sábado, 31 de julho de 2010

Novidades Editorias Classica Digitalia

(informação recebida pela Origem da Comédia)
O Conselho Editorial dos Classica Digitalia tem o gosto de anunciar 3 novos livros, um dos quais em co-edição com o Centro de Estudos Clássicos e o Centro de História da Universidade de Lisboa. Conforme é prática dos Classica Digitalia, todos os volumes são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital. O e-book correspondente (cujo endereço directo é dado nesta mensagem) encontra-se disponível em acesso livre. Indica-se também o preço do livro impresso, para servir de orientação a quem desejar adquirir um exemplar em papel.

I. Colecção “Autores Gregos e Latinos – Série Textos Gregos”
- José Luís Lopes Brandão: Plutarco. Vidas de Galba e Otão. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2010). 128 p. PVP: 9 €

- Marta Várzeas: Plutarco. Vidas Paralelas – Demóstenes e Cícero. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2010). 199 p. PVP: 12 €

II. Colecção “Humanitas Supplementum” (Estudos)
- Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simões Rodrigues (Coords.): Sociedade, Poder e Cultura no Tempo de Ovídio (Coimbra, Classica Digitalia/CECH/CEC/CH, 2010). 288 p. PVP: 29 € [capas duras]

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Édipo, versão vegetal

'To Homer', de Keats (Abril/Maio de 1818)


I have written to George [Keats] for some Books — shall learn Greek...
I long to feast upon old Homer as we have upon Shakespeare and as I have lately upon Milton
Keats to Reynolds, 27 April 1818 (L i 274)

Standing aloof in giant ignorance,
Of thee I hear and of the Cyclades,
As one who sits ashore and longs perchance
To visit dolphin-coral in deep seas.
So thou wast blind! -but then the veil was rent;
For Jove uncurtained Heaven to let thee live,
And Neptune made for thee a spumy tent,
And Pan made sing for thee his forest-hive;
Aye, on the shores of darkness there is light,
And precipices show untrodden green;
There is a budding morrow in midnight;
There is a triple sight in blindness keen;
Such seeing hadst thou, as it once befell
To Dian, Queen of Earth, and Heaven, and Hell.

in Keats - The Complete Poems.
Londres, 1970: Longman. (Ed.: Miriam Allott)

Estreou Hoje

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Homero via Chamas

Here [is] a passage from [Kostis Palamas'] 'The Death of the Ancients', in which the Gipsy declares:


If ever I find a papyrus,
I burn it to secure
heat or light;
I light my fire indiscriminately,
in any ruined foundation,
whether palace or monastery,
school or church.

And from the flame and the blaze
all around me birds and trees
and reptiles
shine, crackles, quiver, change,
an the while of nature becomes spirit
and whispers secretly to me
mantic words.


The impulse here is to secure inspiration desctructively, in defiance of nature, through an artificial light: through the destruction of what is human the poet achieves natural inspiration.

David Ricks, The Shade of Homer. Cambridge University Press (1989)


Na realidade, o poema acima chamado "Death of the Ancients" é apenas uma das secções do mais composto poema de Palamas "Doze Palavras". Infelizmente não parece existir online em texto, mas leituras das várias secções estão disponíveis, por exemplo, aqui

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Academic Earth



Uma das grandes iniciativas de aproximação e de acessibilidade do meio académico não só entre si mas também a quem está de fora é o website Academic Earth, que colecciona cursos inteiros de várias universidades do mundo, várias delas do verdadeiro topo (Yale, eg). Os cursos ficam disponíveis em vídeo, e alguns deles podem ainda ser descarregados em audio (e video), ou lidos pelas transcrições. Os tópicos são, como seria de esperar, de toda a gama do ensino universitário (e exortamos a uma exploração extensa do site), mas deixamos acessíveis alguns que parecem mais ligados ao tema do Origem da Comédia.

Gonçalo M. Tavares Sobre Séneca


[...] Às vezes é interessante não saber nada sobre o autor de um livro, para não haver contaminação do percurso político, pessoal. O que me parece é que os livros têm que ser lidos fora do... [sic] Quando são realmente literatura de qualidade são coisas que saltam do tempo em que foram escritos e editados. Os grandes livros perdem a data, podemos quase enganar as pessoas e dizer que acabou de sair um livro que tem 300 ou 400 anos. Se pegarmos um clássico, por exemplo, "Cartas a Lucílio", de Sêneca, e não dissermos que é de um autor do ano 30 depois de Cristo, que escreveu aquilo há quase 2.000 anos, o livro parece que foi escrito ontem. Realmente, para quem se interessa por livros, por literatura, os livros soltam-se do seu tempo e são avaliados pelo seu conteúdo.

[...] A questão da escolha dos senhores [do Bairro] tem a ver por um lado com o gostar da obra, mas muitas vezes tem a ver com se criar um personagem a partir do tom da escrita do autor. Então não é uma coisa direta e óbvia. Há autores que eu gosto imenso e nunca os colocaria como senhores. Há pouco falei do Sêneca, que é um autor que me marcou muito, mas que eu não conseguiria colocar nos senhores. Tem que ter um caráter lúdico.

Gonçalo M. Tavares em entrevista a um jornal brasileiro, aqui.

imagem: Morte de Séneca (sem mais informações)

«Electra», por Mihalis Kakogiannis, 1962



Eis um filme que ainda não vi e que fiquei com muita curiosidade em ver. É adaptação que Mihalis Kakogiannis fez em 1962 da Electra de Eurípides, com Irene Papas no principal papel. Pela amostra, parece-me ser muito bonito.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Leitores Atentos §5


Depois de Jesus ter atravessado, no barco, para a outra margem, reuniu-se uma grande multidão junto dele, que continuava à beira-mar. Chegou, então, um dos chefes da sinagoga, de nome Jairo, e, ao vê-lo, prostrou-se a seus pés e suplicou instantemente: «A minha filha está a morrer; vem impor-lhe as mãos para que se salve e viva.» Jesus partiu com ele, seguido por numerosa multidão, que o apertava. [...] Ainda Ele estava a falar, quando, da casa do chefe da sinagoga, vieram dizer: «A tua filha morreu; de que serve agora incomodares o Mestre?» Mas Jesus, que surpreendera as palavras proferidas, disse ao chefe da sinagoga: «Não tenhas receio; crê somente.» E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Ao chegar a casa do chefe da sinagoga, encontrou grande alvoroço e gente a chorar e a gritar. Entrando, disse-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu, está a dormir.» Mas faziam troça dele. Jesus pôs fora aquela gente e, levando consigo apenas o pai, a mãe da menina e os que vinham com Ele, entrou onde ela jazia. Tomando-lhe a mão, disse: «Talitha qûm!», isto é, «Menina, sou Eu que te digo: levanta-te!» E logo a menina se ergueu e começou a andar, pois tinha doze anos. Todos ficaram assombrados. Recomendou-lhes vivamente que ninguém soubesse do sucedido e mandou dar de comer à menina.

