segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lembra-te do Século XX



Quando Catilina viu reunidos aqueles que eu há pouco mencionei, achou útil repetir ao conjunto aqueles apelos e exortações que já antes dirigira a cada um em particular; retirou-se para a parte interior da sua casa e lá, longe de testemunhas, falou-lhes deste modo:

"Se eu nunca tivesse sido testemunha da vossa virtude e fidelidade, esta oportunidade teria sido esbanjada; o poder desta grande esperança estaria em vão nas nossas mãos; e eu, indolente e desenganado, não haveria de estar a trocar incertezas por certezas. Mas como ao longo de muitas e grandes provas fiquei a saber como vós sois bravos e como me sois fiéis, ousei do fundo do meu coração lançar-me neste feito belo e enorme, também porque compreendi que para vós aquilo que é bom, também o  é para mim; pois o mesmo querer e o mesmo não querer, isso sim é amizade firme. Aquilo que eu revolvia no meu íntimo, já todos ouvistes em separado. Mas o que é mais, a minha coragem arde cada vez mais com o passar dos dias quando penso na vida que nos espera se não ousarmos nós mesmos vindicar a nossa própria liberdade: há muito que o Estado se transformou no poder e no direito de uns poucos potentados, para os quais reis, tetrarcas, povos, nações nada são a não ser pagadores de taxas e listas de impostos; todos os outros, vigorosos, bons, bem-nascidos ou desconhecidos, nos transformámos em plebe, sem poder nem autoridade, submissos àqueles a quem aterrorizaríamos, se o Estado lhes prevalecesse. Donde se segue que todas as graças, poder, honras, e riquezas estejam com eles ou onde eles queiram; a nós deixam perigos, desprezo, acusações, pobreza. Até quando é que sofreremos assim, meus valentes? Não é melhor morrer em nome da virtude do que ir largando sem honra uma vida mísera e desonesta, onde sois motivo de troça para a supérbia de outros?


É esta a verdade, pela minha fé nos deuses e nos homens, a vitória está nas nossas mãos! Estamos na idade madura, o nosso peito arde, enquanto que eles estão podres devido a vidas inteiras passadas no luxo. Nada é mais necessário que começar, tudo o resto se seguirá. Que ser humano de inteligência viril é capaz de tolerar que eles superem todos com as suas riquezas nascidas de construir sobre o mar e em arrasar montanhas, enquanto que a nós até os meios para superar as mais básicas necessidades nos faltam? Ou tolerar que eles construam casas de muitos andares, e nós não termos um espacinho sequer para o altar da casa? Quando eles comprem quadros, estátuas, e relevos, mandem abaixo o que é velho, voltem a construir de outra maneira, e tentem de todas as maneiras possíveis arrastar ou dominar o eu próprio dinheiro, mas para nunca por fim superarem o seu inmensurável desejo de novas riquezas? Enquanto que a nós nada nos espera nas nossas casas a não ser pobreza; fora de casa, dívidas, desgraças, e uma expectativa desconsolada: o que é que nos resta a não ser uma alma miserável? Porque é que então não acordamos? Ali está ela, aquela que sempre desejastes, a liberdade, e além dela riquezas, glória, poder estão perante os nossos olhos; a fortuna tudo isso decretou como prémio para os vencedores. Esta situação, este tempo, estas incertezas, esta pobreza, os despojos magníficos desta guerra impelem-vos mais do que os meus discursos. Aceitai-me como vosso general e soldado! Nem a minha coragem nem o meu corpo vos faltará. Espero levar a cabo tudo isto convosco enquanto cônsul, a não ser claro que a minha coragem me traia, e que vós estejais mais prontos a servir do que a mandar."



Catilina ubi eos, quos paulo ante memoravi, convenisse videt, tametsi cum singulis multa saepe egerat, tamen in rem fore credens univorsos appellare et cohortari in abditam partem aedium secedit atque ibi omnibus arbitris procul amotis orationem huiusce modi habuit:

"Ni virtus fidesque vostra spectata mihi forent, nequiquam opportuna res cecidisset; spes magna, dominatio in manibus frustra fuissent, neque ego per ignaviam aut vana ingenia incerta pro certis captarem. "Sed quia multis et magnis tempestatibus vos cognovi fortis fidosque mihi, eo animus ausus est maxumum atque pulcherrumum facinus incipere, simul quia vobis eadem, quae mihi, bona malaque esse intellexi; nam idem velle atque idem nolle, ea demum firma amicitia est. Sed ego quae mente agitavi, omnes iam antea divorsi audistis. Ceterum mihi in dies magis animus accenditur, cum considero, quae condicio vitae futura sit, nisi nosmet ipsi vindicamus in libertatem. Nam postquam res publica in paucorum potentium ius atque dicionem concessit, semper illis reges, tetrarchae vectigales esse, populi, nationes stipendia pendere; ceteri omnes, strenui, boni, nobiles atque ignobiles, vulgus fuimus, sine gratia, sine auctoritate, iis obnoxii, quibus, si res publica valeret, formidini essemus. Itaque omnis gratia, potentia, honos, divitiae apud illos sunt aut ubi illi volunt; nobis reliquere pericula, repulsas, iudicia, egestatem. Quae quousque tandem patiemini, o fortissumi viri? Nonne emori per virtutem praestat quam vitam miseram atque inhonestam, ubi alienae superbiae ludibrio fueris, per dedecus amittere? 

Verum enim vero, pro deum atque hominum fidem, victoria in manu nobis est: viget aetas, animus valet; contra illis annis atque divitiis omnia consenuerunt. Tantum modo incepto opus est, cetera res expediet. Etenim quis mortalium, cui virile ingenium est, tolerare potest illis divitias superare, quas profundant in exstruendo mari et montibus coaequandis, nobis rem familiarem etiam ad necessaria deesse? Illos binas aut amplius domos continuare, nobis larem familiarem nusquam ullum esse? Cum tabulas, signa, toreumata emunt, nova diruunt, alia aedificant, postremo omnibus modis pecuniam trahunt, vexant, tamen summa lubidine divitias suas vincere nequeunt. At nobis est domi inopia, foris aes alienum, mala res, spes multo asperior: denique quid reliqui habemus praeter miseram animam?

"Quin igitur expergiscimini? En illa, illa, quam saepe optastis, libertas, praeterea divitiae, decus, gloria in oculis sita sunt; fortuna omnia ea victoribus praemia posuit. Res, tempus, pericula, egestas, belli spolia magnifica magis quam oratio mea vos hortantur. Vel imperatore vel milite me utimini! Neque animus neque corpus a vobis aberit. Haec ipsa, ut spero, vobiscum una consul agam, nisi forte me animus fallit et vos servire magis quam imperare parati estis."

Salústio. Bellum Catilinae. 20. Tradução minha.

Sem comentários:

Enviar um comentário