quarta-feira, 23 de março de 2011

Excerto dos Programas do Ensino Liceal (1947)

(retirado sem pudor daqui).
Sem atribuir ao estudo do latim vantagens extremas a ponto de o tomar como base de todo o ensino, mas sem o reduzir também a uma simples disciplina especulativa que se mantenha no plano dos estudos liceais apenas por transigência com a nossa tradição humanística, o programa de latim considera o ensino desta língua com o valor real que principalmente lhe advém:
a) Do seu elevado poder formativo;
b) Do facto de ser um instrumento informativo de alto valor para a inteligência do nosso idioma;
c) De ser um auxiliar da disciplina de História, e imprescindível para o estudo do Direito.

Tem, pois, o ensino do latim como objectivos:
a) O desenvolvimento mental dos alunos;
b) O conhecimento elementar da língua em si e como meio de aquisição de outros conhecimentos.

Deverá o professor evitar os processos didácticos que possam tornar este ensino, de boa ginástica intelectual que é, num estudo árido, mecânico, despido de interesse; antes procurará seguir uma didáctica apropriada e intuitiva, pela qual mostre, naturalmente, ao aluno o poder da clara concisão que resulta da síntese casual, a perfeita naturalidade e precisão de sentido que deriva da prefixação, e até da sufixação, e a lógica das construções e ordenações latinas, que se prestam a sugestivos exercícios de raciocínio justamente adequados ao momento intelectual dos alunos do 3.º ciclo.

Não quer isto dizer que se menospreze ou descure o ensino gramatical. O aprendizado da gramática é indispensável; mas cumpre ensiná-la tendo em vista que constitui apenas um meio de exercitar as faculdades intelectuais dos alunos e de os levar a adquirir a posse da língua escrita.

São, assim, rigorosamente proscritos os métodos passivos. A intuição e a indução devem constituir os processos predominantes; a dedução só poderá utilizar-se quando a regra se houver estabelecido por via indutiva.

Não deverá submeter-se o método de ensino desta língua à didáctica do ensino da língua pátria ou à didáctica das línguas vivas estrangeiras. A uma índole linguística e a um objectivo diferentes terão de corresponder processos pedagógicos diferentes. Assim, e sem contradição com o que acima se diz, a memória tem de tomar um papel importante na fixação das formas flexionais.

Tem-se verificado, efectivamente, que é vantajosa a mecanização do conhecimento da declinações, da enunciação dos termos verbais e, dentro de razoáveis limites, da conjugação de verbos, designadamente dos regulares.

Em geral, porém, o ensino deverá basear-se nos textos e, desde os preliminares, partir de exercícios, orais e escritos, de versão e retroversão, nos quais os alunos colaborem, quer directamente, actuando ora uns ora outros na resolução desses exercícios, quer indirectamente, registando nos cadernos as construções e regras latinas, induzidas tanto nas versões como retroversões que na aula vão efectuando.

Por outro lado, a circunstância de ser este ciclo já de cultura especializada com destino a determinados cursos superiores justifica o emprego de processos de ensino em que a auto-educação e a autodisciplina podem desempenhar a principal função. Por isso, a acção do professor não poderá confinar-se exclusivamente ao trabalho escolar realizado nas aulas. O seu labor pedagógico consistirá principalmente em orientar, verificar, corrigir, ampliar, e aperfeiçoar o trabalho que os alunos tenham executado fora da sala de aula, depois de o ter preparado com elucidação minuciosa relativa à utilização de instrumentos e meios de execução de tarefas distribuídas, dos planos de acção que cada uma comporta e das dificuldades de maior monta que para cada caso hajam de se vencer. Não menosprezará o professor tudo quanto possa contribuir para animar a iniciativa e desperta o gosto pelo esforço a realizar.

Sem comentários:

Enviar um comentário