quinta-feira, 31 de março de 2011

Germânia, de Tácito


É sempre uma boa notícia quando mais obras clássicas são traduzidas para português, e eu pessoalmente ainda mais contente fico quando podem ser publicadas com a edição bilingue. Germania, sobre os modos e costumes dos povos "além-Rheno", é o título dum dos mais importantes livros do historiador romano Tácito, agora publicado pela Nova Vega. Aqui.

Somos Todos Aquiles

Tétis Chora Aquiles Morto, de Johann Füssli (1780)
Na verdade me disse a minha mãe, Tétis dos pés prateados,
que um dual destino me leva até ao termo da morte:
se seu aqui ficar a combater em torno da cidade de Tróia,
perece o meu regresso, mas terei um renome imorredouro;
porém se eu regressar a casa, para a amada terra pátria,
perece o meu renome glorioso, mas terei uma vida longa,
e o termo da morte não virá depressa ao meu encontro.

[μήτηρ γάρ τέ μέ φησι θεὰ Θέτις ἀργυρόπεζα
διχθαδίας κῆρας φερέμεν θανάτοιο τέλος δέ.
εἰ μέν κ᾽ αὖθι μένων Τρώων πόλιν ἀμφιμάχωμαι,
ὤλετο μέν μοι νόστος, ἀτὰρ κλέος ἄφθιτον ἔσται:
εἰ δέ κεν οἴκαδ᾽ ἵκωμι φίλην ἐς πατρίδα γαῖαν,
415ὤλετό μοι κλέος ἐσθλόν, ἐπὶ δηρὸν δέ μοι αἰὼν
ἔσσεται, οὐδέ κέ μ᾽ ὦκα τέλος θανάτοιο κιχείη.]

Ilíada 9.410-16
Cotovia, Lisboa: 2005. (trad.: Frederico Lourenço)

Nesse momento, os demiurgos da nossa geração, ao reflectirem (75c) sobre se o género que estavam para criar havia de ter uma vida mais longa e pior, se uma mais breve e melhor; e decidiram que, por todos os motivos, deviam preferir uma vida mais curta que fosse melhor a uma mais longa que seria mais trivial.

[νῦν δὲ τοῖς περὶ τὴν ἡμετέραν γένεσιν δημιουργοῖς, ἀναλογιζομένοις πότερον πολυχρονιώτερον χεῖρον ἢ βραχυχρονιώτερον βέλτιον ἀπεργάσαιντο γένος, συνέδοξεν τοῦ πλείονος βίου, φαυλοτέρου δέ, τὸν ἐλάττονα ἀμείνονα ὄντα παντὶ πάντως αἱρετέον.]

Platão, Timeu 75b-75c
Trad.: Rodolfo Lopes [dissertação de mestrado, disponível aqui]

Epitáphios



So lovely faire was Hero, Venus Nun,
As nature wept, thinking she was undone;
Because she tooke more from her than she left,

Tão bela e amorosa era Hero, a serva de Venus,
Que a Natureza plorou, pensando que chegava ao fim,
Porque dela levou consigo mais do que deixou.

Christopher Marlowe, Hero and Leander. 45-47. Tradução minha.



Ille hic est Raphael timuit quo sospiti vinci rerum magna parens et morienti mori.

aqui jaz Raphael — esse mesmo

a Grande Mãe do Mundo temeu
quando ele estava vivo
que ele a vencesse e teme
agora que ele morreu
também ela mesma morrer

Pietro Bembo. Epitáphio de Raphael, no seu cenotáfio em Sancta Maria ad Martyres (Panteão), em Roma. Tradução minha.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Φίλων Faz Ó-Ó

Agora já pode dormir descansado — e feliz.

Φίλων Abençoa A Sua Protégée

Fílon, miniatura de um codex grego do século IX com as obras de João Damasceno (MS gr. 923 fol.310v)

Φίλων Triste

Fílon, por André Thevet (1584)
foi à FNAC e descobriu que não tem nenhum livro seu traduzido em Portugal

terça-feira, 29 de março de 2011

In Memoriam

Este blogue falhou. Já no início deste mês, dia 8 de Março, faleceu Manuel de Oliveira Pulquério, um nome que talvez não diga muito a alguns dos leitores do blogue, mas que será sem dúvida conhecido dos alunos de Estudos Clássicos. Manuel de Oliveira Pulquério foi professor de Filologia Clássica primeiro em Coimbra, onde se doutorou, depois em Viseu, no pólo local da Universidade Católica. Foi vice-reitor da UC, responsável pela Faculdade de Letras da UCP, em Viseu, e director da revista Máthesis. Não será, porém, pelos cargos administrativos que ocupou que será lembrado, não obstante o trabalho que aí desenvolveu, mas sim pelo seu magistério na área das Clássicas. Especialista em Ésquilo, devemos-lhe a tradução portuguesa da Oresteia e dos Persas, mas não só: de Platão traduziu o Êutifron, a Apologia, o Críton e o Górgias. Co-traduziu o Íon de Eurípides e, num artigo recente (2001), verteu ainda alguns poemas de Safo. Começa lentamente a desaparecer a primeira grande geração de classicistas portugueses. Saibamos colher deles o exemplo e aprender a cuidar desta coisa tão preciosa, mas sempre tão frágil, que é o legado greco-romano.

A Ciência da Palavra - É Já Hoje

Dia 29 de Março de 2011, pelas 16.00 h, no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras, tem lugar a quinta conferência do Ciclo Comemorativo “Cem anos da Faculdade de Letras e a Reforma Republicana da Universidade”. Esta quinta conferência estará a cargo do Prof. Doutor José António Segurado Campos e subordina-se ao tema: “A Ciência da Palavra: Filologia Clássica”.



MLW


Quem é um filólogo fofinho, quem é?

Martin L. West.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Glosa da Nau Catrineta

Hécate ou As Três Parcas, de William Blake (1795)
Mote
Mais enxergo três meninas
debaixo de um laranjal,
uma na roca a fiar,
outra sentada a coser,
a mais fermosa de todas
está no meio a chorar.

Glosa
Somos as três irmãs mouras,
nosso pai anda no mar
e lá longe foi buscar
onde o ouro as terras doura
um anel para nos casar.
Mas um demónio que o tenta
faz passar por genuínas
as visões que lhe apresenta:
«Vejo aplacada a tormenta,
mais enxergo três meninas

Somos as três irmãs parcas
no falar e no folgar,
«Muito riso, pouco siso»,
quis nosso pai avisar
quando partiu com as barcas
nesse dia de improviso.
Seguiu dos ventos a rosa
espinhosa e fatal,
deixou-nos sós e ciosas
debaixo de um laranjal.