Mc 5, 21-24, 35-43 retirado da Nova Bíblia dos Capuchinhos.
Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima: 1998. (trad.: Américo Henriques)

[Καὶ διαπεράσαντος τοῦ Ἰησοῦ [ἐν τῷ πλοίῳ] πάλιν εἰς τὸ πέραν συνήχθη ὄχλος πολὺς ἐπ' αὐτόν, καὶ ἦν παρὰ τὴν θάλασσαν. καὶ ἔρχεται εἷς τῶν ἀρχισυναγώγων, ὀνόματι Ἰάϊρος, καὶ ἰδὼν αὐτὸν πίπτει πρὸς τοὺς πόδας αὐτοῦ καὶ παρακαλεῖ αὐτὸν πολλὰ λέγων ὅτι Τὸ θυγάτριόν μου ἐσχάτως ἔχει, ἵνα ἐλθὼν ἐπιθῇς τὰς χεῖρας αὐτῇ ἵνα σωθῇ καὶ ζήσῃ. καὶ ἀπῆλθεν μετ' αὐτοῦ. Καὶ ἠκολούθει αὐτῷ ὄχλος πολύς, καὶ συνέθλιβον αὐτόν. [...] Ἔτι αὐτοῦ λαλοῦντος ἔρχονται ἀπὸ τοῦ ἀρχισυναγώγου λέγοντες ὅτι Ἡ θυγάτηρ σου ἀπέθανεν: τί ἔτι σκύλλεις τὸν διδάσκαλον; ὁ δὲ Ἰησοῦς παρακούσας τὸν λόγον λαλούμενον λέγει τῷ ἀρχισυναγώγῳ, Μὴ φοβοῦ, μόνον πίστευε. καὶ οὐκ ἀφῆκεν οὐδένα μετ' αὐτοῦ συνακολουθῆσαι εἰ μὴ τὸν Πέτρον καὶ Ἰάκωβον καὶ Ἰωάννην τὸν ἀδελφὸν Ἰακώβου. καὶ ἔρχονται εἰς τὸν οἶκον τοῦ ἀρχισυναγώγου, καὶ θεωρεῖ θόρυβον καὶ κλαίοντας καὶ ἀλαλάζοντας πολλά, καὶ εἰσελθὼν λέγει αὐτοῖς, Τί θορυβεῖσθε καὶ κλαίετε; τὸ παιδίον οὐκ ἀπέθανεν ἀλλὰ καθεύδει. καὶ κατεγέλων αὐτοῦ. αὐτὸς δὲ ἐκβαλὼν πάντας παραλαμβάνει τὸν πατέρα τοῦ παιδίου καὶ τὴν μητέρα καὶ τοὺς μετ' αὐτοῦ, καὶ εἰσπορεύεται ὅπου ἦν τὸ παιδίον: καὶ κρατήσας τῆς χειρὸς τοῦ παιδίου λέγει αὐτῇ, Ταλιθα κουμ, ὅ ἐστιν μεθερμηνευόμενον Τὸ κοράσιον, σοὶ λέγω, ἔγειρε. καὶ εὐθὺς ἀνέστη τὸ κοράσιον καὶ περιεπάτει, ἦν γὰρ ἐτῶν δώδεκα. καὶ ἐξέστησαν [εὐθὺς] ἐκστάσει μεγάλῃ. καὶ διεστείλατο αὐτοῖς πολλὰ ἵνα μηδεὶς γνοῖ τοῦτο, καὶ εἶπεν δοθῆναι αὐτῇ φαγεῖν.]

Apollonius performed another miracle. There was a girl who appeared to have died just at the time of her wedding. The betrothed followed the bier, with all the lamentations of an unconsummated marriage, and Rome mourned with him, since the girl belonged to a consular family. Meeting this scene of sorrow, Apollonius said, "Put the bier down, for I will end your crying over the girl". At the same time he asked her name, which made most people think he was going to declaim a speech of the kind delivered at funerals to raise lamentation. But Apollonius, after merely touching her and saying something secretly, woke the bride from her apparent death. The girl spoke, and went back to her father's house like Alcestis revived by Heracles. Her kinsmen wanted to give Apollonius a hundred and fifty thousand drachmas, but he said he gave it as an extra dowry for the girl. He may have seen a spark of life in her which the doctors had not noticed, since apparently the sky was drissling and steam was coming form her face, or he may have revived and restored her to life when it was extinguished, but the explanation of this has proved unfathomable, not just to me but to the bystanders.

Filóstrato, Apolónio de Tiana 4.45
Harvard University Press, Cambridge MA: 2005. (trad.: Christopher Jones).

[3'35'' — 3'48'' — 4'10'']

Hitler, Aluno de Clássicas

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Entzauberung

Heraclito, o Paradoxógrafo (não confundir com o filósofo!), viveu, calcula-se, entre o final do século primeiro e o século segundo d.C. Nada sabemos sobre ele, mas chegou-nos, quase na íntegra, a sua pequena obra, Πέρι Ἀπίστων, Acerca das Coisas Incríveis. Trata-se de um texto em que o autor procura racionalizar os mitos gregos, ou seguindo uma linha evemerista (isto é, tentando resgatar um suposto fundo histórico que a lenda ocultaria) ou adoptando uma leitura alegórica, muito popular entre os filósofos. Não foi, de facto, o primeiro a tentar interpretar os mitos gregos com os olhos críticos da razão: Palefato escreveu uma obra do género, com o mesmo nome, mas mais famosa. Por muito que este género da abordagem ao legendarium grego nos possa causar confusão, ou mesmo repúdio (há tentativas de racionalização que, essas sim, são perfeitamente ridículas, não os mitos de que partem), a verdade é que este esforço de apropriação dos mitos pelos filósofos foi o que, em boa medida, permitiu a sua sobrevivência, particularmente numa era em que, como aquela em que Heraclito escreveu, o cristianismo começava a impôr-se. Estas leituras moralizadoras ou históricas dos mitos tornava-os aceitáveis para um público (não apenas o cristão) que não podia mais crer na antiga turbamulta de deuses e nas suas estórias. Há, aliás, sobre este assunto, um livro que me foi vivamente recomendado por um professor em Erasmus e que desde então estou para mandar vir (mas sempre outras coisas se interpõem): How Philosophers Saved Myths: Allegorical Interpretation and Classical Mythology, de Luc Brisson (que tem também um importante livro sobre o mito em Platão). Entretanto, abaixo, ficam duas entradas da obra de Heraclito, na tradução de Jacob Stern, publicada na Transactions of the American Philological Association em 2003 num estudo sobre Heraclito que me chegou hoje às mãos (conto ler em breve) e que inclui o texto grego integral e tradução.


20. The Golden Apples
They say that a dragon guarded the golden apples of the Hesperides. But Drago was a man who amassed much gold from his tending of fruit trees. He was chased after by some elegant women; they entangled his soul in their lustful passions and for the future acquired him as a servant and guard of their garden.

