terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Mas queremos nós ser imitadores dos Gregos?



«Se hoje dificilmente alguém exige já a imitação dos Gregos, tal não se deve ao facto de eles terem perdido o seu valor, mas porque a palavra imitação – em total oposição ao que ela significara em épocas frutíferas e já na Antiguidade quando, por exemplo, a arte era imitação da natureza – se concebe agora com excessiva facilidade como simples cópia, como reprodução fotográfica. Semelhante imitação desprovida de espírito e morta seria o contrário do verdadeiro seguimento dos Gregos; seria, com efeito, deter o movimento que os Gregos incutiram à vida espiritual da Europa.
Mas queremos nós em geral ser imitadores dos Gregos e, nesse sentido, europeus? E se queremos, porquê? Para responder a esta última pergunta, que é a mais difícil, não basta referir que somos europeus e que só podemos viver no interior da tradição europeia. Se é apenas com labor e contrafeitos que arrastamos connosco esta tradição como se fora uma cadeira pesada, melhor será deixá-la de lado. Mas se a pretensão de sermos novamente autónomos e originais não assentar numa nova missão divina, então apenas pode induzir a barbárie e à crueldade. Sem dúvida, existe uma piedade da alma, um amor, que os Gregos ainda não tinham conhecido, mas uma evolução de dois mil anos mostra que o anelo de justiça, da verdade e da beleza não precisa de ser uma tentação do demónio, que também isto – não é necessário sentir vergonha por tal confessar – é divino, e todo o que sentiu o horror perante a barbárie, que nos ameaça por todos os lados, se sentirá necessariamente impelido a reflectir sobre os primórdios da nossa civilização na Grécia. O ponto de orientação, porém, não é a «educação», a «humanidade», mas o eterno, que os Gregos descobriram, e que neles se manifestou.
Mas não deve assim surgir a impressão de que a imitação humana e divina dos Gregos se excluem mutuamente, como se tivéssemos estritamente de nos decidir por uma ou por outra, como se uma conviesse melhor a um povo, e a outra a outro. Para terminar, observe-se ainda o seguinte: Há um ponto em que devemos ater-nos à humanidade, embora não tenhamos os dotes para ser humanistas, o mínimo de humanidade para o qual não se requer nenhuma dotação particular, ou seja, a reverência perante o homem. O incondicionado que está sobre nós, a justiça sobretudo e a verdade, têm a propriedade fatal de, por vezes, nos levar a esquecer que o incondicionado por nós concebido não é de modo algum o incondicionado. Permite-nos, porém, agir como se pessoalmente fôssemos o incondicionado – e ai, então, dos nossos pobres congéneres! E a explosão é tanto mais violenta quanto maior é a fé com que os homens pretendem estar ao serviço do incondicionado; e a catástrofe é certa quando se crê unanimemente que determinadas instituições são a encarnação do incondicionado. Importa então recordar que cada homem tem a sua própria dignidade e a sua liberdade. Por conseguinte: uma certa urbanidade e condescendência e talvez, o sancte Erasme, um pouquinho da sua ironia!»


Bruno Snell, in A Descoberta do Espírito, Edições 70, 1992

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