segunda-feira, 7 de março de 2011

Eventualmente sobre como não escrever um artigo

Já alguém disse que Sófocles foi um autor policial; e uma vez um crítico, que levava o seu sadismo a ponto de obrigar todo um auditório a ouvir de pé os versos de poetas falecidos recentemente, esse crítico disse-me que eu era um autor policial. Confidencialmente, ele disse-me isso. Assim, o Rei Édipo foi também marcado, e os seus velhos olhos sangrentos tiveram a sorte de não ver mais uma infâmia, a de classificarem a sua tragédia como um caso de suspense. A história do tirano Édipo, «luta entre parecer e ser», que põe o homem em arrebatado transe de confissão, não sem contudo exigir antes privar-se da luz para assim enfrentar a sua própria revelação - a tremenda tragédia da aparência tratada como uma fútil perseguição de amadores da deliquência! Porque se dizem coisas destas, porque não apontamos com valentia o cortejo da estupidez e o balandrau da violência!

Agustina Bessa-Luís, Embaixada a Calígula, Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira (fixação de texto), Guimarães, 2009

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