A noção do trabalho considerado como valor humano é, sem dúvida, aliás, a única conquista espiritual do pensamento humano posterior ao milagre grego; essa é talvez a única lacuna no ideal da vida humana que a Grécia elaborou e que nos foi legado como imorredoura herança. Bacon foi o primeiro a fazer surgir esta noção. À antiga e desesperante maldição do Génesis que representava o mundo como um cárcere e o trabalho como a marca da escravidão e da abjecção dos homens, substitui ele, num rasgo de génio, o verdadeiro enunciado das relações do Homem com o mundo: «o Homem dirige a natureza, obedecendo-lhe». Esta tão simples fórmula deveria constituir, por si só, a Bíblia da nossa época. Ela só basta para definir o trabalho autêntico, que liberta os homens, exactamente na medida em que constitui um acto de submissão consciente à necessidade. Após Descartes, os sábios caíram progressivamente na convicção de que a ciência pura encerra em si o seu próprio objectivo; mas o ideal de uma vida consagrada de forma livre de labor físico começou em contrapartida a surgir na literatura, dominando mesmo a obra-prima do poeta geralmente considerado como sendo de todos o mais aristocrático, Goethe. [...] Seria fácil citar ainda outros nomes ilustres, entre os quais Rousseau, Shelley e, sobretudo, Tolstoi, que desenvolveu o mesmo tema de maneira incomparável ao longo de toda a sua obra. Quanto ao movimento operário, sempre que lhe foi possível libertar-se da demagogia, foi sobre a dignidade do trabalho que fundou as reivindicações dos trabalhadores. Proudhon ousou escrever: «O génio de um simples artífice, exercendo-se sobre os seus materiais, reveste-se de uma dignidade idêntica à do espírito de um Newton reflectindo sobre as esferas inertes, calculando as distâncias, as massas e as revoluções». Marx, cuja obra encerra contradições diversas, considerava como característica essencial do Homem, opondo-o aos animais, o facto de produzir as condições da sua própria existência, produzindo-se assim indirectamente a si próprio. Os sindicalistas revolucionários, que colocam no centro da questão social a dignidade do produtor considerado como tal, filiam-se na mesma corrente. Considerado no seu conjunto, podemos orgulhar-nos de pertencer a uma civilização que trouxe consigo o pressentimento de um novo ideal.
Simone Weil, Reflexões Sobre as Causas da Liberdade e da Opressão Social
in Opressão e Liberdade. Livraria Morais Editora, Lisboa: 1964. (trad.: Maria de Fátima Nunes).
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