[ainda a propósito disto]
Como podemos admirar hoje a virilidade do deus Marte ou a sensualidade da deusa Vénus? Deixando intactas as estátuas que os representam ou preenchendo as lacunas? Existe uma altura certa na vida para aprender a resolver esses problemas. Há uma idade certa para perguntar onde estão os braços da Vénus de Milo ou a cabeça da Vitória de Samotrácia. E outra para compreender que nem uma coisa nem a outra precisam de lá estar. Há no entanto pessoas que nunca crescem - ou que o fazem subtraindo problemas. Aos 74 anos, o primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, é não só o segundo político transalpino que está há mais tempo no cargo como o primeiro que consegue dirigir o seu país como se fosse um verdadeiro adolescente.
Evidentemente, há uma crise. Financeira, política. Em Dezembro, o futuro do seu Governo jogar-se-á no Parlamento e no Senado de Roma. À margem disso, o premier (como gostam de dizer os italianos) vai entretendo os seus compatriotas com piadas e escândalos. Diz-se agora que participa em orgias onde se pratica o bunga-bunga, ao que parece uma invenção de outro decano da adolescência, o coronel Khadafi, da Líbia (a revista americana Slate apresenta uma hermenêutica completa da expressão "bunga-bunga" em vários idiomas, mas não consegue decifrar o mistério). O bunga-bunga talvez ajude a explicar por que é que a uma estátua do deus Marte e da deusa Vénus, na residência oficial do primeiro-ministro foram acrescentados um pénis e um braço que faltavam.
Podia o deus Marte ser representado sem um pénis? Na pátria do bunga-bunga, não. Nem que fosse acrescentado um pénis de plástico. Os restauradores que trabalharam na estátua do tempo do imperador Marco Aurélio optaram por um pénis magnético, que pode ser removido. Uma inovação. E é como se o deus romano da guerra tivesse tomado Viagra. Um clássico.
E está o Cavaliere a postos para a batalha pelo seu futuro político. Tem a bênção do falso pénis de um deus romano. Que estranhos pensamentos não inspiraria a Berlusconi a estátua castrada? Mas tudo isto é Berlusconi e tudo isto é a Itália actual. Um pastiche e uma piada de mau gosto. O país do falso e do kitsch. Onde Pompeia cai aos bocados e o primeiro-ministro falsifica uma estátua. Até porque não existem dados precisos sobre a medida do pénis do deus Marte.
Mas não vale a pena chorar mais. Mario Agello, colunista do jornal italiano Il Messagero, descobriu uma virtude na falsificação - e isso por o pénis do deus Marte ser magnético. Lembra ele que, quando os regimes comunistas caíram na Europa de Leste, foi preciso inúmeras estátuas em tamanho gigante de Lenine e de Estaline. Mas quando o berlusconismo chegar ao fim, bastará remover um pénis de uma estátua romana, para a Itália se despedir do deus do bunga-bunga.
artigo de Miguel Gaspar na Pública de 28 de Novembro.
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