«Eu sou a irmã da roca
fio finos fios de hera,
quem meus finos fios toca
num ventre de mãe se gera
e num seio desemboca.
Fui eu quem fez o tecido
pra minha avó se encontrar
três vezes com seu marido,
duas rompi-o ao tear
uma na roca a fiar

«Eu sou a irmã que cerza
e tenho um metro que mede
o fio de alma que impede
o corpo de se perder.
Fui eu quem fez a bainha
dessa espada que levou
o meu pai para vencer
e três vezes me cortou,
duas a enfiar a linha,
outra sentada a coser

«Eu sou a irmã que carpe,
que tem nas mãos a tesoura,
e no alto dessa escarpa
nas terras que o ouro doura
sou tão bárbara quanto moura.

Fui eu quem cortou o fio
do mastro preso ao navio
do pai que me deu em bodas
ao demo a quem sugeriu
a mais fermosa de todas

Somos as irmãs que vêe,
com um só olho de auguro
que as nossas agulhas têm
o passado e o futuro,
os mundos que há sob o mundo
onde os mortos vão penar:
e o nosso pai, lá no fundo,
que quis o demo comprar
está no meio a chorar.

Margarida Vale de Gato, Resumo - A Poesia em 2010
Assírio & Alvim + FNAC, Lisboa: 2011.
(originalmente em Mulher ao Mar, Lisboa, Mariposa Azual)

Eddie Izzard sobre o Ablativo e a Septuaginta

E comédia que fala em tão diversos pontos como o antropomorfismo dos deuses antigos, a persistência dos casos gramaticais nas línguas clássicas, e a experiência da tradução da Septuaginta?



"Os Nibelungos", de Fritz Lang (1924) — Projecção & Debate


Dia 30 de Março, FLUL
9:15 (Sala 5.2)
Projecção do filme Os Nibelungos, de Fritz Lang

18:00 (Sala de Investigadores do Centro de Estudos Clássicos)
Conferência-debate: "The Myth of the Nibelungs in Fritz Lang’s movies", por Alessandro Zironi
(reputado germanísta, Professor Associado na Universidade de Bolonha)

Revelação e Aprendizagem nos Textos Greco-Latinos [actualizado]

Revelação e aprendizagem nos textos greco-latinos
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Anfiteatro III
7 a 8 de Abril


Quinta-feira, 7 de Abril 2011
9h00– Sessão de abertura | Preside o Reitor da Universidade de Lisboa

9h30 – 11h00 — Questões gerais: filosofia e história
Presidência de mesa: Philippe Mudry

Joël Thomas (Univ. Perpignan) - Platon et la théorie des systèmes?
Mireille Armisen-Marchetti (Univ. Toulouse 2) - L’accès à la sagesse selon Sénèque : apprentissage ou révélation?
Paul François (Univ. Toulouse 2) - Magistra uitae: l’histoire comme apprentissage et comme révélation

11h30–13h00 — Pedagogia cristã
Presidência de mesa : Lucio Cristante

Aires A. Nascimento (Univ. Lisboa) - Sapientia proposuit mensam (Prov. 9,1): révélation et partage
Marie-Odile Bruhat (Univ. Charles-de-Gaulle – Lille III) - Pédagogie divine, pédagogie humaine : l'exégèse pastorale d'Augustin à travers l'étude du Sermon 2 (Gn 22, 1-19)
Rodrigo Furtado (Univ. Lisboa) - Volusien et Augustin : la vérité révélée et la vérité apprise.

15h00–16h30 — Problemas de literatura : poesia, mitologia e retórica
Presidência de mesa : Paulo F. Alberto

Sébastien Barbara (Univ. Charles-de-Gaulle - Lille III) - Parole prophétique et simplicité didactique dans l'ode "Pastor cum traheret..." d'Horace (Carm., I, 15)
Lucio Cristante (Univ. Trieste) - Iugabo ludum. Sulla poetica didascalica di Marziano Capella
Marco Fernandelli (Univ. Trieste) - Natura, poesia, retorica: Lucr. I 265-297 e Rhet. Her. IV 59-61.

17h00–18h30
Presidência de mesa : Joël Thomas

José Pedro Serra (Univ. Lisboa) - Littérature et révélation
Ghislaine Jay-Robert (Univ. Perpignan) - Ulysse et Circé réinventés par Plutarque: d’un savoir divin à un savoir naturel
Françoise Toulze-Morisset (Univ. Charles-de-Gaulle - Lille III) - Révélation et apprentissage de la vérité dans l’Oedipe de Sénèque.


Sexta-feira, 8 de Abril 2011

9h30-11h00 — Medicina e ciências naturais
Presidência de mesa: Mireille Armisen-Marchetti

Philippe Mudry (Univ. Lausanne) - La médecine d'Asclépios ou le savoir révélé. Le témoignage d'Aelius Aristide
Valérie Naas (Univ. Paris IV-Sorbonne) - Révélation et apprentissage dans l’Histoire naturelle de Pline l’Ancien.
Inês de Ornellas e Castro (Univ. Nova de Lisboa) - Une question d'apprentissage: langage et connaissance dans le De medicina de Cassius Felix.

11h30 - Visita ao Palácio Marquês de Fronteira (only guests)

16h00 – Sessão de encerramento

Comissão Científica: Joël Thomas, Sébastien Barbara, Cristina Pimentel, Abel Pena
Comissão Organizadora: Cristina Pimentel, Abel Pena, Vanda Anastácio, Inês de Ornellas e Castro

Entrada Livre
Certificado de participação e Documentação: 5€
(inscrição até 4 de Abril)

Informações e Inscrições: centro.classicos@fl.ul.pt
Tel. 217920005

domingo, 27 de março de 2011

Sir Bernard Woolley sobre assuntos Gregos e Latinos





Os Olhos e As Formas, As Cores e Os Sabores

Tondo of an Attic white-ground kylix attributed to the Pistoxenos Painter (or the Berlin Painter, or Onesimos). From a tomb (probably that of a priest) in Delphi. Archaeological Museum of Delphi, Inv. 8140, room XII.
A Origem da Comédia lamenta só agora publicitar aqui o ciclo de sessões a decorrer no Instituto Justiça & Paz, Coimbra. Já houve uma na semana passada sobre vasos gregos. As nossas desculpas aos leitores. Seguem-se, do programa, aquelas mais de perto relacionadas com temas clássicos.

6 de Abril, 11:00 — Os olhos, as cores e as formas em O Burro de Ouro de Apuleio, por Delfim Leão
6 de Abril, 14:30 — Sabores dos mais antigos livros de culinária, por Carmen Leal Soares

27 de Abril, 11:00 — Os olhos na pintura grega, por Luísa Nazaré Ferreira

22 de Junho, 11:00 — Maria Helena Rocha Pereira [tema a indicar]

Há muito tempo na Grécia Antiga...






LOUVADA SEJA





AS ÁRVORES consteladas e seu convite
a notação musical dum outro mundo
a antiga crença de que existe sempre
aquilo que está perto e não se vê

a sombra que as inclina pra o lado da terra
certo tom de amarelo na sua lembrança
a sua antiga dança sobre os túmulos
o seu saber acima de todo o preço

Theodorakis passou para música o magistral poema do Nobel Odysseas Elytis, Axion Esti, Louvada Seja-- traduzido para português por Manuel Resende.