16. Circe
The myth has been handed down that Circe transformed men with a potion. Circe, however, was a prostitute who bewitched her clients at first with every sort of willingness to please and led them on to be well-disposed toward her. But when their passion for her grew, she controlled them through their lust, as they were mindlessly carried along in their pleasures.

imagem: The Garden of the Hesperides, de Frederic Lord Leighton (1891-2)
@ Museu Nacional de Liverpool (uma análise do quadro aqui)

domingo, 25 de julho de 2010

O Monstro Precisa de Amigos


IX. Geryon's War Record
Geryon lay on the ground covering his ears The sound
of horses like roses being burned alive

X. Schooling
In those days the police were weak Family was strong
Hand in hand the first day Geryon's mother took him to
School She neatened his little red wings and pushed him
In through the door

XIII. Herakles' Killing Club
Litte red dog did not see it he felt it All
Events carry but one

XIV. Herakles' Arrow
Arrow means kill It parted Geryon's skull like a comb Made
The boy neck lean At an odd slow angle sideways as when a
Poppy shames itself in a whip of Nude breeze

XV. Total Things Known About Geryon
He loved lightning He lives on an island His mother was a
Nymph of a river that ran to the sea His father was a gold
Cutting tool Old scholia say that Stesichoros says that
Geryon had six hands and six feet and wings He was red and
His strange red cattle excited envy Herakles came and
Killed him for his cattle

The dog too

XVI. Geryon's End
The red world And corresponding red breezes
Wento on Geryon did not

Excertos de Red Meat: Fragments of Stesichoros
in Anne Carson, Autobiography of Red - A Novel in Verse.
Vintage Books, NY: 1998.

imagem: Héracles & Gérion; ânfora (550-540 a.C.)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Sísifo.

(ampliar para ver melhor)
retirado — outra vez — daqui.

Hoje, Não Tomem Banho

Clitemnestra, de John Collier (1882)
@ Guildhall Art Gallery, Londres

A Morte de Marat, de Jacques-Louis David (1793)
@ Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas

Psycho, de Alfred Hitchcock (1960)

Dia A, de Agamémnon


KASSANDRA
[scream] I lose my screams that find me again!
The dread work of prophecy buckles me
down to its BAM BAM BAM —
do you see them there those young ones
who nest by the door
like shapes in dreams
like children murdered
they hold their own flesh in their own hands
and the entrails drip where their father tasted deep.
Yes I can see this and I tell you vengeance is coming —
a soft lion tumbles in the master's bed awaiting him —
how little the great general understands
that bitch who licked his hand at the door of the house
and what she plans to do.
She has the nerve, she is a killer, female against male.
What should I call her — a kind of snake, a Skylla,
a plague, a mother who breathes out
war against her own loved ones?
How she shrieked in joy
to see that man on her doorstep.
Yet you know it's all the same to me if
anyone believes this or not.
Who cares? The future is coming.

Agamémnon 1214-1240, de Ésquilo
in Anne Carson, An Oresteia, Faber & Faber, NY: 2009.

imagem: Electra at the Tomb of Agamemnon,
de William Blake Richmond (1874) @ Art Gallery of Ontario

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pessoa on Translation*


I do not know whether anyone has ever written a History of Translation(s). It should be long, but a very interesting book. Like a History of Plagiarisms — another possible masterpiece which awaits an actual author — it would brim over with literary lessons. There is a reason why one thing should bring up the other: a translation is only a plagiarism in the author's name. A History of Parodies would complete the series, for a translation is a serious parody in another language. The mental processes involved in translating well are the same as those involved in translating competently. In both cases there is an adaptation to the spirit of the author for a purpose which the author did not have; in one case the purpose is humour, where the author was serious, in the other one language when the author wrote in another. Will anyone one day parody a humorous into a serious poem? It is uncertain. But there can be no doubt that many poems — even many great poems — would gain by being translated into the very language they were written in.

This brings up the problem as to whether it is art or the artist that matters, the individual or the product. If it be the final result that matters and that shall give delight, then we are justified in taking a famous poet's all but perfect poem, and, in the light of the criticism of another age, making it perfect by excision, substitution or addition. Wordsworth's Ode on Immortality is a great poem, but it is far from being a perfect poem. It could be rehandled to advantage.

The only interest in translations is when they are difficult, that is to say, either from one language into a widely different one, or from a very complicated poem though into a closely allied language. There is no fun in translating between, say, Spanish and Portuguese. Anyone who can read one language can automatically read the other, so there seems also to be no use in translating. But to translate Shakespeare into one of the Latin languages would be an exhilarating task. I doubt whether it can be done into French; it will be difficult to do into Italian or Spanish; Portuguese, being the most pliant and complex of the Romance languages, could possibly admit the translation.

(retirado do Arquivo Pessoa)

*Citando a Tatiana, «este post não tem claramente nada que ver com a Antiguidade Clássica», mas será talvez interessante relembrar alguns factos a propósito: (1) a literatura latina começa com uma tradução, a saber, a Odisseia, vertida por Lívio Andrónico; (2) um dos poemas mais famosos de Catulo, o carmen 51, é a sua tradução subversiva do fragmento 31 de Safo; (3) Cícero traduziu um poema de astronomia/astrologia muito em voga na sua época (citado, inclusive, nos Actos dos Apóstolos), os Phaenomena de Arato; (4) duas das traduções mais influentes de todos os tempos foram feitas na Antiguidade: a tradução dos Setenta e a Vulgata, por Jerónimo; (5) vários textos só sobrevivem em tradução (caso do infame Περί των Πρώτων Αρχών/Sobre os Primeiros Princípios, de Orígenes, que só nos chegou na versão censurada de Rufino, em latim) ou graças a ela (caso das célebres Res Gestae, de Augusto, cujas lacunas no texto latino só puderam ser resolvidas graças à versão grega que se encontrava no mesmo monumento); (6) Cícero e Horácio não teorizaram sobre a tradução: tudo não passa de um mal-entendido; (7) Nietzsche, Gaia Ciência §83.

The Ancient World Online

The Ancient World Online. Um blogue que se dedica a publicar links para materiais sobre o mundo antigo disponíveis gratuitamente online (e de forma legal). Infelizmente para os simples apaixonados e curiosos pela Antiguidade, tratam-se sobretudo de recursos de interesse para os académicos apenas: há muitas revistas científicas disponíveis, mas também coisas como isto: a Patrologia Graeca completa.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Rome: The Movie

(esta cena é tão damn good)

A notícia, pelos vistos, já é de Março, mas confesso que não me tinha chegado ainda a informação. Depois de muitos adiamentos, é possível que o filme-sequela de Rome, a série da HBO que merecidamente conquistou os classicistas e o público em geral, esteja finalmente à beira de sair do chamado development hell. O IMDB, aliás, já apresenta uma entrada para o filme, apontando como data de estreia 2011. Claro que a passagem para o grande ecrã traz vários problemas, como já o reconhecia Ray Stevenson (o Pullo da série) numa entrevista ainda no ano passado: um dos personagens centrais, por exemplo, tudo indica que esteja morto (se bem que isso é o menos: as personagens ressuscitam-se, em caso de necessidade — a ficção nunca teve pudor nisso, desde Sherlock Holmes ao Capitão América). Mais díficil será conciliar os dois públicos: os fãs da série, que esperam uma espécie de continuação, e, enfim, «os outros», chamemos-lhes assim, à falta de melhor nome, aqueles, no fundo, que nada sabem das personagens e das relações entre elas: como lhes fornecer a informação necessária sem maçar o fã? É um equilíbrio difícil, mas o facto de o argumentista ser o mesmo deve-nos dar alguma confiança: é que o tipo é francamente bom. Entretanto, ficamos (ansiosamente) à espera de novas informações.

