quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O corifeu

Quem sabe quanto tempo levamos à espera,
prostrados na cal ardente das ilhas,
afundados na noite sem lua das armas,
abertos aos poços sem fundo do desejo,
olhando-nos muito quietos no espelho pisado
duma terra assolada lentamente por dunas.
Para que mar fugiram nossas vidas prematuras,
as fábulas indefesas da nossa adolescência.
Que deixaram nossos anos de maturidade
senão o cansaço puro da placidez,
a casa abandonada e o amor muito longe.
Vede aqui vossos filhos: já não os reconhecem
a aurora, a esperança. Não sabem os caminhos
antigos da luz, ocultos atrás da névoa.
Crescemos sem sossego, no abatimento.
Fomos um povo dócil e crédulo em lendas.
Clamo a solidão dos nossos corações.

Vicente Valero, Trípticos Espanhóis, 2.º vol., Joaquim Manuel Magalhães (trad.), Relógio d'Água, 2000

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