quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Thomas Hobbes, Liberdade, e Tito Lívio

Like every other book, Hobbes’ book is about other books. And I think the key to seeing how to get at this question is to look at the very beginning Leviathan, by which I mean the epistle dedicatory, in which Hobbes says to Godolphin that his book attempts to pass unwounded between two sides, one of which he says is concerned with too much liberty, and one of which is concerned with too much authority. And I think in trying to identify the intellectual opponents whom of course Hobbes never identifies by name in this book, it’s helpful to bear exactly that in mind. What does he mean when he talks about too much liberty? Well, one of the major intellectual contexts here is one which Hobbes does obliquely talk about in Chapter 21 called ‘Of the Liberty of Subjects’, because he says there that most destructive force – and it’s an extraordinary thing to say – in all of England in his lifetime has been the reading of the classics, and he thinks that a study, especially of the Roman classics and above all of the historians, and he must be thinking here of Livy’s discourses, he thinks that by reading these classics, as he says people have come to think that they have rights against their sovereigns and that this has left Europe awash with blood, so that as he says ‘nothing has been more dearly purchased than a knowledge of the classical tongues’. That’s an almost blasphemous remark because of course the dearest purchase was meant to be Christ’s life, but he is saying no, Livy’s history, that’s done all the damage. Well what is the damage that Livy’s history does, and Hobbes does actually in Chapter 21, tell us it says that there’s something called a ‘free state’, that’s to say a state which is independent both of any other states, and of any dependence on particular groups of its own subjects. So if it’s independent of any particular groups it must be a democracy, because it must be ruled by the people as a whole.

And secondly, we learn from the classical historians, that you yourself can only be free in a free state, because if freedom is contrasted with dependence, then the only form of state in which you will not be dependent on some other source of power, is one in which you equally are ruling with everyone else. So the doctrines that Hobbes opposes, as he says in Chapter 21, are the view that we are only free in democracies and in the monarchy we are all slaves, as he says, and that there is something which we can call a free state. Now Hobbes’ analysis of freedom in Chapter 21 seems to me designed to overcome that entire classical republican analysis which he also satirises when he talks about the citizens of Lucar, who have written the word Libertas in great characters upon the turrets of their city at this day, and he goes on to say, ‘but they have no more freedom than in Constantinople’, that’s to say under the most absolute sovereign that Hobbes had any knowledge of. And why is that? Well, because freedom is simply absence of obstruction to your behaviour, it’s nothing to do with democracy, it’s nothing to do with independence, all of this is a misunderstanding of freedom.

Quentin SkinnerAqui. 3ª aula.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Do testamento poético de Safo e Alceu


«Um célebre vaso grego conservado em Munique guarda para a posteridade a imagem, gravada por mãos anónimas, dos dois poetas aqui reunidos: Safo e Alceu. De rosto inclinado e uma lira na mão esquerda, parece estar a render homenagem àquela que, num epigrama atribuído a Platão, é considerada a décima musa. A atitude reverente, a tradição recolhida, por Aristóteles na Retórica, e o retrato que de Safo nos legou Alceu têm servido para alimentar a convicção de que este nutriu por aquela um secreto (se não mesmo confessado, mas repudiado) amor. Para ter-se como verdadeira, a suposição carece de melhor prova. Naturais de Lesbos, ilha grega do mar Egeu, famosa a diversos títulos, vivendo nos finais do século VII a.C. e pertencendo ambos a famílias nobres de Mitilene, a capital da ilha, Safo e Alceu são, juntamente com Anacreonte, os representantes, na Grécia Antiga, da chamada lírica monódica, por oposição ao lirismo coral, sobretudo representado por Píndaro.

Relativamente vasta, segundo testemunhos chegados até nós, a obra dos dois poetas só pode hoje ser avaliada através de fragmentos, geralmente de reduzida extensão. Obscuros agentes operaram no texto de ambos, ao longo dos séculos, particularmente no período cristão da literatura grega, mutilações já agora impossíveis de suprir, mau grado as tentativas de restauração (compreensíveis ou louváveis, mas de resultados sempre duvidosos) a que têm sido submetidos alguns dos referidos fragmentos, especialmente de Safo.