'Zona', de Mathias Énard

[...]
Num livro em que abundam as referências literárias, explícitas ou implícitas, é impossível ignorar o diálogo com a Ilíada. Tal como o poema de Homero, dividido em 24 cantos, Zona é composto por 24 secções. E há personagens do cerco de Tróia que invadem a longa frase contínua que Francis vai desdobrando na sua mente, durante a travessia nocturna de Itália. Não se procure, porém, analogias directas como as que Joyce estabeleceu com a Odisseia no seu Ulisses. Aqui, a intenção era outra: «Quis mostrar que existe de facto uma certa continuidade, pelo menos no plano literário, entre a forma como Homero mostrou a guerra na Ilíada e a guerra tal como ela é vivida pelos combatentes actuais. Claro que em Homero já encontramos tudo: a coragem, a cobardia, a dor, as feridas, a grande excitação que o combate provoca. Os códigos sociológicos é que não são os mesmos. Deixámos de viver num mundo governado pelos deuses, mas muitas coisas permanecem.» Mais do que paradigmas narrativos, Énard procurou um elo com o passado mais remoto da nossa civilização: «Apoiei-me em Homero, não para escrever como ele, mas com ele.»

Ler mais aqui.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Alguns poemas de Kostas Montis traduzidos por Fotini Hadjittofi

Patrulhas, senhor, os bairros?

Podes ver África aí de cima, Senhor?
Podes ver a Etiópia, a Somália?
Pode alguém distingui-las?

É justo, Senhor,
que eles rezem e eu escreva versos?

O estudo da morte

Senhor, que nenhum Caronte solteiro
conceba filhos e netos.

A preparação da morte

Ó preparação longa e inútil,
Trabalho vão!

*
A única solução, Senhor,
É que as balas deixem de matar
Porque nós certamente continuaremos a disparar.

Monumentos de heróis

Temo a sua intenção real
Temo que existam apenas
Para encorajar outros a que se matem.

Vida

A ela pouco lhe importa que nos desagrade:
sabe que não nos tornaremos a encontrar novamente.

Acerca de Deus

Estou em crer que, se tivesse Jesus por neto e não por filho,
não nos deixaria crucificá-lo:
fizéssemos de nós o que nos apetecesse.

Invasão Turca - Sobre Pessoas Desaparecidas

Estas foram simplesmente as fotografias de passe
tiradas para obter um passaporte
para quando partissem para estudar na Universidade.
Como poderiam imaginar que seriam deixadas para trás
e apertadas assim, dia e noite,
nas mãos de suas mães,
Como poderiam imaginar que seriam deixadas para trás
e apertadas assim, dia e noite,
nas mãos de suas noivas,
nas mãos de suas esposas,
guardadas nas mochilas de seus filhos?
Se o soubessem, será que teriam
deixado a boina posta de lado num gesto despreocupado,
será que teriam sorrido aquele sorriso
despreocupado?

*

É difícil acreditar
que foi o mar de Kyrenia que até nós os trouxe.
É difícil acreditar
que foi o amado mar de Kyrenia que até nós os trouxe.

*

Amargo mar de Kyrenia,
neste momento te despojamos
dos versos que outrora te escrevemos.

Poética

Um verso sentou-se a meu lado
e segreda-me ao ouvido algo que não entendo,
algo me diz.

Na minha sepultura

Sem flores. Uma folha de papel branco
Duas folhas de papel branco preparadas
Duas folhas de impaciente papel branco
Delicioso papel branco.

A um poeta

Senhor, se não tinhas nada a dizer
Para quê perturbar as palavras?
Para quê pertubá-las, Senhor?

A um filólogo, crítico de poesia

Se deveras detectou vinte lambdas no meu poema
Confesso que me sinto perturbado.
Se deveras detectou vinte deltas no meu poema
Então confesso-me verdadeiramente perturbado.

*

Poucos são os que nos lêem
Poucos são os que sabem a nossa língua
Sem justiça e sem aplauso permanecemos
Em canto distante
Mas compensa escrevermos em grego.

Fotini Hadjittofi traduziu estes poemas de Kostas Montis, expoente máximo da poesia cipriota do séc. XX, para a Jornada de Cultura Neo-helénica que teve lugar na FLUL, no passado dia 25 de Maio. Há pouco, no decurso da delicada operação de deitar fora alguns papéis que estavam alojados na minha mochila desde o séc. IX a.C., encontrei uma cópia dessa tradução.
A versão que aqui passo foi em alguns pontos revista por mim (sem a Fotini saber, mas assim que a vir eu comprometo-me a avisá-la).

Mt. Lykaion

Alone on Lykaion since man hath been
Stand on the height two columns, where at rest
Two eagles hewn of gold sit looking East
Forever; and the sun goes up between.
Far down around the mountain’s oval green
An order keeps the falling stones abreast.
Below within the chaos last and least
A river like a curl of light is seen.
Beyond the river lies the even sea,
Beyond the sea another ghost of sky,—
O God, support the sickness of my eye
Lest the far space and long antiquity
Suck out my heart, and on this awful ground
The great wind kill my little shell with sound.

Trumbull Stickney (1905) in The Art of the Sonnet, Stephen Burt e David Mikics (eds.), Harvard University Press, 2010.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Isto Só Me Lembra Aquela Cena No Dogville

Where slaves are concerned he [Augusto] was at least conscious of basic humanitarian principles. When he was at a dinner party given by Vedius Pollio, a slave accidentally broke a cup which the master of the house valued highly. Pollio ordered the slave to be thrown to the lampreys in the garden pool, which would have been a particularly horrible death, similar to but slower than, being eaten by piranhas. The slave appealed to Augustus, who asked to see the rest of the set of valuable cups. Deliberately he smashed every one of them. In one destructive act he manages to express both his disgust at Vedius Pollio's cruelty, and his disapproval of the unwarranted display of wealth and luxury, which ran counter to his sumptuary laws. Almost incidentally he saved the live of the slave, but of course no one has recorded what perhaps happened to the unfortunate slave on the morning after the dinner party; there may still have been one or two over-fed lampreys in Vedius' pool. What has gone down in history, and has lost nothing in retelling, is that Augustus thought it inhuman to value a cup more highly than a slave.

Augustus, de Pat Southern.
Routledge, London & NY: 1998.

Augustus' Wit

Perhaps because he was self-sufficient he [Augusto] could take a joke at his own expense, as several anecdotes suggest. He possessed a sense of humor that was cynical on his own account as it was on anyone else's. In his youth he had written, among other things, a tragedy about Ajax. Looking back on it later he cringed and obliterated it; in the Roman world writings were wiped away with a sponge, much as pencil marks can be removed with an eraser nowadays, so when a friend asked him what had become of his tragedy he said that Ajax had committed suicide falling on his sponge [Ájax, no mito, suicida-se atirando-se sobre a sua espada: ver imagem].