Não sobre a recepção de Homero



Há pouco saí de casa (coisa que não tenho feito muito), passo pela montra da Bertrand e dei com isto. Confesso que por momentos pensei que um bando de gráficos possuídos por um daimon tinham imaginado uma capa mesmo muito xpto para a Odisseia e rebaptizado o Homero com versão inglesa do nome tipo golpe publicitário.

Teologia de Aristóteles


A Teologia de Aristóteles. Tradução do árabe: Catarina Belo. INCM: 2010

O leitor poderá estranhar a publicação do volume acima. Afinal de contas, no elenco das obras completas de Aristóteles não aparece qualquer referência a uma 'Teologia', parecendo até de certa forma desapropriado aos temas a que ele se refere normalemente; esperaríamos que aquilo que Aristóteles tivesse dito finalmente sobre theologia encontrássemos naqueles livros da Metaphýsica que conduzirão à postulação do pensamento que se pensa a si próprio, o nous noeseos, o motor imóvel.

Quem assim pensar pensará com muita correcção: que se saiba, Aristóteles não terá escrito qualquer tratado Peri tes Theologias, sendo que a existência do mostrado livro se deve à louvável política da equipa de edição das Obras Completas de Aristóteles de tornar possível ao público português não só um estudo de Aristóteles como também do Aristotelianismo. E este último não se pode de todo confundir com o estudo do pensamento do filósofo per se:

O presente livro é inserido na corrente filosófica neo-platónica, mais concretamente falando, é compilado por algum editor anónimo a partir da obra-prima dum dos maiores filósofos da Antiguidade as Enéades de Plotino e a certa altura, devido ao elevado prestígio de Aristóteles, foi-lhe atribuído, e passou a ser estudado como obra tão aristotélica como qualquer outra. Como é óbvio isto causou interpretações da metaphýsica e da theologia aristotélicas em muitos pontos diferentes daquelas que hoje nos sentimos autorizados a fazer: basta dizer que a tradição árabe clássica a partir de Alfarabi, transladando-se até ao Renascimento Latino, consideraram a Teologia como um livro chave para todo o pensamento antigo, muito embora este se insira no processo de pensamento neo-platónico que já por si cunha muito da theologia cristã, via Santo Agostinho et alii.

Assim dizendo, louvamos e agradecemos não apenas às Obras Completas de Aristóteles mas também à INCM não só a publicação da Teologia de Aristóteles mas também a iluminada política de edição que permite que livros como estes nos fiquem disponíveis.

Retórica e Narrativa - Colóquio Internacional

 
programa aqui.

sábado, 26 de março de 2011

Porque Isto Não Precisa de Razão

...e o último vídeo que postámos com isto já não se encontra acessível.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Biblioteca de Pessoa

A Casa Fernando Pessoa disponibilizou recentemente o catálogo das obras da biblioteca privada do poeta. No site, é possível inclusive ver página a página muitos dos livros, alguns com apontamentos de Pessoa. Eis alguns títulos ligados às Clássicas que encontrei na lista:
  1. An investigation of the trinity of Plato and of Philo Judaeus (este é para a Tatiana)
  2. Ilíada, em edição francesa.
  3. Ilíada, agora em tradução inglesa.
  4. Outra tradução da Ilíada.
  5. The Hittites and their language.
  6. The hittites.
  7. As Heroides e os Amores, na edição da Loeb. 
  8. History of ancient philosophy.
  9. The Greek genius and its meaning to us  
  10. The Greek orators. 
  11. Antologia Palatina, na edição da Loeb. 
  12. Os poetas bucólicos gregos, na edição da Loeb. 
  13. O Burro de Ouro, na Loeb (Pessoa apoia edições bilingues!).
  14. Feminism in greek literature.
  15. Fábulas de Esopo, em latim.
  16. Apologia, de Tertuliano. 
  17. The World of Greece & Rome.
  18. As obras de Juliano, na edição da Loeb.
  19. o Eurípides da Loeb.
  20. Sófocles em tradução francesa.
  21. Ésquilo, numa tradução francesa da mesma série. 
  22. mais padres da Igreja: Clemente de Alexandria.
  23. o Séneca trágico da Loeb.
  24. Petrónio, também da Loeb.
  25. Rome.
  26. Rome from the earliest times to the end of the Republic. 
  27. A República, de Platão.
  28. manual de latim.
  29. A practical introduction to Latin prose composition.
  30. Plato and Aristotle.
  31. Odisseia, em tradução francesa.
  32. Odisseia, agora em inglês.
  33. Píndaro na Loeb.
  34. Myths of Greece and Rome.
  35. Ésquilo em inglês.
  36. Language and character of the Roman people.
  37. Juvenal e Pérsio, da Loeb.    
  38. Marco Aurélio, seguido do De Amicitia do Cícero.
É uma bela colecção, mesmo se saltam à vista algumas falhas (espantosamente pouco Platão e só um tratado menor do Cícero, por exemplo). A lista acima, porém, não pretende ser exaustiva, mesmo se está perto disso.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Velho Principiante

A minha aprendizagem, como poeta, foi lenta e dolorosa: obriga-me à constante reescrita do poema.
E pisei, talvez, apenas o primeiro degrau, igual ao de Eumenes*, na escada que se impõe subir para alcançar
uma escultura de som, que, inacabada, dansa no sôpro.
O acabamento só a Deus pertence e não tem corpo.

António Barahona, Resumo - A Poesia em 2010
Assírio & Alvim + FNAC, Lisboa: 2011.
(originalmente na Criatura 5)

*Oferece-se recompensa a quem me souber elucidar: a que episódio se refere o poeta?

Relógios Para Classicistas

Alguns são bem parolos. Mas outros até têm piada. Ver aqui.

quarta-feira, 23 de março de 2011

What Else?

Excerto dos Programas do Ensino Liceal (1947)

(retirado sem pudor daqui).
Sem atribuir ao estudo do latim vantagens extremas a ponto de o tomar como base de todo o ensino, mas sem o reduzir também a uma simples disciplina especulativa que se mantenha no plano dos estudos liceais apenas por transigência com a nossa tradição humanística, o programa de latim considera o ensino desta língua com o valor real que principalmente lhe advém:
a) Do seu elevado poder formativo;
b) Do facto de ser um instrumento informativo de alto valor para a inteligência do nosso idioma;
c) De ser um auxiliar da disciplina de História, e imprescindível para o estudo do Direito.

Tem, pois, o ensino do latim como objectivos:
a) O desenvolvimento mental dos alunos;
b) O conhecimento elementar da língua em si e como meio de aquisição de outros conhecimentos.

Deverá o professor evitar os processos didácticos que possam tornar este ensino, de boa ginástica intelectual que é, num estudo árido, mecânico, despido de interesse; antes procurará seguir uma didáctica apropriada e intuitiva, pela qual mostre, naturalmente, ao aluno o poder da clara concisão que resulta da síntese casual, a perfeita naturalidade e precisão de sentido que deriva da prefixação, e até da sufixação, e a lógica das construções e ordenações latinas, que se prestam a sugestivos exercícios de raciocínio justamente adequados ao momento intelectual dos alunos do 3.º ciclo.

