quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Apontamentos a Piaget


A Honra & O Poder

o bebé hermes e maia; do outro lado, o gado roubado
Não altera o caso da honra que uma acção (por maior e mais difícil que seja, e consequentemente sinal de muito poder) seja justa ou injusta, porque a honra consiste apenas na opinião do poder. Por isso, os antigos pagãos não pensavam que desonravam, mas que grandemente honravam os deuses, quando os introduziam nos seus poemas cometendo violações, roubos e outras grandes mas injustas e pouco limpas acções. Por nada é Júpiter tão celebrado como pelos seus adultérios, ou Mercúrio pelas suas fraudes e roubos. E o maior elogio que lhe é feito num hino de Homero é que, tendo nascido de manhã, inventou a música ao meio-dia e antes do anoitecer roubou o gado de Apolo aos seus pastores.

[Nor does it alter the case of honour whether an action (so it be great and difficult, and consequently a sign of much power) be just or unjust: for honour consisteth only in the opinion of power. Therefore, the ancient heathen did not think they dishonoured, but greatly honoured the gods, when they introduced them in their poems committing rapes, thefts, and other great, but unjust or unclean acts; in so much as nothing is so much celebrated in Jupiter as his adulteries; nor in Mercury as his frauds and thefts; of whose praises, in a hymn of Homer, the greatest is this, that being born in the morning, he had invented music at noon, and before night stolen away the cattle of Apollo from his herdsmen.]

Thomas Hobbes, Leviatã X
INCM, Lisboa: 1995 (trad.: João Monteiro e Nizza da Silva).

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Grandes ladrões de tempo

Os amigos roubam muito tempo, mas nenhum tempo é menos roubado, nenhum tempo é menos perdido, do que aquele que dedicamos aos amigos depois de a Deus.

Magni fures temporis sunt amici, etsi nullum tempus minus ereptum, minus perditum videri debeat, quam quod post Deum amicis impenditur.

Petrarca. Carta a Pulício Vicentino. Tradução minha.

Filosofia Política Clássica vs Moderna VIII

[CÁLICLES] A filosofia é engraçada, Sócrates, mas só na idade que lhe diz respeito e com justa medida, fora dessa idade oportuna corrompe todos aqueles que passam tempo com ela. Se alguém bem nascido continuar a filosofar para além da idade em que convém, nunca há-de ter o conhecimento práctico de tudo aquilo que precisa de ter o homem que se queira tornar belo, bom, e honrado. E além disso também não adquirirá o conhecimento práctico das leis da cidade, e dos argumentos que é necessário utilizar nas discussões com outros, quer em público quer em privado, nem dos prazeres e esperanças humanas; em suma, nunca há-de saber como é que as pessoas se comportam. E quando então por fim entrar nalgum negócio privado ou político será motivo de riso, do mesmo modo que os políticos se tornam motivos de riso quando entram nas nossas discussões e conversas.

Platão. Górgias 484c-e. Tradução minha. 

φιλοσοφία γάρ τοί ἐστιν, ὦ Σώκρατες, χαρίεν, ἄν τις αὐτοῦ μετρίως ἅψηται ἐν τῇ ἡλικίᾳ: ἐὰν δὲ περαιτέρω τοῦ δέοντος ἐνδιατρίψῃ, διαφθορὰ τῶν ἀνθρώπων. ἐὰν γὰρ καὶ πάνυ εὐφυὴς ᾖ καὶ πόρρω τῆς ἡλικίας φιλοσοφῇ, ἀνάγκη πάντων ἄπειρον γεγονέναι [484δ] ἐστὶν ὧν χρὴ ἔμπειρον εἶναι τὸν μέλλοντα καλὸν κἀγαθὸν καὶ εὐδόκιμον ἔσεσθαι ἄνδρα. καὶ γὰρ τῶν νόμων ἄπειροι γίγνονται τῶν κατὰ τὴν πόλιν, καὶ τῶν λόγων οἷς δεῖ χρώμενον ὁμιλεῖν ἐν τοῖς συμβολαίοις τοῖς ἀνθρώποις καὶ ἰδίᾳ καὶ δημοσίᾳ, καὶ τῶν ἡδονῶν τε καὶ ἐπιθυμιῶν τῶν ἀνθρωπείων, καὶ συλλήβδην τῶν ἠθῶν παντάπασιν ἄπειροι γίγνονται. ἐπειδὰν οὖν ἔλθωσιν εἴς τινα ἰδίαν ἢ πολιτικὴν [484ε] πρᾶξιν, καταγέλαστοι γίγνονται, ὥσπερ γε οἶμαι οἱ πολιτικοί, ἐπειδὰν αὖ εἰς τὰς ὑμετέρας διατριβὰς ἔλθωσιν καὶ τοὺς λόγους, καταγέλαστοί εἰσιν.