Augustus, de Pat Southern.
Routledge, London & NY: 1998.

imagem: métopa do santuário de Hera em Foce Sele (570-560 a.C.)
@ Museu Arqueológico Nacional de Paestum

The Goddess Series

Germaine Greer as Artemis

Margarita Georgiadis as Circe

Blanche d’Alpuget as Athena

Rosemary Valadon, pintora australiana, desenvolveu em 1991 uma série de quinze retratos de algumas das suas amigas e/ou australianas conhecidas, cada uma delas na pele de uma deusa ou heroína da mitologia grega. O conjunto, particularmente interessante, pela recuperação delicada da iconografia clássica, pode ser visto na íntegra aqui.

domingo, 18 de julho de 2010

'Macho Latino', por Maria do Rosário Pedreira

Li no ano passado, durante as férias (que é normalmente quando consigo ler livros de outras editoras), A Arte de Amar, de Ovídio. Bem sei que, segundo os parâmetros dos nossos meios de comunicação, este não é exactamente um livro para as férias; mas, se me custa ver o tempo avançar sem ter lido isto ou aquilo, pois a verdade é que, quanto mais antigo é o livro, mais me sinto compungida a colmatar a lacuna. Assim sendo, li Ovídio debaixo do chapéu-de-sol, humedecendo de vez em quando as páginas com pingos de água que me escorriam dos cabelos, zangando-me com o vento que embaraçava as folhas, entre banhos de mar e de piscina – e concluí que é um título para todas as estações. Independentemente da vénia devida ao poeta (nem está em causa não a fazer – e quase beijo o chão), diverti-me imenso com os seus conselhos aos leitores masculinos sobre as armadilhas em que podem cair quando seduzidos por esses seres falsos, malignos e interesseiros que são as mulheres. (Hoje, Ovídio estaria em todos os telejornais a explicar-se sobre certas afirmações sexistas que faz, não duvido.) Talvez seja daqui que veio a expressão «macho latino»…

retirado daqui.

sábado, 17 de julho de 2010

A Dança Em/De Deus, ou Para Emma Goldman


Deixa sem tardar, ao subires aos céus,
À terra o que é terra.
Em breve te juntarás ao Pai,
E, deus, dançarás em Deus.

ἀνάβαινε, μηδὲ μέλλε,
χθονὶ τὰ χθονὸς λιποῖσα·
τάχα δ᾿ ἂν μιγεῖσα πατρὶ
Θεὸς ἐν Θεῷ χορεύσοις.

Sinésio de Cirene (o mais famoso discípulo de Hipácia, que lhe chamava mãe e irmã)
in Rosa do Mundo, Assírio & Alvim, Lisboa: 2001. (trad.: Maria Jorge de Figueiredo)

Eu só acreditaria num deus que soubesse dançar.
Ich würde nur an einen Gott glauben, der zu tanzen verstünde.

Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Canto I, 'Do Ler e Escrever'
Relógio d'Água, Lisboa: 1998 (trad.: Paulo Osório de Castro)

imagem: fresco da Tomba del Triclinio (480-450 a.C.)
@ Museu Nacional de Tarquinia.

O Nu na Antiguidade Clássica

Mas já que começámos a falar, devemos avançar para a parte mais difícil da nossa lei, depois de termos pedido a estes trocistas que não exerçam a sua actividade, mas que sejam sérios, e de lhes termos lembrado que não há muito tempo, os Gregos consideravam vergonhoso e ridículo — como ainda agora a maior parte dos bárbaros — a vista de um homem nu e que, quando a prática da ginástica começou, primeiro com os Cretenses e depois com os Lacedemónios, os trocistas de então ridicularizavam estas práticas.

nota a este passo na minha edição: Gregos e bárbaros diferem, entre outras coisas, na capacidade de desnudar o corpo, na superação da vergonha, sem se tornarem vergonhosos.

Platão, A República 452c-d
Guimarães, Lisboa: 2005. (trad.: Elísio Gala)

[ἀλλ᾽ ἐπείπερ λέγειν ἠρξάμεθα, πορευτέον πρὸς τὸ τραχὺ τοῦ νόμου, δεηθεῖσίν τε τούτων μὴ τὰ αὑτῶν πράττειν ἀλλὰ σπουδάζειν, καὶ ὑπομνήσασιν ὅτι οὐ πολὺς χρόνος ἐξ οὗ τοῖς Ἕλλησιν ἐδόκει αἰσχρὰ εἶναι καὶ γελοῖα ἅπερ νῦν τοῖς πολλοῖς τῶν βαρβάρων, γυμνοὺς ἄνδρας ὁρᾶσθαι, καὶ ὅτε ἤρχοντο τῶν γυμνασίων πρῶτοι μὲν Κρῆτες, ἔπειτα Λακεδαιμόνιοι, ἐξῆν τοῖς τότε ἀστείοις πάντα ταῦτα κωμῳδεῖν.]

Quem não faz segredo de si próprio causa indignação: nessa medida, tendes motivo para recear a nudez! Sim, se fôsseis deuses, então poderíeis ter vergonha das vossas vestes!

Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Canto I, 'Do Amigo'
Relógio d'Água, Lisboa: 1998 (trad.: Paulo Osório de Castro)

[Wer aus sich kein Hehl macht, empört: so sehr habt ihr Grund, die Nacktheit zu fürchten! Ja, wenn ihr Götter wäret, da dürftet ihr euch eurer Kleider schämen!]

imagem: os bronzes de Riace (c. 460-430 a.C.)
@ Museu Nacional da Magna Grécia, Reggio Calabria

Tétis e Aquiles


No primeiro canto da Ilíada, quando Aquiles, ultrajado pela arrogância poderosa de Agamémon, se retira do combate, suplica à sua divina mãe que por ele interceda junto de Zeus. Mas ele sabe, e ela sabe-o também, que esta ajuda não será jamais por outra coisa que não a honra do herói (ou então, na perspectiva homérica: esta ajuda será pelo mais caro dos presentes, a honra &a glória de Aquiles): a salvação, a vida não lhe poderá jamais salvar, a partir do momento em que Aquiles trocou uma vida longa por uma glória longa. Tétis sabe que isto é tudo aquilo que a alma de Aquiles poderia alguma vez almejar supremamente, mas a humanidade da escolha não deixará de a atacar. Não consegue não se rebelar em palavras contra o destino daquele a quem criou e que sabe que chora por uma glória que a partir deste momento será sinónima da sua morte. Estas são as suas palavras.

Ai de mim, meu filho, porque te criei, mãe em infelicidades?
Quem dera que pudesses junto às naus sem chorar ou dor alguma
Permanecer, pois a vida que te cabe é breve, mesmo nada longa;
Mas agora para uma vida curta e miserável mais que todas
Te encaminhas; é-te então mui vil a vida que gerei na minha corte.

Ὤ μοι τέκνον ἐμόν, τί νύ σ' ἔτρεφον αἰνὰ τεκοῦσα;
αἴθ' ὄφελες παρὰ νηυσὶν ἀδάκρυτος καὶ ἀπήμων
ἧσθαι, ἐπεί νύ τοι αἶσα μίνυνθά περ οὔ τι μάλα δήν·
νῦν δ' ἅμα τ' ὠκύμορος καὶ ὀϊζυρὸς περὶ πάντων
ἔπλεο· τώ σε κακῇ αἴσῃ τέκον ἐν μεγάροισι.

Ilíada, I 414-418
(tradução minha)

imagem: Tétis Consolando Aquiles, de Giovanni Battista Tiepolo

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Safo Sempre


A beleza servi
e não conheço nada maior.

Safo, frg. LXII na tradução de Eugénio de Andrade*
Limiar, Porto: 1974.
*agradece-se a quem me souber indicar o número correcto do fragmento.

imagem: In the Days of Sappho, de John William Godward (1904)
@ J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Luciano

Era um velho amigo que primeiro olhava, depois respirava, depois falava e só no fim agia.
Claro que foi escritor.

Gonçalo M. Tavares, Biblioteca
Campo de Letras, Porto: 2004.

Sappho and Alceus
























Este óleo sobre tela de Sir Lawrence Alma-Tadema, de 1881, encontra-se actualmente na Walter Arts Gallery em Baltimore.