Não quer isto dizer que se menospreze ou descure o ensino gramatical. O aprendizado da gramática é indispensável; mas cumpre ensiná-la tendo em vista que constitui apenas um meio de exercitar as faculdades intelectuais dos alunos e de os levar a adquirir a posse da língua escrita.

São, assim, rigorosamente proscritos os métodos passivos. A intuição e a indução devem constituir os processos predominantes; a dedução só poderá utilizar-se quando a regra se houver estabelecido por via indutiva.

Não deverá submeter-se o método de ensino desta língua à didáctica do ensino da língua pátria ou à didáctica das línguas vivas estrangeiras. A uma índole linguística e a um objectivo diferentes terão de corresponder processos pedagógicos diferentes. Assim, e sem contradição com o que acima se diz, a memória tem de tomar um papel importante na fixação das formas flexionais.

Tem-se verificado, efectivamente, que é vantajosa a mecanização do conhecimento da declinações, da enunciação dos termos verbais e, dentro de razoáveis limites, da conjugação de verbos, designadamente dos regulares.

Em geral, porém, o ensino deverá basear-se nos textos e, desde os preliminares, partir de exercícios, orais e escritos, de versão e retroversão, nos quais os alunos colaborem, quer directamente, actuando ora uns ora outros na resolução desses exercícios, quer indirectamente, registando nos cadernos as construções e regras latinas, induzidas tanto nas versões como retroversões que na aula vão efectuando.

Por outro lado, a circunstância de ser este ciclo já de cultura especializada com destino a determinados cursos superiores justifica o emprego de processos de ensino em que a auto-educação e a autodisciplina podem desempenhar a principal função. Por isso, a acção do professor não poderá confinar-se exclusivamente ao trabalho escolar realizado nas aulas. O seu labor pedagógico consistirá principalmente em orientar, verificar, corrigir, ampliar, e aperfeiçoar o trabalho que os alunos tenham executado fora da sala de aula, depois de o ter preparado com elucidação minuciosa relativa à utilização de instrumentos e meios de execução de tarefas distribuídas, dos planos de acção que cada uma comporta e das dificuldades de maior monta que para cada caso hajam de se vencer. Não menosprezará o professor tudo quanto possa contribuir para animar a iniciativa e desperta o gosto pelo esforço a realizar.

Augusto, um epicurista



Convivae! Tetricas hodie secludite Curas!
Ne maculent niveum nubila corda diem!
Omnia sollicitae pellantur murmura mentis,
Ut vacet indomitum pectus amicitiae.
Non semper gaudere licet: fugit hora! Iocemur!
Difficile est Fatis subripuisse diem.

convivas, ao menos por hoje escondam as terríveis incertezas
que vão manchando o nosso dia de medos nebulosos.
reprimam o vosso espírito se ele começar a sussurrar, seja o que for,
até que se abra espaço no vosso coração para um pouco de amizade.
nem sempre é possível estar feliz, as horas vão desmaiando. é bom,
mas é tão difícil conseguir aguentar o dia ao abrigo do destino.

Poema atribuído ao imperador Augusto.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Fatalidade

"Foi o caso que um homenzinho, recém-aparecido na cidade, veio à casa do Meu Amigo, por questão de vida e morte, pedir providências. Meu Amigo sendo de vasto saber e pensar, poeta, professor, ex-sargento de cavalaria e delegado de polícia. Por tudo, talvez, costumava afirmar: _ 'A vida de um ser humano, é impossível. O que vemos, é apenas milagre; salvo melhor raciocínio.'  Meu amigo sendo fatalista.

Na data e hora, estava-se em seu fundo de quintal, exercitando ao alvo, com carabinas e revólveres, revezadamente. Meu Amigo, a bom seguro que, no mundo, ninguém, jamais, atirou quanto ele tão bem -no agudo da pontaria e rapidez em sacar arma; gastava nisso, por dia, caixas de balas. Estava justamente especulando: _ 'Só quem entendia de tudo eram os gregos. A vida tem poucas possibilidades.' Fatalista como uma louça, o Meu Amigo."

ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p.101.

Mulheres de Atenas

Por sugestão desta senhora.

Dia Mundial da Poesia

in heavenly realms of hellas dwelt
two very different sons of zeus:
one, handsome strong and born to dare
--a fighter to his eyelashes--
the other,cunning ugly lame;
but as you'll shortly comprehend
a marvellous artificer

now Ugly was the husband of
(as happens every now and then
upon a merely human plane)
someone completely beautiful;
and Beautiful,who(truth to sing)
could never quite tell right from wrong,
took brother Fearless by the eyes
and did the deed of joy with him

then Cunning forged a web so subtle
air is comparatively crude;
an indestructible occult
supersnare of resistless metal:
and(stealing toward the blissful pair)
skilfully wafted over them-
selves this implacable unthing

next,our illustrious scientist
petitions the celestial host
to scrutinize his handiwork:
they(summoned by that savage yell
from shining realms of regions dark)
laugh long at Beautiful and Brave
--wildly who rage,vainly who strive;
and being finally released
flee one another like the pest

thus did immortal jealousy
quell divine generosity,
thus reason vanquished instinct and
matter became the slave of mind;
thus virtue triumphed over vice
and beauty bowed to ugliness
and logic thwarted life:and thus--
but look around you,friends and foes

my tragic tale concludes herewith:
soldier, beware of mrs smith

e. e. cummings, xix poemas, Assírio & Alvim, 1998

domingo, 20 de março de 2011

A Eneida De C. S. Lewis

The author C. S. Lewis loved reading his translation of Virgil's epic poem the Aeneid to fellow Oxford-based writers, including JRR Tolkien, at the Inklings, the famous informal literary discussion group they both frequented. The translation was believed to have been lost in a bonfire in 1964, a year after the author's death. Now, nearly 50 years later, it has resurfaced. The work was apparently rescued by Lewis's former secretary, Walter Hooper, 79. The complete translation is to be published in the book CS Lewis's Lost Aeneid, which is out next month. 

ler mais aqui.

Operation Odyssey Dawn

ἦμος δ᾽ ἠριγένεια φάνη ῥοδοδάκτυλος Ἠώς...
Quando surgiu a que cedo desponta, a Aurora de róseos dedos...

Odisseia 9.152 (trad.: Frederico Lourenço)

sábado, 19 de março de 2011

Memorando, Estando No Delta Do Danúbio

J.M.W. Turner, Ovid Banished from Rome (1838)
Descemos o Danúbio num velho barco a motor
ruidoso, que espantava as aves silvestres das margens.
Fechei os olhos, com o frio da primavera dácia, e ao abri-los
um imenso voo planava sobre o barco, depois voltou a terra.
O desterrado Ovídio mandara-me aquela ave
para me lembrar Alcíone por amor transformada.
Vi-o, perto, no exílio, a olhar com amor o mar,
e vi-me a mim, de bruços na amurada, fitar a água;
depois, mais duas aves cruzaram o horizonte.

