Também Eurípides, o poeta trágico, não quis manifestar as suas ideias, receando o Areópago, mas deu-as a entender do seguinte modo: pôs em cena Sísifo como representante desta opinião e fê-lo exprimir-se a favor da sua ideia. Disse [...]:
e serva de uma força selvagem
quando nem existia nenhuma recompensa para os indivíduos honestos
nem havia castigo para os maus.
E parece-me que, em seguida, os homens instituíram leis
punitivas a fim de que a justiça fosse soberana
[de todos igualmente] e que fizesse da insolência uma escrava.
Se alguém cometesse uma falta seria penalizado.
Em seguida, uma vez que as leis os impediam
de praticar manifestos actos de violência
e eles os praticavam às ocultas, parece-me que nesta altura
[pela primeira vez] um certo homem, ousado e sábio na maneira de pensar
inventou o receio [dos deuses] para os mortais, para que
os malvados tivessem receio de fazer
ou dizer ou pensar [algo] às ocultas.
Por isso, introduziu o divino:
«Há uma potestade florescente, com vida indestrutível,
que, com o espírito, ouve e vê, e, com suma inteligência,
vigia estas acções, dotada ela própria de uma natureza divina.
Ouvirá tudo o que se disser entre os mortais
e poderá ver tudo [o] que é feito.
Se, em silêncio, planeares algum mal,
isso não passará desapercebido aos deuses. A inteligência
é nela [suma]». Fazendo esta afirmação,
introduziu a mais agradável das doutrinas
e encobriu a verdade com um discurso falso.
Defendia que os deuses habitavam num lugar que,
só de o mencionar, assustava imenso os homens.
Sabia que daí partiam os receios para os mortais
e os consolos para a sua vida desditosa,
vindos da esfera celeste, onde via
existirem relâmpagos e terríveis estrondos
de trovão e o estrelado corpo do céu,
obra admiravelmente variegada do sábio artífice, o tempo.
Daqui avança a massa incandescente da estrela
e a tempestade de chuva sai em direcção à terra.
Em tais medos envolveu os homens,
pelos quais [ele] integrou bem a divindade
no discurso e num local conveniente;
e com as leis destruiu a ausência de leis.
[...] Penso que foi desta maneira que alguém, pela primeira vez, persuadiu
os mortais a pensarem que existia uma raça de deuses.
Sexto Empírico, Contra os Matemáticos 9.54 = Crítias DK 88 B 25
(o fragmento é atribuído por Diels-Kranz e outros, mau grado o testemunho de Sexto Empírico, a Crítias, um dos trinta tiranos, da família de Platão)
in Sofistas - Testemunhos e Fragmentos. INCM, Lisboa: 2005. (trad.: Ana Alexandre Sousa e Maria José Vaz Pinto)
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