sábado, 16 de junho de 2012

a Sabedoria de Siena e de Hermes Trimegistos

No pavimento do Duomo de Siena há todo uma série de imagens a mármore incrustado mostrando-nos as Sibýllas, a Roda da Fortuna, e donde também temos aquela que é provavelmente a imagem mais famosa de Hermes Trimegistos, colocada logo à entrada da cathedral. Mas a mais notável e a maior de todas as imagens é aquela figurada a metade da nave central que retrata uma Montanha da Sabedoria com a inscrição latina Huc properate viri salebrosum scandite montem pulchra laboris erunt premia palma quies, (Vinde depressa, homens, escalai o monte rugoso, a bela recompensa do esforço será a palma da serenidade).




Partindo de baixo para cima, temos uma imagem da Fortuna que conduziu os aspirantes a philósophos até à ilha onde poderão atingir a sabedoria, se souberem evitar os monstros, as serpentes, e os precipícios perigosos que assolam o caminho até ao topo. Imagino que haja notas iconográphicas para identificar pelo menos a maior parte das figuras, embora eu consiga apenas identificar Zenão o Estóico, o de mão aberta e fechada (a mãe aberta aponta para a flexibilidade e para os movimentos do orador, a fechada para a captação dos conceitos). Chegados ao monte descobrimos a Sabedoria comitada de duas figuras que terão atingido a sabedoria, Sócrates e Crates. Esse Crates é um philósopho cýnico, professor do dito Zenão acima mencionado, que famosamente largou as suas riquezas fora quando se apercebeu de que tal seria necessário para levar uma vida dedicada à philosohia. Sócrates vêmo-lo virado para a Sabedoria com um livro na mão.

O livro é importante porque, assim como vemos também a Sabedoria pegando noutro, lembramo-nos de que na iconographia da época, o livro fechado era o sinal de doutrinas esotéricas, não-reveladas. Isto é, ao contrário da doutrina racional exotérica ou da revelação religiosa pública e de acesso comum a todos, desde cedo se começou a pensar que quer os escritos pagãos antigos quer os textos sagrados das várias religiões conteriam verdades acessíveis apenas àqueles que ou dedicassem a sua vida ao seu estudo seguindo o mais das vezes uma tradição heredital de sapiência, ou fossem agraciados por uma qualquer vontade divina.



Para esta ideia muito contribuiu a redescoberta do Corpus Hermeticum (figurado na mesma cathedral, como acima, com as palavras Deus omnium creator secum Deum fecit visibilem et hunc fuit primum et solum quo oblectatus est et valde amavit proprium Filium qui appellatur Sanctum Verbum. Suscipite o licteras et leges Egiptii. (Deus o creator de tudo fez para consigo um [outro] Deus visível, e foi com este que apenas e pela primeira vez Ele se deleitou, e amou-o como o seu próprio filho que se chama Palavra Santa. Recebei as letras e as leis do Egipto), assim como a descoberta dos Hymnos Órphicos, ambos os quais eram datados duma antiguidade muy remota, atribuídos aos sábios Orpheu e ao egípcio Hermes, e dos quais se pensava que quer Moisés quer Platão teriam recebido a sua inspiração (Moisés aparece até na imagem do Trimegistos); isto originou uma verdadeira febre em Florença que implicou não só os mais previsíveis, como Pico Mirandolensis e Marsilio Ficino, mas chegou até ao próprio Lorenzo il Magnifico, sob cujas ordens Ficino traduziu estas obras esotéricas.

Apenas se soube muito mais tarde que tanto uma obra quanto a outra poderiam ser datadas quando muito dos primeiros séculos da era christã, assim como uma outra obra que claramente influenciou a presente imagem, e falo da Tabula Cebetis; o "Quadro de Cebes", apresentado como obra do philósopho pythagórico dramatizado no Phaedon platónico embora seja datado da mesma altura do Corpus Hermeticum, foi durante a Renascença  considerado uma obra prima da sabedoria antiga, repetido inúmeras vezes e estudado por Hobbes (que o refere no Leviathan), por Vico, por outros. Lá lemos sobre os diversos percursos da alma que, ao nascer, se encontra defronte a um monte, cuja escalada, se não for desviado pelos incontinências ou pelo mundus mundanus, poderá levar à sabedoria entronada no cume.


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