Fiama, Âmago - Antologia
Assírio & Alvim, Lisboa: 2010.
(originalmente em Epístolas e Memorandos, de 1996).

10 x 3 Graças

"Not even the gods arrange dances or feasts without the holy Graces, who oversee everything that is done in heaven; with their thrones set beside Pythian Apollo of the golden bow, they worship the everlasting honor of the Olympian father. Lady Aglaia, and Euphrosyne, lover of dance and song, daughters of the strongest god, listen now; and you, Thalia, passionate for dance and song, having looked with favor on this victory procession, stepping lightly in honor of gracious fortune. [...]

Pindar, Olympian 14, 5ss. In: Odes. Pindar. Diane Svarlien. 1990.


 THE THREE KHARITES | THE GRACES, Fresco, Imperial Roman IV Style,
Pompeii, House of Titus Dentatus Panthera, ca 65 -79 AD,
Museo Archeologico Nazionale di Napoli, Naples, Italy.
Sandro Boticelli, Primavera (detalhe), 1482, têmpera sobre painel.
 
Rafaello Sanzio, The Three Graces, 1504-6, óleo sobre madeira.
Hans Baldung, The Three Graces, 1520, óleo sobre madeira.
Peter Paul Rubens, The Three Graces, 1636-8, óleo sobre tela.
Pablo Picasso, The Three Graces, 1925, óleo sobre tela.
Jenó Medveczky, Three Graces, 1934, óleo sobre tela.
Man Ray, The Three Graces, 1969, litografia.
Charles Williams, The Three Graces, s/d, óleo sobre tela.
Niki de Saint Phalle, 1999, Le Trois Grâces, instalação, New York Avenue.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Juro Solenemente

There is no act more political in nature than making an oath of citizenship to a nation. On Tuesday, Melissa Gold, a Pagan living in Canada did just that. Like many new Canadian citizens, she did so with her hand resting on a book containing stories, poems, and hymns sacred to her religion. What makes this event extraordinary, and possibly a first in North America, is that the book wasn’t a Bible, a Torah, or a Koran – it was a text containing Hesiod and Homer [a edição antiga da Loeb, para sermos exactos, com a Teogonia, os Trabalhos & Dias e os Hinos Homéricos].

entrevista com a senhora aqui.

Juntemo-nos

A este site. As possibilidades que ele oferece parecem ser interessantes.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Canto de Orfeu

Pendurou no salgueiro a cítara,
caminhou diante dos seus passos,
sendo depois punido pelos Anjos.
Caminhou sempre para o futuro
mesmo olhando para trás na memória
e por esse futuro foi punido
pois levaria consigo a imagem viva.
Não era Eurídice aquela que o seguia
mas a sua face figurada
pelos olhos de Orfeu ainda capazes
de criar o modelo e a imagem.
Depois da morte ela ainda vivia
pronta para o prender em espelhos dúplices
e ele que amava nela o corpo, a alma,
o suor, o aroma, a linha dos dedos,
levou-a, para sempre ascendida
ao Tempo do Espaço depois do futuro.
Foi punido por Anjos ciosos
da sua ciência da Origem,
enquanto outros Anjos doces coroavam
aquele Filho que também levara
na memória dos olhos a figura
da Mãe, que todos os filhos levam em si.
Um terrível canto de lamento humano
depois soou: «Che faró senza Euridice?»,
com o som das vogais mais dolorosas.
Mas o sábio Orfeu deixou a lira
somente ser tocada pelo vento
quando o canto perseguia a imagem.

Fiama, Âmago - Antologia
Assírio & Alvim, Lisboa: 2010.
(originalmente em Cantos do Canto, de 1995).

quarta-feira, 16 de março de 2011

A Economia Romana, De Acordo Com O Distributismo

Auto-retrato de Chesterton, com o lema distributista.
Uma análise distributista* da história da economia romana, com uma apologia dos Gracos.

*Essentially, distributism distinguishes itself by its distribution of property (not to be confused with redistribution of capital that would be carried out by most socialist plans of governance). While socialism allows no individuals to own productive property (it all being under state, community, or workers' control), distributism itself seeks to ensure that most people will become owners of productive property. As Belloc stated, the distributive state (that is, the state which has implemented distributism) contains "an agglomeration of families of varying wealth, but by far the greater number of owners of the means of production." This broader distribution does not extend to all property, but only to productive property; that is, that property which produces wealth, namely, the things needed for man to survive. It includes land, tools, etc. [retirado daqui]

terça-feira, 15 de março de 2011

O Grego, Língua Universal de Cultura: Semântica e Léxico - Jornada

O GREGO, LÍNGUA UNIVERSAL DE
CULTURA: SEMÂNTICA E LÉXICO
Jornada no âmbito do projecto Lexicon*:
Dicionário de Grego-Português
29 de Março de 2011
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Sala 5.2

10:00 – Abertura
10:15 – Anne Thompson Coleman (Universidade de Cambridge, UK), «The Cambridge Greek Lexicon Project: A general survey and the innovations in lexicography introduced»
11:00 – Cristina Abranches Guerreiro (Universidade de Lisboa), «O Dicionário de Grego-Português e o Público»
11:30 – Intervalo

12:00 – José Pedro Moreira (Universidade de Lisboa), «Agamémnon de Ésquilo: ekpatios (50), dêmioplêthês (129), autotokos (137), histotribês (1443) – um contributo para o Projecto Lexicon: Dicionário de Grego-Português»
12:30 – Maria Celina Fernandes (Universidade de Lisboa), «A Physis no De Iosepho de Fílon de Alexandria»
13:00 – Almoço

15:00 – Jesús Peláez (Universidade de Córdoba, Espanha), «El Diccionario Griego-Español del Nuevo Testamento. Metodologia y Princípios Básicos»
15:30 – Maria José Mendes e Sousa (Universidade de Lisboa), «Expressões e Termos Escatológicos nos Aforismos de Hipócrates»
16:00 – Manuel Alexandre Júnior (Universidade de Lisboa),«Lexemas em Contexto: Rigor Semântico em Lexicografia»
16:45 - Encerramento