III Curso de Egiptologia

(informação recebida pela Origem da Comédia)
O Centro de História da Universidade de Lisboa, através da sua linha de investigação Mundo Antigo e Memória Global, vem por este meio divulgar o III Curso de Egiptologia, coordenado pelos Professores Luís Manuel de Araújo e José Varandas. O Curso consta de dez sessões, que decorrerão todas as quartas-feiras, de 6 de Outubro a 9 de Dezembro de 2010, entre as 18h00 e as 20h00, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A inscrição é de 70€ para os alunos da Faculdade de Letras Universidade de Lisboa e de 100€ para o público em geral. Os membros das entidades com as quais o Centro de História tem protocolos de colaboração usufruem também do preço para estudantes FLUL. Serão, ainda, contemplados com o «preço de aluno» aqueles que já frequentaram, anteriormente, três Cursos organizados pelo Centro de História e que constam na nossa base de dados.

Para mais informações é favor contactar o secretariado dos Cursos do Centro de História (Drª. Inês Araújo e Dr. Tiago Pinto, através de e-mail (centro.historia@fl.ul.pt) ou por telefone. Alertamos para o facto de a sala ter um número limitado de lugares (160) e de já existirem algumas dezenas de alunos inscritos.

PROGRAMA:

6 de Outubro - A Emergência do Mundo e da Monarquia no Antigo Egipto
Luís Manuel de Araújo (CH/FLUL)

14 de Outubro - As Mastabas de Mereruka e de Kagemni, em Sakara
José das Candeias Sales (Universidade Aberta/CH/FLUL)

20 de Outubro - O Ensinamento de Kheti: O Mundo Laboral dos «Pequeninos»
Telo Ferreira Canhão (CH/FLUL)

27 de Outubro - A XII Dinastia: O Rei Como Bom Pastor e a Maet sublimada
Luís Manuel de Araújo (CH/FLUL)

3 de Novembro - Os Túmulos dos Nobre, em Tebas Ocidental
José das Candeias Sales (Universidade Aberta/CH/FLUL)

10 de Novembro - O Túmulo dos Sacerdotes de Amon (XXI Dinastia)
Rogério Ferreira de Sousa (Instituto Superior de Ciências da Saúde/Norte)

17 de Novembro - Os Sacerdotes de Amon: Devoção e Apetências Políticas
Luís Manuel de Araújo (CH/FLUL)

24 de Novembro - O Túmulo de Petosíris, em Tuna El-Guebel
José das Candeias Sales (Universidade Aberta/CH/FLUL)

2 de Dezembro - António e Cleópatra na Sétima Arte
Nuno Simões Rodrigues (CH/FLUL)

9 de Dezembro - Origens do Cristianismo no Egipto
José Augusto Ramos (CH/FLUL)

Eu Disse Que Íamos Voltar A Falar Deste Livro

LÍNGUA deram-me grega,
a casa pobre nas praias de Homero.
Minha língua, meu único cuidado nas praias de Homero.
Ali pargos e percas,
verbos vergastados pelo vento,
verdes correntes através do azul,
quando vi acender-se nas minhas entranhas,
esponjas, medusas,
com as primeiras palavras das Sereias,
conchas rosadas com os primeiros negros frémitos.
Meu único cuidado, minha língua, com os primeiros negros frémitos.
Ali romãs, marmelos,
deuses morenos, tios e primos
vertendo o azeite nas enormes talhas
e brisas do barranco exalando perfumes
de vime e lentisco,
de esparto e de gengibre
com os primeiros gorjeios dos pardais,
doces salmodias com os primeiros «Glória a Ti».
Meu único cuidado, minha língua, com os primeiros «Glória a Ti»!
Ali louros e palmas,
incensórios e incenso
benxendo combates e mosquetes.
No chão coberto de mantas de parras
fumos de cordeiro assado, ovos que se entrechocam
e «Cristo Ressuscitou»
com as primeiras salvas dos gregos.
Amores secretos com as primeiras palavras do Hino.
Único cuidado, minha língua com as primeiras palavras do Hino!

Odysséas Elytis, Louvada Seja (Áxion Estí)
Assírio & Alvim, Lisboa: 2004. (trad.: Manuel Resende)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ícaro.

retirado — é preciso dizer? — daqui.

Leitores Atentos §4

É coisa absolutamente certa que sou, que conheço e que amo. Nestas verdades nenhum receio tenho dos argumentos dos académicos que dizem: Que será se te enganares? — Pois se me enganar, existo. Realmente, quem não existe de modo nenhum se pode enganar. Por isso, se me engano é porque existo. Porque, portanto, existo se me engano, como poderei enganar-me sobre se existo, quando é certo que existo quando me engano? Por conseguinte, como seria eu quem se enganaria, mesmo que me engane não há dúvida de que não me engano nisto: — que conheço que me conheço.

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XI, Cap. XXVI
Gulbenkian, Lisboa: 1993. (trad.: J. Dias Pereira)

[...sed sine ulla phantasiarum uel phantasmatum imaginatione ludificatoria mihi esse me idque nosse et amare certissimum est. Nulla in his ueris Academicorum argumenta formido dicentium: Quid si falleris? Si enim fallor, sum. Nam qui non est, utique nec falli potest; ac per hoc sum, si fallor. Quiargo sum si fallor, quo modo esse me fallor, quando certum est me esse, si fallor? Quia igitur essem qui fallerer, etiamsi fallerer, procul dubio in eo, quod me noui esse, non fallor.]

Enquanto rejeitamos deste modo tudo aquilo de que podemos duvidar e que simulamos mesmo ser falso, supomos facilmente que não existe Deus, nem céu, nem terra e que não temos corpo, mas não poderíamos da mesma forma supor que não existimos enquanto duvidamos da verdade de todas estas coisas: pois temos tanta repugnância em conceber que aquele que pensa não existe verdadeiramente ao mesmo tempo que pensa que, não obstante as mais extravagantes suposições, não poderíamos impedir-nos de acreditar que é verdadeira esta conclusão: penso, logo existo, e, por consequência, a primeira e a mais certa que se apresenta àquele que conduz por ordem os seus pensamentos.

Descartes, Princípios da Filosofia §7
Lisboa Editora, Lisboa: 2003 (trad.: Margarida Leão)

[Sic autem reiicientes illa omnia, de quibus aliquo modo possumus dubitare, ac etiam falsa esse fingentes, facile quidem supponimus nullum esse Deum, nullum coelum, nulla corpora; nosque etiam ipsos non habere manus, nec pedes, nec denique ullum corpus; non autem ideo nos, qui talia cogitamus, nihil esse: repugnat enim, ut putemus id quod cogitat, eo ipso tempore quo cogitat, non existere. Ac proinde haec cognitio: Ego cogito, ergo sum, est omnium prima et certissima, quae cuilibet ordine philosophanti occurrat.]

