sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Nosso Penoso Benefício

Como todos os grandes pedagogos, Boorsch, ao andar de um lado para o outro da sala ou ao voltar-se para nós, era a "figuração", a actualização visível do seu tema. Mergulhou-nos nos três discursos existentes de Andócides, um advogado e retórico rebarbativo do século IV a.C. Quando eu e o meu companheiro nos atrevemos finalmente a perguntar se o Monsieur Boorsch não se importaria de nos fazer pastar em campos mais verdes — Demóstenes, talvez, ou os poetas —, a réplica foi humilhante. Qualquer idiota seria capaz de haver-se e até deleitar-se com a eloquência e o lirismo manifestos. Era precisamente um modelo medíocre, um formalista em tons de cinzento, que conseguiria pôr a nu as estruturas gramaticais, os recursos retóricos do antigo grego per se. Por isso ficámo-nos por Andócides e com aquilo a que Boorsch chamava os seus estratagemas infalíveis na declinação dos verbos irregulares, para nosso penoso benefício.

George Steiner, Errata: revisões de uma vida. Margarida Vale de Gato (trad.) Relógio d'Água (1997)



busto de Demóstenes

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