*O projecto, Lexicon – Dicionário de Grego-Português, nasceu da necessidade sentida de um dicionário que seja realmente útil a estudantes e estudiosos da língua, literatura e cultura gregas. Com a qualidade e rigor possíveis, visa servir as exigências de quantos compulsam a língua no exercício do seu labor escolar e académico de leitura, tradução e interpretação; não só para buscar o sentido do vocabulário mais comum, mas também para clarificar o significado mais profundo da terminologia técnica e científica nas diversas as áreas do saber.
Perante a urgente necessidade da publicação de um dicionário de grego-português, cuja estrutura, relevância e abrangência de conteúdos concorram para preencher a lacuna existente, tem sido intenção desta equipa produzir um dicionário que se não confine a significados, mas compreenda também a atestada evidência necessária à simplificação da tarefa de leitura e compreensão dos textos.
De harmonia com os padrões das ciências lexicográfica e linguística, pretende-se com este projecto prosseguir na construção de uma base de dados que reúna o imenso caudal vocabular da língua grega, incluindo nomes próprios, geográficos, históricos, mitológicos e biográficos; e também formas menos regulares de palavras, nomeadamente os verbos irregulares ou de conjugação menos fácil. Produzir, enfim, um instrumento de trabalho que represente fielmente o corpus dos autores mais representativos da literatura grega, alargada também aos autores cristãos, aos papiros e à terminologia científica, médica, filosófica e técnica.

domingo, 13 de março de 2011

Er

Por fora do coração voa a asa
negra do melro. O mesmo que
vive na minha vida. O que tem
um assobio tranquilo e eterno.
Segue-me com o seu amor ocul
to. Une o olhar do solo raso
ao olhar sobre a altura. Muda
e depois é igual. Por vezes ve
mo-nos nas brenhas junto ao mar.
Noutro tempo foi numa aresta verde.

Vem da viagem de Ulisses. Um
cantor. Nas figueiras de Ogygia
cantando. Sobre um fio da er
va. Oiço-o com a mesma penetra
ção com que já foi ouvido na
Natureza. Por Er. Além os
pequenos pardais negam-no.
Não os contemplo. Todos os anos
estou atenta. Este poema
afirma e recorda. Esta ave
chama por mim como eu.

Fiama, Âmago - Antologia
Assírio & Alvim, Lisboa: 2010.
(originalmente em Âmago I (Nova Arte), de 1982).

sábado, 12 de março de 2011

Tudo se dionisava


"... o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco ..."
Friedrich Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, 1, trad. de J. Guinsburg.

Natalie Portman como cisne branco e cisne negro no filme Black Swan.

"Tudo se dionisava ... nada era estático."
πᾶν δὲ συνεβάκχευ ... οὐδὲν δ᾿ἦν ἀκίνητον
Eurípedes, As Bacantes, 725, trad. de Trajano Vieira.

A bailarina-bacante segura uma pena do seu delírio.

"Visto que Dioniso é a contradição que exprime o mistério da vida inseparável da morte, ele aparece como o deus da loucura, que regurgita da vida tornada abissal por obra da morte e que infringe todas as barreiras. Dioniso é, pois, o revelador do mundo da loucura que existe na realidade das coisas."
Mario Untersteiner

Eles conhecem os deuses gregos e falam latim

sexta-feira, 11 de março de 2011

Poesia Hebraica §3

Mas, se vós não me escutardes e deixardes de cumprir todos estes mandamentos, se desprezardes os meus decretos, se o vosso espírito rejeitar os meus preceitos, chegando ao ponto de não cumprirdes mais os meus mandamentos e de violar a minha aliança, então eis aqui o que vos farei: enviarei contra vós o terror, a fraqueza e a febre, que enfraquecem os olhos e consomem a vida; semeareis em vão a vossa semente, e os vossos frutos. Voltarei o meu rosto contra vós e sereis derrotados pelos vossos inimigos; os que vos odeiam dominar-vos-ão, e fugireis sem que ninguém vos persiga.

E, se apesar disto não me escutardes, vou continuar a castigar-vos sete vezes mais pelos vossos pecados. Quebrantarei o vosso orgulhosos poder, tornarei duro o vosso céu como o ferro e a vossa terra como o bronze. As vossas forças se consumirão em vão, a vossa terra não dará os seus produtos e as árvores não darão os seus frutos.

Se procederdes hostilmente para comigo e se não quiserdes escutar-me, castigar-vos-ei sete vezes mais, conforme os vossos pecados. Soltarei os animais ferozes sobre vós, e eles privar-vos-ão dos vosso filhos, exterminarão o vosso gado, dizimar-vos-ão e os vossos caminhos ficarão desertos.

Se mesmo assim não aceitais a minha correcção, mas pelo contrário continuardes a hostilizar-me, também Eu procederi hostilmente contra vós e punir-vos-ei sete vezes mais pelos vossos pecados. Farei vir contra vós a espada vingadora dos direitos da minha aliança, e refugiar-vos-eis nas vossas cidades. Depois lançarei a peste no meio de vós e ficareis à mercê do inimigo. E, além disso, privar-vos-ei do pão, de modo que dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno e ser-vos-á distribuído por peso; comê-lo-eis, mas não ficareis saciados.

Se, apesar destas coisas, não me escutais e vos portardes hostilmente para comigo, também Eu me portarei hostilmente para convosco cheio de furor e castigar-vos-ei sete vezes mais pelos vossos pecados. Devorareis a carne dos vossos filhos e a carne das vossas filhas. Destruirei os vossos lugares altos, derrubarei os vossos altares portáteis e amontoarei os vossos cadáveres sobre os cadáveres dos vossos ídolos; e o meu espírito repelir-vos-á. Transformarei as vossas cidades em ruínas, devastarei os vossos santuários e não terie de respirar mais o odor dos vossos sacrifícios. Depois, Eu mesmo devastarei esta terra, de tal modo que os vossos inimigos, ao ocuparem-na, ficarão estupefactos. Dispersar-vos-ei entre as nações, perseguir-vos-ei à espada; a vossa terra ficará desolada e as vossas cidades ficarão em ruínas.

Então, a terra gozará do seu descanso sabático, durante o tempo da sua desolação; e vós estareis na terra dos vossos inimigos. É então que a terra poderá gozar do descanso dos seus anos sabáticos. Descansará durante todo o tempo em que estiver desolada pelo descanso que não teve nos vossos anos sabáticos, quando a habitáveis.

Quanto aos vossos sobreviventes, dar-lhes-ei tanta angústia na terra dos seus inimigos, que o simples ruído de uma folha ao cair os porá em fuga, pensando que alguém os persegue à espada. E cairão, sem ninguém os perseguir. Tropeçarão e cairão uns sobre os outros, como quando se foge da espada, mesmo sem ninguém os perseguir. Não podereis resistir aos vossos inimigos; perecereis entre as nações e a terra dos vossos inimigos devorar-vos-á. Os que sobreviverem, dentre vós, consumir-se-ão por causa da sua iniquidade, no país dos vossos inimigos, e também se consumirão por causa das iniquidades dos seus pais. Depois, confessarão a sua iniquidade e a dos seus pais, as trangressões que cometeram contra mim e a sua hostilidade para comigo. Por isso, eu também os tratarei hostimente, deportando-os para o país dos seus inimigos; então o seu coração infiel se humilhará e expiarão a sua iniquidade.