O envolvimento e o perfume que de tais fragmentos se desprende são bastante diversos, num e noutro dos poetas. Alceu é o cidadão empenhado nos acontecimentos políticos que agitam a sua época. O seu temperamento arrebatado leva-o a participar activamente nas lutas travadas entre a aristocracia da sua ilha natal e os tiranos impostos pela plebe. Sofreu o exílio, regressou à pátria quando o tirano Pítaco renunciou ao poder, comemorou numa ode (frag. n.º8) a morte do tirano Mírsilo, combateu contra os Atenienses pela posse de Sigeu. Cantou, enfim, o amor e o vinho, «remédio dos males».

É outro o mundo de Safo. « A sua casa», informam J. Hubert e H. Berguin, « era uma espécie de academia para as raparigas; o canto a dança, o manejo da lira, a leitura dos poetas constituíam o programa». E acrescentam: «A inspiração de Safo está concentrada no seu círculo de raparigas e na sua vida íntima. Nenhum eco das lutas políticas». O amor (e suas adjacências: a saudade, o ciúme…) ocupa na poesia de Safo um lugar dominante.

Seja qual for o entendimento que se tenha (Camões: «E entendei que, segundo o amor tiverdes, /Tereis o entendimento de meus versos») da natureza e grau dos afectos por ela manifestados para com as “alunas” da sua academia, não se recusará, em qualquer caso, a límpida frescura, a verdade, a magia, a delicada sensibilidade e a altura de um canto que tem surpreendentemente resistido às erosões mais devastadoras, às tesouras censórias e aos autos-de-fé inquisitoriais.

Os fragmentos que a seguir se apresentam, vertidos do original grego, constituem apenas uma parcela – a mais valiosa, cremos – do que resta do testamento poético de Safo e Alceu. (…)»


ALCEU

12 (357 – LP)

Resplandece de bronze

a mansão. Toda a sala
foi por Ares ornada
de cascos refulgentes, dos quais
pendem brancos penachos
de crinas de cavalo – ornamento
de cabeças de guerreiros. À volta,
suspensas em ganchos
que elas ocultam, grevas
brilhantes – defesa
para os duros dardos -, couraças
de linho novo e côncavos
escudos empilhados. Junto
deles, as espadas
de Cálcis e grande
número de cintos e túnicas
de guerra: tudo
o que não pode esquecer-se,
sobretudo quando
a tal empresa nos lançámos.

SAFO

52 (141 L-P)

E então no vaso foi misturada ambrósia.

Hermes pegou numa concha e serviu os deuses.
E todos, erguendo as taças,
fizeram uma libação e auguraram
mil felicidades ao noivo.

65 (140 L-P)

- Morreu, ó Citereia,

O terno Adónis. Que faremos?
- Batei em vossos peitos, ó donzelas,
Rasgai as vossas túnicas.


Albano Martins na Introdução a O Essencial de Alceu e Safo; Imprensa Nacional - Casa da moeda. Lisboa.

Logue

From what he [Logue] tells us in Prince Charming, his book of memoirs, it seems that it was the absolute unlikeness of the Greek poem to anything modern that decided the matter.
'The Greeks are not humanistic,' Wakefield warned him, 'not Christian, not sentimental. Please try to understand that. They are musical.'
So, eager to understand, and guided by Carne-Ross, who told him which published translations to consult and supplied him with dead-literal cribs of his own, Logue undertook the labours that were to lead, more than two decades later, in 1981, to a volume which described itself as 'An Account of Books 16 to 19 of Homer's Iliad', and which had the word Music in its title.

Christopher Reid no prefácio a Logue's Homer: War Music (Faber and Faber, 2001),

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A glória na Grécia antiga



«Para Píndaro não há empates. O acontecimento fundamental da vida é a vitória. Não basta por isso a mera participação. Toda a disputa é individual. Não há desportos de equipa na antiga Grécia. Cada competidor está sozinho, mesmo quando representa uma casa, uma família, uma aldeia, uma cidade ou uma nação. Apenas a vitória consegue anular a solidão máxima da disputa. O campeão granjeia a fama e a glória. O triunfo altera quem o obtém. Permite o reconhecimento, uma identificação e, assim, um "lugar" para ser. O brilho esplendoroso da vitória amplia. Potencia a vida. Ao vencer-se é-se maior do que se era. É-se falado. Transcende-se o espaço que se ocupa e o tempo durante o qual se existe. Expande-se e propaga-se. Mas a derrota é uma desgraça. Uma calamidade. Quem perde não apenas é esquecido como também não quer ser lembrado. A derrota extirpa a simples hipótese de ainda ser possível. Deixa o perdedor entregue a si. Desamparado. Sem ilusões. Não pode senão sobreviver-se. Infame.»

