É coisa absolutamente certa que sou, que conheço e que amo. Nestas verdades nenhum receio tenho dos argumentos dos académicos que dizem: Que será se te enganares? — Pois se me enganar, existo. Realmente, quem não existe de modo nenhum se pode enganar. Por isso, se me engano é porque existo. Porque, portanto, existo se me engano, como poderei enganar-me sobre se existo, quando é certo que existo quando me engano? Por conseguinte, como seria eu quem se enganaria, mesmo que me engane não há dúvida de que não me engano nisto: — que conheço que me conheço.
Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XI, Cap. XXVI
Gulbenkian, Lisboa: 1993. (trad.: J. Dias Pereira)
[...sed sine ulla phantasiarum uel phantasmatum imaginatione ludificatoria mihi esse me idque nosse et amare certissimum est. Nulla in his ueris Academicorum argumenta formido dicentium: Quid si falleris? Si enim fallor, sum. Nam qui non est, utique nec falli potest; ac per hoc sum, si fallor. Quiargo sum si fallor, quo modo esse me fallor, quando certum est me esse, si fallor? Quia igitur essem qui fallerer, etiamsi fallerer, procul dubio in eo, quod me noui esse, non fallor.]
Enquanto rejeitamos deste modo tudo aquilo de que podemos duvidar e que simulamos mesmo ser falso, supomos facilmente que não existe Deus, nem céu, nem terra e que não temos corpo, mas não poderíamos da mesma forma supor que não existimos enquanto duvidamos da verdade de todas estas coisas: pois temos tanta repugnância em conceber que aquele que pensa não existe verdadeiramente ao mesmo tempo que pensa que, não obstante as mais extravagantes suposições, não poderíamos impedir-nos de acreditar que é verdadeira esta conclusão: penso, logo existo, e, por consequência, a primeira e a mais certa que se apresenta àquele que conduz por ordem os seus pensamentos.
Descartes, Princípios da Filosofia §7
Lisboa Editora, Lisboa: 2003 (trad.: Margarida Leão)
[Sic autem reiicientes illa omnia, de quibus aliquo modo possumus dubitare, ac etiam falsa esse fingentes, facile quidem supponimus nullum esse Deum, nullum coelum, nulla corpora; nosque etiam ipsos non habere manus, nec pedes, nec denique ullum corpus; non autem ideo nos, qui talia cogitamus, nihil esse: repugnat enim, ut putemus id quod cogitat, eo ipso tempore quo cogitat, non existere. Ac proinde haec cognitio: Ego cogito, ergo sum, est omnium prima et certissima, quae cuilibet ordine philosophanti occurrat.]
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