*

Recordar-me-ei, então, da minha aliança com Jacob; recordar-me-ei da minha aliança com Isaac, da minha aliança com Abraão, e também me recordarei deste país. Então a terra abandonada e desolada pelos habitantes recuperará os seus sábados e eles próprios repararão a sua iniquidade, porque desprezaram os meus preceitos e rejeitaram os meus decretos. Mesmo assim, quando estiverem no país dos seus inimigos, não os abandonarei nem rejeitarei ao ponto de os aniquilar e de invalidar a minha aliança para com eles, porque Eu sou o Senhor, sou Deus. Recordar-me-ei a seu favor da aliança feita com os seus antepassados, que fiz sair da terra do Egipto, à vista das nações, para ser o seu Deus, Eu, o Senhor.

Lv 26.14-45, retirado da Nova Bíblia dos Capuchinhos.
Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima: 1998. (trad.: Herculano Alves).

Jornada: Fílon de Alexandria nas Origens da Cultura Ocidental

24 de Março de 2011 . SALA 2.13 . 10:00-17:00

Esta Jornada realiza-se no âmbito do Projecto “Fílon de Alexandria na Origens da Cultura Ocidental”; projecto que visa estudar e traduzir a obra deste grande pensador do Judaísmo helenístico, bem como a recepção da mesma na Patrística cristã.
Justamente reconhecido o principal representante da filosofia greco-judaica, Fílon
situa-se na encruzilhada de três grandes civilizações da antiguidade: a judaica, a grega e a cristã; ele que foi oriundo de uma das mais nobres e prósperas famílias judaicas da diáspora, e um dos mais ilustres filhos da capital da cultura helenística. A sua vida situa-se entre 20 a.C. e 50 d.C. A sua obra é imensa e dela nos chegaram cinquenta tratados.
Traduzir a obra de Fílon em Português é uma dívida cultural que temos para com a lusofonia e a própria história. Mas os objectivos deste projecto não se esgotam na tradução. A abertura de horizontes deste grande pensador do Judaísmo helenístico, a sua visão sobre o mundo e a vida, a forma como veio a influenciar de modo extraordinariamente marcante o fenómeno dessa feliz convergência de culturas, o próprio fluir do Platonismo Médio e do Neoplatonismo, o pensamento teológico e filosófico da Patrística Cristã e também a exegese bíblica com a sua alegorese na época medieval, representam para nós um filão inesgotável e verdadeiramente desafiador a explorar.

PROGRAMA

10:00 – Abertura

10:15 – Sara J. K. Pearce (Universidade de Southampton, UK), Philo on Jewish Law and Jewish Community
11:00 – Tatiana Faia (Universidade de Lisboa), Embaixada a Calígula: Uma Evocação de Fílon de Alexandria por Agustina Bessa-Luís

11:30 – Intervalo

12:00 – Rui de Oliveira Duarte (Universidade de Lisboa), Logos Endiathetos e Logos Prophorikos na Cristologia Patrística

13:00 – Almoço

15:00 – Cesar Motta Rios (Universidade de Belo Horizonte, Brasil), Exílio, Diáspora e Saudades de Jerusalém: Estudo em Jeremias 29:1-14 e Fílon de Alexandria
15:30 – Maria Fernandes (Universidade de Lisboa), O Profetismo no De Iosepho de Fílon de Alexandria
16:00 – Manuel Alexandre Júnior (Universidade de Lisboa), Fílon de Alexandria na Interpretação das Escrituras

16:45 – Encerramento

quinta-feira, 10 de março de 2011

Dizer Avis (Ave)

Seriam os nomes ver-se-iam assim árvores
toda a paisagem a sua implantação: eis
mais uma vez árvores (já floriram já antes
emurcheceram) são chamadas: cyparissus, silvas,
símbolos. Assim não permanecem, não germinam
antes de palavras — sendo a abelha (o nome apis)
que as fecunda: disse-se o léxico óvulo a semente
a terra (a terra) os séculos as línguas mortas estas
novas palavras. É neste fio que o insecto segue
o seu percurso (vivo) sobre o nome apis aracne teia
ou o favo a bordadura de árvores ou o núcleo
(das mesmas) que formam o bosque
a zona florestal as suas leis defesos.
E conforme as aves voam (rémiges) dizer avis
(ave).

Fiama, Âmago - Antologia
Assírio & Alvim, Lisboa: 2010.
(originalmente em (Este) Rosto, de 1970).

quarta-feira, 9 de março de 2011

Der Vorleser

Triunfo de Rómulo Sobre Arco [detalhe], de Ingres (1812), @ Louvre, Paris.
(roubado a amigos, aqui)
Já tinha acontecido há uns anos, e até já contei algumas vezes. Na altura estava na praia a ler um volume de contos de Dostoiévski (tinha muito mais graça se fosse o "Crime e Castigo", mas não era), e umas miúdas que teriam uns 4 ou 5 anos interromperam a brincadeira e vieram pedir-me que lhes lesse "essa história". Embasbaquei uns segundos, mas lá me decidi, e pus-me a ler Dostoiévski às miúdas. Ao fim de menos de um minuto já elas voltavam à brincadeira, e eu calei-me, para prosseguir a "minha" leitura. Elas, no entanto, voltaram-se ao mesmo tempo, e berraram "continua" (ou "não pares", não me lembro bem).

Ontem não era Dostoiévski, mas a Vida de Rómulo, de Plutarco. O Manuel (4 anos), que até então estava entretido ao colo da mãe, pediu-me que lhe lesse "essa história". Eu obedeci, e durante alguns minutos lá lhe li as malfeitorias do fundador de Roma. Passado um pouco, quis ir ouvir pela enésima vez o "Pedro e o Lobo", do Prokófiev, mas às tantas, salvo erro quando o gato perseguia o passarinho, pediu-me para lhe ler de novo "a história do Rómulo".

Como nem me parece que as miúdas entendessem a prosa russa oitocentista, nem que o Manuel seja muito sensível à historiografia grega do séc. I d.C., a única moral que posso tirar daqui é que se calhar ando a perder tempo quando tento escolher com o máximo rigor os livros infantis para oferecer aos miúdos. Parece que lhes interessa sobretudo ouvir, não importa o quê.

Cidadãos romanos

En la escena más famosa de La vida de Brian, el jefe de los revolucionarios pregunta en voz alta durante una arenga en contra de los ocupantes: "¿Qué han hecho los romanos por nosotros?". Ante lo que una voz tímida responde: "El acueducto". "El alcantarillado", agrega otro. "¿Os acordáis de cómo olía esto antes?". "Las carreteras, la irrigación, la enseñanza, los baños públicos, la ley y el orden, el vino" se van sumando. Y el revolucionario sentencia: "De acuerdo, pero aparte del acueducto, el alcantarillado, las carreteras, la irrigación, el vino, la enseñanza, el orden público, las carreteras... ¿Qué han hecho los romanos por nosotros?". En realidad, todos somos ciudadanos romanos: la influencia que ha tenido el Imperio sobre nuestras vidas, desde la lengua hasta el derecho o la organización social, es inmensa.
Continuar a ler aqui.