In
prefácio por António Caeiro às ODES PÍTICAS para os vencedores, de Píndaro.

Forgot the cry of gulls [...] and the profit and loss.


The point is that you can find such lamentations [sobre o declínio dos 'Clássicos'] or anxieties almost anywhere you look in the history of the classical tradition. As is well known, Thomas Jefferson, in 1782, justified the prominence of the classics in his own educational curriculum partly because of what was happening in Europe: “The learning Greek and Latin, I am told, is going into disuse in Europe. I know not what their manners and occupations may call for: but it would be very ill-judged in us to follow their example in this instance.”
All this seems almost preposterous to us; for, in our terms, these are voices from the Golden Age of classical study and understanding, the age that we have lost. But they are an important reminder of one of the most important aspects of the symbolic register of the classics: that sense of imminent loss, the terrifying fragility of our connections with distant antiquity (always in danger of rupture), the fear of the barbarians at the gates and that we are simply not up to the preservation of what we value. That is to say, tracts on the decline of the classics are not commentaries upon it, they are debates within it: they are in part the expressions of the loss and longing and the nostalgia that have always tinged classical studies.
Aqui. Com agradecimentos à Ália.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Seneca on Christ

Salvador Dalí (1950), La Maddona de Port Lligat (pormenor)

A Origem da Comédia deseja a todos os seus leitores um feliz Natal.
Obrigado pela vossa continuada presença, que justifica este blogue.

Miraris hominem ad deos ire? Deus ad homines venit

Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? 
A divindade é que vem até junto dos homens.

Séneca, Cartas a Lucílio VIII.73.15-16 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Action Philosophers: The Pre-Socratics!


ler a pequena BD completa aqui.

Existência em Parménides e Platão

(roubado aqui)
Ciclo de Conferências "Existência em Parménides e Platão" 
Prof. Doutor José Trindade Santos (Universidade Federal da Paraíba /CFUL) 
Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa 
Linha de Investigação: História da Filosofia 

Local: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa 
Datas e salas: 15 de Dezembro de 2011-sala 1.1 
11 de Janeiro de 2012-sala 5.2 (sala de Mestrados) 
16 de Fevereiro de 2012-sala 5.2 (sala de Mestrados) 
2 de Março de 2012-sala 5.2 (sala de Mestrados).

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A morte dos primogénitos

Death of the First Born de Charles Sprague Pearce (1877)


Depois deste, veio o juízo décimo e final, que ultrapassava todos os que o tinham precedido: a morte dos Egípcios, mas não de todos (uma vez que não era propósito de Deus fazer da terra um deserto mas apenas admoestar) e nem [sequer] da maioria dos homens e mulheres de todas as idades. Permitindo aos restantes viver, condenou à morte apenas os primogénitos, começando pelo mais velho dos filhos do rei e cessando no da mais insignificante escrava que moía o cereal.
Por volta da meia noite, os primeiros que tinham chamado [os pais] de pai e mãe e que, de volta, por estes primeiro tinham sido chamados filhos , todos eles robustos e fortes de corpo, sem nenhum pretexto, foram subitamente arrebatados na flor da juventude e nenhuma casa, como se conta, foi poupada a esta desgraça.
Ao chegar a madrugada, todos viram os que lhe eram mais queridos inesperadamente mortos, aqueles que até ao entardecer tinham partilhado com eles a mesma vida e a mesma mesa. Apoderou-se deles uma pesada dor. Todos os lugares se encheram de lamentos. E assim, porque este acontecimento era comum [a todos], todos gritaram de sofrimento um treno que ressoou em conjunto e simultaneamente de uma fronteira a outra, através de toda a região.

Fílon de Alexandria, De Vita Mosis 1. 134-136. Tradução minha.