All Things Are Better In Koinê

O Grego é uma língua com mais de 3000 anos de história atestada, tornando-o numa das línguas mais cronologicamente extensas de que há registo. Mas como tal, variou na sua evolução, e a cada uma das suas grandes "fases" é atribuída um nome diferente. Por exemplo, o Grego que se forma após as conquistas de Alexandre o Grande, a "língua de Império", no qual está escrito o Novo Testamento, é chamado Grego Comum. Isto é, Koinê. Um tributo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Amanhã e Sexta

O Thíasos, grupo de teatro clássico da FLUC, apresenta amanhã pela última vez nesta temporada de Julho as duas peças que tem em cena, inseridas no XII Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico. Para os interessados e curiosos (vale a pena!):

5ª feira, 15 de Julho, pelas 21h30
(Teatro-Estúdio Bonifrates, Casa da Cultura de Coimbra)
Hipólito de Eurípides. Preço: 5 € (inclui livro da peça)

6ª feira, 16 de Julho, pelas 21h30 (Ruínas de Conímbriga)
Fulaninho de Cartago, de Plauto. Entrada livre.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mais Medeia

O Velo de Ouro, de Herbert James Draper, de novo (1904, @ Bradford Art Galleries & Museums). Das poucas ilustrações da morte de Absirto — que terá ocorrido aqui, a mesma cidade onde Ovídio, banido, acabou os seus dias — que conheço (é um tema raro) e, mesmo assim, como se percebe, longe de retratar fielmente o mito em toda a sua crueldade.

"Medea" de Pier Paolo Pasolini

'Hesído e a Musa', de Gustave Moreau (1891)

Foram elas que, outrora, ensinaram a Hesíodo um belo canto,
enquanto apascentava as suas ovelhas no sopé do Hélicon divino.
E, em primeiro lugar, me dirigiram estas palavras essas deusas,
Musas Olímpicas, filhas de Zeus detentor da égide:
«Pastores do campo, que triste vergonha, só estômagos!
Nós sabemos contar mentiras várias que se assemelham à realidade,
mas sabemos também, se quisermos, dar a conhecer verdades!»

Hesíodo, Teogonia 22-28
INCM, Lisboa: 2005. (trad.: Ana Elias Pinheiro)

[αἵ νύ ποθ᾽ Ἡσίοδον καλὴν ἐδίδαξαν ἀοιδήν,
ἄρνας ποιμαίνονθ᾽ Ἑλικῶνος ὕπο ζαθέοιο.
τόνδε δέ με πρώτιστα θεαὶ πρὸς μῦθον ἔειπον,
Μοῦσαι Ὀλυμπιάδες, κοῦραι Διὸς αἰγιόχοιο:
ποιμένες ἄγραυλοι, κάκ᾽ ἐλέγχεα, γαστέρες οἶον,
ἴδμεν ψεύδεα πολλὰ λέγειν ἐτύμοισιν ὁμοῖα,
ἴδμεν δ᾽, εὖτ᾽ ἐθέλωμεν, ἀληθέα γηρύσασθαι.]

domingo, 11 de julho de 2010

E Vai Platão, E Vai Platão, Olé!

Protágoras, de Platão, em português, online, na tradução de Ana Elias Pinheiro, com comentário lateral de Olga Pombo. Não esqueçam também a nova tradução inglesa em curso.

Sê Rebelde: Lê Tucídides & Lívio!

And as to rebellion in particular against monarchy, one of the most frequent causes of it is the reading of the books of policy and histories of the ancient Greeks and Romans; from which young men, and all others that are unprovided of the antidote of solid reason, receiving a strong and delightful impression of the great exploits of war achieved by the conductors of their armies, receive withal a pleasing idea of all they have done besides; and imagine their great prosperity not to have proceeded from the emulation of particular men, but from the virtue of their popular form of government not considering the frequent seditions and civil wars produced by the imperfection of their policy. From the reading, I say, of such books, men have undertaken to kill their kings, because the Greek and Latin writers in their books and discourses of policy make it lawful and laudable for any man so to do, provided before he do it he call him tyrant. For they say not regicide, that is, killing of a king, but tyrannicide, that is, killing of a tyrant, is lawful. From the same books they that live under a monarch conceive an the opinion that the subjects in a popular Commonwealth enjoy liberty, but that in a monarchy they are all slaves. I say, they that live under a monarchy conceive such an opinion; not that they live under a popular government: for they find no such matter. In sum, I cannot imagine how anything can be more prejudicial to a monarchy than the allowing of such books to be publicly read, without present applying such correctives of discreet masters as are fit to take away their venom: which venom I will not doubt to compare to the biting of a mad dog, which is a disease that physicians call hydrophobia, or fear of water. For as he that is so bitten has a continual torment of thirst, and yet abhorreth water; and is in such an estate as if the poison endeavoured to convert him into a dog; so when a monarchy is once bitten to the quick by those democratical writers that continually snarl at that estate, it wanteth nothing more than a strong monarch, which nevertheless out of a certain tyrannophobia, or fear of being strongly governed, when they have him, they abhor.

Hobbes, Leviathan II.29

Os exames de Plotino deviam ser daemoníacos

Such revision was necessary: Plotinus could not bear to go back on his work even for one re-reading; and indeed the condition of his sight would scarcely allow it: his handwriting was slovenly; he misjoined his words; he cared nothing about spelling; his one concern was for the idea: in these habits, to our general surprise, he remained unchanged to the very end.

He used to work out his design mentally from first to last: when he came to set down his ideas, he wrote out at one jet all he had stored in mind as though he were copying from a book.

Interrupted, perhaps, by someone entering on business, he never lost hold of his plan; he was able to meet all the demands of the conversation and still keep his own train of thought clearly before him; when he was fee again, he never looked over what he had previously written--his sight, it has been mentioned, did not allow of such rereading--but he linked on what was to follow as if no distraction had occurred.

Porfýrio, Vita Plotini 8.

Texto Grego aqui.

Também Há Um Do Aristóteles

sábado, 10 de julho de 2010

Perdidos §2

Como hei-de eu, mortal, combater a teia divina dos acontecimentos?
Aí onde o assombro assoma, a esperança nada pode.

πῶς οὖν μάχωμαι θνητός ὤν θείᾳ τύχῃ;
ὅπου τό δεινόν, ἐλπίς οὐδέν ὠφελεῖ.*

Este é um excerto da Erifile de Sófocles (frg. 201f, edição Loeb por Lloyd-Jones), que a maioria dos estudiosos considera ser a mesma peça que Os Epígonos, mas que, a tratar-se de uma peça independente, pode muito possivelmente ter feito parte de uma trilogia, juntamente com a peça com que é confundida e o Alcméon, sobre a expedição dos Epígonos, os filhos dos Sete que atacaram Tebas, liderados por Polinices, o filho de Édipo, aquele cujo enterro será proibido por Creonte, édito que Antígona desafiará (isto é apenas para situar os menos familiarizados com o ciclo tebano). Erifile, esposa de Anfiarau, um dos Sete, subornada por Polinices, acaba por convencer o marido a participar na expedição contra Tebas. Ele sabe que vai morrer (por isso não queria partir, mas, não interessa agora explicar porquê, estava obrigado a obedecer ao juízo da mulher, nesta situação específica) e obriga, por isso, os filhos a vingarem-no. Alcméon, o mais velho, um dos Epígonos, antes ou depois de partir para Tebas, acaba por matar a mãe. Isto é tudo o que sabemos do mito. Da forma como Sófocles o tratou, nada podemos aduzir com segurança: os poucos fragmentos não nos dão grande ideia de como ele terá pegado no assunto.

*Sei que os acentos estão mal, mas a escolha era entre ter isto ou nada.

