisa de demasiado penoso. Aquele mês, na província, em que a via quase todos os dias, teve sobre ele um efeito terrível, a ponto de o príncipe arredar de si a própria lembrança desse período tão recente. No rosto daquela mulher havia sempre algo de atormentadopr para ele; na sua conversa com Rogójin, o príncipe interpretara essa sensação como sendo a de uma infinita compaixão, e era verdade: aquele rosto, logo a partir do retrato, produzia no seu coração todo o sofrimento da compaixão; e a marca de compaixão e sofrimento que aquela mulher deixara nele e que nunca abandonava o seu coração também agora o não largava. Oh, não, era ainda mais forte. Mas o príncipe não estava satisfeito com o que dissera a Rogójin; e só agora, no instante do aparecimento inesperado dela e através, talvez, de uma sensação espontânea, compreendia o que faltara nas palavras que dissera a Rogójin. Tinham faltado as palavras que pudessem exprimir o terror; sim, o terror! Estava a senti-lo agora, plenamente, neste instante; tinha a certeza, a absoluta certeza, de que esta mulher era louca, e tinha motivos seus, próprios, para pensar assim. Se, por exemplo, quem amasse uma mulher mais do que tudo no mundo, ou antegozasse a possibilidade desse amor, visse de repente essa mulher acorrentada atrás das grades a aser zurzida pelo cacete do guarda, teria sem dúvida uma sensação muito semelhante à que sentia agora o príncipe.
Dostoiévsky. O Idiota. Nina e Filipe Guerra (trad). Editorial Presença: Lisboa (2001)
A tragédia é a mímica dum agir sério, completo, e dum certo porte, e que pelas diversas partes em que vai aparecendo divide o seu doce falar. Não é porém narrando o que acontece, mas sim encenando-o, que ela se consegue servir da compaixão e do terror para chegar à purificação destas patetices paixões.
Aristóteles. Poética. 1449b24-28. Tradução minha.
ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης, ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις, δρώντων καὶ οὐ δι᾽ἀπαγγελίας, δι᾽ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν
ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας καὶ τελείας μέγεθος ἐχούσης, ἡδυσμένῳ λόγῳ χωρὶς ἑκάστῳ τῶν εἰδῶν ἐν τοῖς μορίοις, δρώντων καὶ οὐ δι᾽ἀπαγγελίας, δι᾽ἐλέου καὶ φόβου περαίνουσα τὴν τῶν τοιούτων παθημάτων κάθαρσιν
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