(134.) μεθ’ ἣν ἡ δεκάτη καὶ τελευταία δίκη πάσας ὑπερβάλλουσα τὰς προτέρας ἐπεγένετο, θάνατος Αἰγυπτίων οὔτε πάντων—οὐ γὰρ ἐρημῶσαι τὴν χώραν προῃρεῖτο ὁ θεὸς ἀλλὰ νουθετῆσαι μόνον—οὔτε τῶν πλείστων ἀνδρῶν ὁμοῦ καὶ γυναικῶν ἐξ ἁπάσης ἡλικίας, ἀλλὰ τοῖς ἄλλοις ζῆν ἐφιεὶς μόνων τῶν πρωτοτόκων καταψηφίζεται θάνατον ἀρξάμενος ἀπὸ τοῦ πρεσβυτάτου τῶν βασιλέως παίδων καὶ λήξας εἰς τὸν (135.) τῆς ἀφανεστάτης ἀλετρίδος. περὶ γὰρ μέσας νύκτας οἱ πρῶτοι πατέρας καὶ μητέρας προσειπόντες καὶ ὑπ’ ἐκείνων υἱοὶ πάλιν πρῶτον ὀνομασθέντες ὑγιαίνοντες καὶ τὰ σώματα ἐρρωμένοι πάντες ἀπ’ οὐδεμιᾶς προφάσεως ἡβηδὸν ἐξαπιναίως ἀνῄρηντο καὶ οὐδεμίαν οἰκίαν ἀμοιρῆσαί (136.) φασι τότε τῆς συμφορᾶς. ἅμα δὲ τῇ ἕῳ κατὰ τὸ εἰκὸς ἕκαστοι θεασάμενοι τοὺς φιλτάτους ἀπροσδοκήτως τετελευτηκότας, οἷς ὁμοδίαιτοι καὶ ὁμοτράπεζοι μέχρι τῆς ἑσπέρας ἐγεγένηντο, βαρυτάτῳ πένθει κατασχεθέντες οἰμωγῆς πάντα ἐνέπλησαν, ὥστε συνέβη καὶ διὰ τὴν κοινοπραγίαν τοῦ πάθους ἁπάντων ἀθρόως ὁμοθυμαδὸν ἐκβοησάντων ἕνα θρῆνον ἀπὸ περάτων ἐπὶ πέρατα κατὰ πάσης τῆς χώρας συνηχῆσαι.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

:

Buscamos a virtude dilacerados entre toda a espécie de vícios! 
Até sinto vergonha de o dizer: somos apenas honestos nas horas vagas!...

Ad virtutem contendimus inter vitia districti. 
Pudet dicere: honesta colimus quantum vacat.

Séneca, Cartas a Lucílio IX.75.16 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

aquele que é integro e livre de crimes

aquele que é integro e livre de crimes,
Fusco, fica bem sem dardos ou arcos
mouros, ou aljavas cheias de setas
  envenenadas.

quer se lance ao caminho pela Syrte
abafada, ou pelo desolado
Cáucaso ou onde o Jhélo lambe as suas
  margens esplêndidas.

é que nos bosques Sabinos quando dei
por mim desarmado a cantar a minha
Lalagê sem preocupações, fugiu
  de mim um lobo

perturbador, duma espécie que penso
nem os carvalhos apúlios geram
nem nutre a terra de Juba, árida
  ama de leões.

manda-me pra campos desertos onde
o verão não revigora árvores,
para as partes da terra onde o mau tempo
  jamais acalma.

manda-me mesmo até junto ao declive
do sol, donde a terra repulsa. e lá
amarei Lalagê, de doce sorrir,
  de doce falar.

Horácio. 1.XXII. Tradução minha.


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  Fusce, pharetra,

sive per Syrtis iter aestuosa
sive facturus per inhospitalem
Caucasum vel quae loca fabulosus
  lambit Hydaspes.

Namque me silva lupus in Sabina,
dum meam canto Lalagem et ultra
terminum curis vagor expeditis,
  fugit inermem,

quale portentum neque militaris
Daunias latis alit aesculetis
nec Jubae tellus generat, leonum
  arida nutrix.

Pone me pigris ubi nulla campis
arbor aestiva recreatur aura,
quod latus mundi nebulae malusque
  Juppiter urget;

pone sub curru nimium propinqui
solis in terra domibus negata:
dulce ridentem Lalagen amabo,
  dulce loquentem.