terça-feira, 30 de novembro de 2010

Marxismo + Gregos + Cristianismo + Misticismo = Simone Weil

A parte do sobrenatural neste mundo é secreta, silenciosa, quase invisível, infinitamente pequena. Mas é decisiva. Prosérpina não acreditava que o seu destino se modificasse só por comer um bago de romã; e a partir desse instante o outro mundo foi a sua pátria e o seu reino.

Esta operação decisiva do infinitamente pequeno é um paradoxo que a inteligência humana tem dificuldade em reconhecer. Por este paradoxo se realiza a sábia persuasão de que fala Platão, essa persuasão por meio da qual a providência divina leva a necessidade a orientar a maior parte das coisas para o bem. A natureza, que é um espelho das verdades divinas, apresenta por toda a parte uma imagem deste paradoxo. Assim os catalisadores e as bactérias. Em relação a um corpo sólido, um ponto é infinitamente pequeno. Contudo, em cada corpo há um ponto que prevalece sobre toda a massa pois se for sustentado o corpo não cai; esse ponto é o centro da gravidade.

Mas um ponto suspenso somente impede uma massa de cair se esta estiver disposta simetricamente à volta dele, ou se a assimetria comportar determinadas proporções. O fermento só faz levedar a massa se lhe estiver misturado. O catalisador não age senão pelo contacto dos elementos da reacção. Do mesmo modo, há condições materiais para a operação sobrenatural do divino, presente neste mundo sob forma do infinitamente pequeno.

A miséria da nossa condição submete a natureza humana a uma gravidade moral que continuamente a atrai para o baixo, para o mal, para uma submissão total à força. «Deus viu que as ideias do coração do Homem tendiam sempre, constantemente para o mal». É essa a gravidade que leva o Homem, por um lado, a perder metade da sua alma, segundo um provérbio antigo, no dia em que se torna escravo*, e por outro lado a dominar sempre, segundo o termo empregue por Tucídides, em toda a parte onde tem o poder de o fazer. Tal como a força da gravidade propriamente dita, também esta gravidade tem as suas leis. Quando as estudamos, nunca conseguimos ser tão frios, lúcidos e cínicos como seria preciso. Neste sentido, e em certa medida, é necessário ser-se materialista.

Mas um arquitecto estuda não só a queda dos corpos como também as condições do equilíbrio. O verdadeiro conhecimento da mecânica social implica o das condições em que a operação sobrenatural de uma quantidade infinitamente pequena de bem puro, colocada no devido lugar, pode neutralizar a gravidade. Os que negam a realidade do sobrenatural assemelham-se verdadeiramente a cegos. Também a luz não luta, não pesa nada e é por ela que as plantas e as árvores crescem para o céu apesar da gravidade. Não se come, mas as sementes e os frutos que se comem não amadureceriam sem ela.

*nota para os curiosos: Od. 17.322-323.

Simone Weil, Fragmentos. Londres 1943.
in Opressão e Liberdade. Livraria Morais Editora, Lisboa: 1964. (trad.: Maria de Fátima Nunes).

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