CINEMYTHOLOGY



Site de um festival que tratou da restropectiva dos mitos gregos no cinema mundial do século XX. Há neste sítio uma boa lista de filmes, com seus dados técnicos e breves apresentações e análises críticas das películas, tais como Lulu/Pandora's Box, Daphnis and Chloe, Phaedra, Iphigenia, Antigone, Electra, Medea, dentre outros. 

terça-feira, 8 de março de 2011

Problemas de um Classicista de um País Pobre

Filodemo, filósofo epicurista do século I a.C., escreveu um tratado intitulado Acerca da Piedade (Περί ευσεβείας), que nos chegou num dos rolos carbonizados da villa dos papiros de Herculano (todas as suas obras que possuímos vêm daí: antes conhecíamos apenas uma mão-cheia de poemas preservados na Antologia Palatina). A primeira reconstrução do texto devêmo-la a Theodor Gomperz, em 1866. Em 1996, Dirk Obbink, o classicista actualmente à frente de Oxirrinco, publicou uma nova edição do tratado de Filodemo, que, como está bom de ver, ultrapassa, a todos os níveis, a anterior (a review da BMCR não teme afirmar que a edição de Obbink «deserves to be numbered among the greatest philological achievements of our generation»).

Querendo citar um passo do Acerca da Piedade num trabalho agora em mãos, procurei o livro na biblioteca do Instituto de Estudos Clássicos de Coimbra: não o encontrei. A base de dados do catálogo da FLUL também não acusou nada. Resolvi ir à amazon ver o preço: se relativamente acessível, talvez ainda o comprasse, um pouco por gula intelectual. No fim de contas, precisava tão-só do livro para encontrar o equivalente, na numeração de Obbink, de uma passagem cuja referência eu já tinha, mas na edição de Gomperz, que não queria usar, por estar agora superada. Desisti da ideia quando vi o preço da obra: £155 (182€/250$). Falamos apenas, note-se, do primeiro volume de um conjunto de dois (o segundo tarda em sair).

Quem vai comprar um livro a este preço? Unicamente especialistas na área e bibliotecas universitárias. O comprador comum (professor ou estudante) não é, claramente, o público a que se destina a edição (e não me digam para esperar pelo paperback, porque não o imagino muito mais acessível). Sei que estamos perante um volume grosso: setecentas páginas. Sei que este é o resultado de um labor exigente e do mais alto calibre, do melhor que, na área, foi feito nos últimos tempos: a edição crítica de Obbink é o produto de anos de trabalho violento. Justifica-se, porém, cobrar 182€ por ela (melhor dizendo: pela primeira parte)?  Não me serve de consolo dizerem-me que as bibliotecas compram, pois está provado que não o fazem — e eis que, sendo o livro necessário, falta.

Ao contrário, porém, do que seria talvez expectável, não me venho aqui, uma vez mais, queixar, com base agora neste exemplo, das graves limitações da biblioteca de Coimbra ou de Lisboa, que conheço pior. Pretendo antes chamar a atenção para um movimento em curso que me assusta, por ir resultar na exclusão do circuito académico de uma série de instituições, contribuindo para o reforço de outras, já actualmente muito poderosas. Ao praticarem preços tão elevados, as editoras de referência (como a Oxford, a Cambridge, a Brill ou a De Gruyter) impedem as universidades de países mais pobres de adquirir materiais porventura importantes. Parece-me que todo o bom centro de estudos clássicos deveria possuir as últimas edições críticas dos textos antigos e as novas publicações dos grandes nomes da área (sai em Março um livro de West sobre a Ilíada). Junte-se-lhe uma boa amostra da produção mais recente nas áreas principais de investigação: estudos homéricos, lírica arcaica, teatro, estudos platónicos, direito romano, cristianismo primitivo, roma arcaica et al. Quando o preço médio de cada livro ronda os 50-100€, torna-se difícil cumprir com estes requisitos simples.

Este é um problema sério. A proprina máxima é de coisa de 1000€: isso dá para uns escassos vinte livros, com boa-vontade, e é supor que o dinheiro é canalizado para isso, o que é obviamente falso (é possível que, dado o reduzido número de alunos em Clássicas, nós nem paguemos na íntegra o salário de um mês de todos os nossos professores juntos). A não ser que queiramos seguir a receita inglesa, e passar a ter propinas de £9000, não me parece que, no final do mês, sobre muito dinheiro à universidade para investir em livros. Mesmo os centros de investigação, que recebem, ao que me dizem, bom dinheiro, não deixarão de o usar, porém (e é justo), para adquirir o material mais necessário aos projectos de investigação em curso, atendendo aos pedidos dos bolseiros e professores. Como os classicistas, entre nós, não são uma espécie abundante, não é possível, como nos grandes países, ter um especialista em cada assunto, que zele por que a biblioteca tenha os mais recentes e importantes livros nessa mesma área. Pelo contrário: as nossas bibliotecas vão-se enchendo ao sabor dos projectos em desenvolvimento. Em Coimbra temos agora uma boa colecção de edições críticas e traduções de Plutarco; continua a faltar, porém, um livro crítico que seja sobre as Sátiras de Juvenal (temos apenas um comentário independente à décima).

Este post, porém, não serve tanto, insisto, para criticar a pobreza das nossas bibliotecas mas sim para as defender: aos preços do mercado, mesmo esperando pelas edições em paperback, como pode uma universidade de um país pobre manter um nível que ultrapasse o simples razoável? A verdade é que a prática de preços abusivos nos livros académicos obriga quem queira ir mais longe a inevitavelmente, a um dado momento, ir, ou pelo menos visitar, uma das grandes universidades, da liga de topo. Estou plenamente ciente de que nem todas as universidades podem ser Oxford ou Cambridge, mas essas (e os seus amigos) não têm de ser as únicas universidades no mundo capazes de oferecer boas condições de trabalho a investigadores sérios e exigentes. A internet já consegue reduzir, em parte, o gap, com todos os materiais disponíveis online (ainda no outro dia consultava no Internet Archive uma revista de filologia alemã do início do século XX), mas a Rede não é a mala da mary poppins: não está lá tudo.

Dito isto, receio seriamente o agravamento futuro da actual oligarquia académica. Claro que, pelo menos em abstracto, foi um erro multiplicar as universidades, em vez de concentrar recursos num número pequeno de grandes centros (digamos: Porto, Lisboa, Coimbra), mas isso, por si só, não justifica a pequenez das nossas bibliotecas. A política das grandes editoras anglófonas não é inevitável: vejam-se os preços praticados em Itália, que tem uma Academia fascinante. Francamente, devíamos protestar, mas que poder temos nós? No fim, todos vamos ter de pedir a um amigo que dê um salto a Oxford ou a Paris para nos tirar fotocópia daquele livro que precisamos, mas não temos cá. A verdade é que todos queremos ler o novo livro do West, e as nossas bibliotecas vão acabar por desembolsar os $140 para o comprar. A verdade é que eu quero a edição crítica do Obbink — mas ninguém me a vai comprar.