Quem, pois, senão Deus, criador de todas as coisas, deu à carne morta de pavão a propriedade de não apodrecer? Isto pareceu-me incrível quando o ouvi. Mas um dia aconteceu darem-nos carne cozinhada desta ave em Cartago. Ordenámos que guardassem um pedaço bastante grande do peito. Após um número de dias bastante longo para toda a outra carne cozinhada apodrecer, o pedaço que trouxeram e nos ofereceram não incomodou mesmo nada o nosso olfacto. Mais ainda: conservado durante mais de trinta dias, achou-se no mesmo estado, o mesmo acontecendo decorrido um ano; apenas a massa se tornou um pouco mais seca e contraída.
[...] Sabemos que a pedra da Magnésia (magnes lapis = íman) atrai admiravelmente o ferro. Quando o vi pela primeira vez fiquei deveras estupefacto. Realmente eu via um anel de ferro atraído pela pedra e ficar suspenso; depois, como se tivesse transmitido e comunicasse a sua força ao ferro que tinha atraído, esse anel, aproximado de outro, suspende este e, assim como aquele primeiro se unia à pedra, assim este segundo se unia ao primeiro anel; juntou-se da mesma maneira um terceiro; depois juntou-se-lhe um quarto; e já estava formada uma como que cadeia de anéis não entrelaçados por dentro mas encostados por fora. Quem é que não ficará pasmado perante esta força da pedra que não só lhe era intrínseca mas também passava por tantos anéis suspensos e os unia por laços invisíveis?
Ora muito mais maravilhoso ainda foi o que aprendi, acerca desta pedra, do meu irmão e colega no episcopado Severo de Milevi. Contou-me ter ele próprio visto de que modo Batanário, outrora conde de África, quando o bispo tomava a sua refeição em casa dele, pegara nessa pedra e a pusera debaixo de um prato de prata. Em cima do prato pôs ferro. Depois, conforme deslocava a mão que, por debaixo, segurava a pedra, assim também se deslocava o ferro que estava por cima; mas o prato, que estava no meio, não experimentava qualquer efeito e, enquanto por debaixo da pedra, nos seus rápidos avanços e recuous era movida pelo homem, o ferro, em cima, era arrastado pela pedra.
Contei o que eu próprio vi; contei o que ouvi daquele em quem acredito como se eu próprio tivesse visto. Vou agora contar o que também li acerca desta pedra da Magnésia. Quando perto dela se põe um diamante, já ela não atrai o ferro e, se o tiver atraído, deixa-o cair logo que se lhe aproxima o diamante. É a Índia que nos envia estas pedras; mas se nós nos deixamos de admirar por já as conhecermos, quanto mais não hão-de deixar de se admirar aqueles de quem elas nos vêm, pois as adquirem com facilidade.
Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro XXI, Cap. IV
Gulbenkian, Lisboa: 1995. (trad.: J. Dias Pereira).
[Quis enim nisi Deus creator omnium dedit carni pauonis mortui ne putesceret? Quod cum auditu incredibile uideretur, euenit ut apud Carthaginem nobis cocta apponeretur haec auis, de cuius pectore pulparum, quantum uisum est, decerptum seruari iussimus; quod post dierum tantum spatium, quanto alia caro quaecumque cocta putesceret, prolatum atque oblatum nihil nostrum offendit olfactum. Itemque repositum post dies amplius quam triginta idem quod erat inuentum est, idemque post annum, nisi quod aliquantum corpulentiae siccioris et contractioris fuit. [...] Magnetem lapidem nouimus mirabilem ferri esse raptorem; quod cum primum uidi, uehementer inhorrui. Quippe cernebam a lapide ferreum anulum raptum atque suspensum; deinde tamquam ferro, quod rapuerat, uim dedisset suam communemque fecisset, idem anulus alteri admotus est eundemque suspendit, atque ut ille prior lapidi, sic alter anulus priori anulo cohaerebat; accessit eodem modo tertius, accessit et quartus; iamque sibi per mutua circulis nexis non implicatorum intrinsecus, sed extrinsecus adhaerentium quasi catena pependerat anulorum. Quis istam uirtutem lapidis non stuperet, quae illi non solum inerat, uerum etiam per tot suspensa transibat et inuisibilibus ea uinculis subligabat? Sed multo est mirabilius, quod a fratre et coepiscopo meo Seuero Mileuitano de isto lapide comperi. Se ipsum namque uidisse narrauit, quem ad modum Bathanarius quondam comes Africae, cum apud eum conuiuaretur episcopus, eundem protulerit lapidem et tenuerit sub argento ferrumque super argentum posuerit; deinde sicut subter mouebat manum, qua lapidem tenebat, ita ferrum desuper mouebatur, atque argento medio nihilque patiente concitatissimo cursu ac recursu infra lapis ab homine, supra ferrum rapiebatur a lapide. Dixi quod ipse conspexi, dixi quod ab illo audiui, cui tamquam ipse uiderim credidi. Quid etiam de isto magnete legerim dicam. Quando iuxta eum ponitur adamans, non rapit ferrum, et si iam rapuerat, ut ei propinquauerit, mox remittit. India mittit hos lapides; sed si eos nos cognitos iam desistimus admirari, quanto magis illi, a quibus ueniunt, si eos facillimos habent]
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