— Respondo então que Iolau era sobrinho de Héracles e, pelo que me parece, não era nada a mim, pois o meu irmão Pátrocles não era pai dele, mas sim Ifícles, um nome parecido, que era o irmão de Héracles.
— E Pátrocles é teu irmão?
— Claro - disse eu [Sócrates] - Nascido da mesma mãe, mas não do mesmo pai.
— Então é teu irmão e não é teu irmão.
— Não nasceu do mesmo pai, meu caro - esclareci - pois o dele era Queredemo e o meu Sofronisco.
— E Sofronisco era pai e Queredemo também? - perguntou.
— Sem dúvida - respondi - Um era meu, outro era dele.
— Portanto, Queredemo era diferente de pai? - continuou.
— Do meu, sim.
— Mas então sendo pai era diferente de pai? Ou tu és o mesmo que esta pedra?
— Eu? Receio que aos teus olhos pareça o mesmo, mas no entanto não é essa a minha opinião.
— És então diferente desta pedra?
— Naturalmente que sou.
— Por conseguinte, sendo diferente de uma pedra, não és pedra? E sendo diferente de ouro não és ouro?
— É isso mesmo.
— Então também Queredemo sendo diferente de pai, não é pai.
— Parece não ser pai - disse eu.
— Pois, sem dúvida - disse Eutidemo, tomando a palavra - se Queredemo é pai, Sofronisco, pelo contrário, sendo diferente de pai, não é pai. De modo que tu, Sócrates, não tiveste pai.
Nessa altura Ctesipo interveio e disse:
— O vosso pai, por seu lado, não passou por esta mesma situação? Não é diferente do meu pai?
— Longe disso - respondeu Eutidemo.
— Então? É o mesmo?
— Naturalmente que é.
— Era preciso que eu o deixasse! Mas diz-me, Eutidemo, ele é só o meu pai ou também é dos outros homens?
— Também é dos outros homens - respondeu - Ou pensas que o mesmo homem que é pai, não é pai?
— De facto, pensava - disse Ctesipo.
— E então algo que é ouro, não é ouro? Ou alguém que é homem não é homem?
— Atenção, Eutidemo! - continuou Ctesipo - Não estás a atar um fio ao fio, refere o provérbio. É que estás a dizer coisas estranhas, se o teu pai é pai de todos.
— Mas é - afirmou.
— Apenas dos homens? - perguntou Ctesipo - Ou também dos cavalos e de todos os outros animais?
— De todos - respondeu.
— E será que a mãe também é mãe?
— A mãe também.
— Por conseguinte, a tua mãe é também mãe dos ouriços-do-mar.
— E também a tua.
— E tu, portanto, és irmão dos vitelinhos, dos cãezinhos e dos leitõezinhos.
— Sim, e tu também - disse.
— Então tens um pai cão.
— E tu também.
— Em breve irás concordar com isto, Ctesipo, se me responderes - disse Dionisodoro - Diz-me, pois: tens um cão?
— E muito feroz - respondeu Ctesipo.
— E sem dúvida tem cachorrinhos?
— Que também são outros que tais.
— Portanto, o cão é pai deles?
— De certeza. Eu próprio o vi cobrir a cadela.
— Ai sim? E o cão não é teu?
— Absolutamente.
— Então, ele é teu, sendo pai, de modo que o cão passa a ser teu pai e tu irmão dos cachorrinhos.
Platão, Eutidemo 297e-298e5
INCM, Lisboa: 1999 (trad.: Adriana Nogueira).
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