Bebe para que fales

Para fazermos com que os antigos nos falem, temos que lhes dar a beber o nosso próprio sangue.

Urlich Wilamowitz


'Tirésias, o fio destas coisas fiaram-no os deuses.
Mas diz-me agora tu com verdade e sem rodeios:
vejo aqui a alma de minha mãe falecida.
Está sentada em silêncio junto do sangue e nem
ousou olhar para o filho nem dirigir-lhe a palavra.
Diz, senhor, como poderá ela reconhecer-me?'

Assim falei; e ele tomando a palavra respondeu-me deste modo:
'Dir-te-ei uma palavra fácil, que porei no teu espírito.
Àquele, dentre os mortos que partiram, que permitires
aproximar-se do sangue, esse falar-te-á com verdade;
porém quem recusares de novo se retirará.'

Tendo assim falado, voltou para a mansão de Hades
a alma de Tirésias soberano, depois que as profecias declarou.
Eu permaneci onde estava, até que se aproximou a minha mãe
e bebeu do negro sangue turvo. De imediato me reconheceu.

Odysseia, XI-139-153, tradução de Frederico Lourenço

"Τειρεσίη, τὰ μὲν ἄρ που ἐπέκλωσαν θεοὶ αὐτοί.
ἀλλ' ἄγε μοι τόδε εἰπὲ καὶ ἀτρεκέως κατάλεξον·
μητρὸς τήνδ' ὁρόω ψυχὴν κατατεθνηυίης·
ἡ δ' ἀκέουσ' ἧσται σχεδὸν αἵματος οὐδ' ἑὸν υἱὸν
ἔτλη ἐσάντα ἰδεῖν οὐδὲ προτιμυθήσασθαι·
εἰπέ, ἄναξ, πῶς κέν με ἀναγνοίη τὸν ἐόντα;"


ὣς ἐφάμην, ὁ δέ μ' αὐτίκ' ἀμειβόμενος προσέειπε·
"ῥηΐδιόν τοι ἔπος ἐρέω καὶ ἐνὶ φρεσὶ θήσω·
ὅν τινα μέν κεν ἐᾷς νεκύων κατατεθνηώτων
αἵματος ἄσσον ἴμεν, ὁ δέ τοι νημερτὲς ἐνίψει·
ᾧ δέ κ' ἐπιφθονέῃς, ὁ δέ τοι πάλιν εἶσιν ὀπίσσω."


ὣς φαμένη ψυχὴ μὲν ἔβη δόμον Ἄϊδος εἴσω
Τειρεσίαο ἄνακτος, ἐπεὶ κατὰ θέσφατ' ἔλεξεν·
αὐτὰρ ἐγὼν αὐτοῦ μένον ἔμπεδον, ὄφρ' ἐπὶ μήτηρ
ἤλυθε καὶ πίεν αἷμα κελαινεφές· αὐτίκα δ' ἔγνω.

The Fragility of Goodness

Uma entrevista com Martha Nussbaum. Segunda parte aqui. Terceira aqui.

Venetus A

Venetus A é o nome dado — já se dirá o porquê dele — a um manuscrito do século X onde se encontra a melhor cópia da Ilíada que chegou até nós, com dois escólios (para os leigos: série de apontamentos detalhados dos estudiosos alexandrinos ou bizantinos a um texto, fornecendo, o mais das vezes, informações preciosíssimas para a nossa compreensão dos mesmos e não só; para os classicistas: o escólio A e o D), um resumo de outros poemas do ciclo épico (os de Homero não são senão dois exemplos do género) e excertos esparsos de uma obra de Proclo, filósofo neo-platónico do século V d.C.

A história do manuscrito é bastante interessante. De alguma maneira, veio parar a Itália, onde foi mais tarde adquirido por Basílio Bessarion, cardeal do século XV. De origem grega, Bessarion foi destacado para uma embaixada cujo o principal objectivo era nada mais nada menos do que operar a reunião das duas igrejas, a católica e a ortodoxa, assunto que ocupou o concílio de Ferrara-Florença (1438-45). O imperador bizantino contava, se tal acontecesse, receber apoio militar contra os turcos que, como é sabido, viriam a conquistar Constatinopla em 1453. Bessarion acreditava que pouco separava as duas igrejas e que, com boa-vontade de ambas as partes, a reconciliação seria possível. O acordo foi de facto conseguido e parecia que o longo cisma tinha acabado. Bessarion, porém, apercebeu-se da reacção, extremamente negativa, do povo e das autoridades eclesiásticas e civis (a reunificação das igrejas acabou, por isso, por nunca se verificar, até porque nem dez anos depois o império foi conquistado) e, uma vez que tinha o favor de Roma, acabou por ficar por Itália e isso mudou a história do Ocidente.

A sua casa tornou-se uma verdadeira academia, um lugar de exílio para todos os intelectuais gregos que fugiram de Bizâncio após a queda do império. Traduziu a Metafísica de Aristóteles e os Memoráveis de Xenofonte, tendo defendido veementemente Platão contra o aristotélico Jorge de Trebizonda (o texto deste contra Platão gerou uma tal onda de indignação que este se viu obrigado a deixar a cidade e a procurar refúgio junto da corte de Afonso V de Aragão, em Nápoles). Bessarion era também um coleccionador de manuscritos e, como dissemos, foi ele que adquiriu o Venetus A, que deixou, em 1468, à Biblioteca da República de Veneza (daí o nome do manuscrito), junto com outras pérolas que constituíram o fundo primeiro da biblioteca. Bessarion instituiu também uma regra, que, porém, com a sua morte, foi descurada, até entrar de novo em vigor em 1530: quem quisesse consultar a biblioteca, tinha de depositar um livro (nem Ptolomeu, quando quis encher o Museion, se lembrou de tal coisa). O manuscrito foi usado por vários estudiosos do Renascimento, mas acabou por ser esquecido.

Só em 1788, Jean-Baptiste de Villoison o recuperou, publicando-o, bem como o chamado Venetus B (de uma qualidade um pouco inferior, mas com outro escólio: o escólio B). O livro fez uma enorme sensação (até aí, só o escólio D era conhecido). A publicação destes novos escólios levou Friedrich Wolf a propor que os poemas homéricos tinham sido transmitidos oralmente durante um longo período de tempo antes de terem sido escritos, tese a que Milman Parry viria a dar, nos anos 30 do século passado, uma base científica, com as suas investigações na ex-Jugoslávia. O professor de Wolf, Christian Heyne, acusá-lo-ia de no seu Prolegómenos a Homero se limitir a repetir o que tinha ouvido nas aulas dele e proibiu-o de assitir a mais seminários dele. Diga-se de passagem, como curiosidade, que este é o período em que a filologia, como a conhecemos hoje, começava a surgir. De facto, quando Wolf se foi inscrever na Universidade disse, assim reza a lenda, que queria estudar na faculdade de filologia, então ainda não existente.

O Venetus A é, portanto, coisa mesmo importante. A parte boa, e para isso servia, afinal, este post, é que a Universidade de Harvard tem disponível online fotografias de alta resolução do manuscrito (e também do Venetus B). Aqui têm o início do primeiro canto da Ilíada. Ao contrário de outros manuscritos que já postámos aqui no blogue, este não tem imagens engraçadas, mas guarda algo bem mais importante: essa obra acabada que é o poema primordial e a primeira fulguração do modo trágico.