Depois lanço-me à estrada, na taberna; converso com as pessoas que passam por mim, peço-lhes novidades dos seus países; presto atenção a várias coisas, e reparo nos gostos e nas fantasias diversas dos homens. Entretanto chegou já a hora de almoço, e tomo com a minha família a refeição que esta aldeia e o seu minúsculo património tem à disposição. Depois de comer volto à taberna: ali está o estalajadeiro, como é costume, um talhante, um moleiro, dois do das fornalhas. Ponho-me na galhofada com eles e jogo à carica, ao trich-trach, e vai-se a ver nascem daí mil histórias e jorradas infinitas de injúrias; e apesar do mais das vezes não jogarmos por mais que um centavo não é por isso que deixam de nos ouvir gritar até San Casciano. Assim, mexido e remexido por entre estes piolhos, limpo todo o mofo do cérebro, e afogo as infelicidades que a minha má-sorte me trouxe, e agradeço-lhe ainda o ter-me atropelado no meu percurso, como se quisesse ver se eu teria vergonha de mim mesmo. Quando chega a noite, volto para casa e entro no meu escritório; na entrada dispo a roupa do dia-a-dia coberta de lama e de lodo, e visto panos de rei e de cúria; tendo-me então vestido condignamente, entro nas cortes antigas dos antigos homens, onde eles me recebem amorosamente, e me sirvo daquele meu único alimento, para o qual nasci; onde não me envergonha falar com eles e interrogá-los sobre as razões das suas acções; e eles pela sua humanidá respondem; e durante quatro horas a fio não me aborreço, esqueço todas as preocupações, não temo a pobreza, não me desalenta a morte: entrego-me a eles completamente.

Maquiavel. Carta a Francesco Vettori de 10 de Dezembro de 1513. Tradução minha.

Transferiscomi poi in sulla strada, nell'hosteria; parlo con quelli che passono, dimando delle nuove de' paesi loro; intendo varie cose, e noto varii gusti e diverse fantasie d'huomini. Viene in questo mentre l'hora del desinare, dove con la mia brigata mi mangio di quelli cibi che questa povera villa e paululo patrimonio comporta. Mangiato che ho, ritorno nell'hosteria: quivi è l'hoste, per l'ordinario, un beccaio, un mugnaio, dua fornaciai. Con questi io m'ingaglioffo per tutto dí giuocando a cricca, a trich-trach, e poi dove nascono mille contese e infiniti dispetti di parole iniuriose; e il più delle volte si combatte un quattrino, e siamo sentiti non di manco gridare da San Casciano. Cosí, rinvolto in tra questi pidocchi, traggo el cervello di muffa, e sfogo questa malignità di questa mia sorta, sendo contento mi calpesti per questa via, per vedere se la se ne vergognassi. Venuta la sera, mi ritorno a casa ed entro nel mio scrittoio; e in sull'uscio mi spoglio quella veste cotidiana, piena di fango e di loto, e mi metto panni reali e curiali; e rivestito condecentemente, entro nelle antique corti delli antiqui huomini, dove, da loro ricevuto amorevolmente, mi pasco di quel cibo che solum è mio e ch’io nacqui per lui; dove io non mi vergogno parlare con loro e domandarli della ragione delle loro azioni; e quelli per loro humanità mi rispondono; e non sento per quattro hore di tempo alcuna noia, sdimentico ogni affanno, non temo la povertà, non mi sbigottisce la morte: tutto mi transferisco in loro.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Mente Sã Em Corpo São

Platão dobra o braço e mostra o músculo.
O próprio Platão, graças aos seus hábitos comedidos, conseguiu atingir a velhice. É certo que era dotado de um corpo forte e vigoroso, tanto que o nome lhe foi dado devido ao seu largo tórax; as perigosas viagens marítimas, porém, tinham-lhe roubado muito do seu vigor. Todavia, a sua austeridade, a sua moderação em relação a tudo quanto excita a avidez, o rigoroso cuidado consigo próprio fizeram com que chegasse a velho a despeito das condições adversas. Sabes, creio, que Platão ficou a dever aos seus rigorosos cuidados com a saúde o facto de ter morrido no dia do seu aniversário, pelo que completou rigorosamente oitenta e um anos de vida. Essa a razão por que alguns astrólogos, de passagem por Atenas, fizeram sacrifícios ao filósofo falecido na convicção de que ele excedera o destino normal do homem, porquanto a sua idade atingira o mais perfeito dos números, obtido pela elevação de nove ao quadrado.

[Plato ipse ad senectutem se diligentia protulit. Erat quidem corpus validum ac forte sortitus et illi nomen latitudo pectoris fecerat, sed navigationes ac pericula multum detraxerant viribus; parsimonia tamen et eorum quae aviditatem evocant modus et diligens sui tutela perduxit illum ad senectutem multis prohibentibus causis. Nam hoc scis, puto, Platoni diligentiae suae beneficio contigisse quod natali suo decessit et annum unum atque octogensimum implevit sine ulla deductione. Ideo magi, qui forte Athenis erant, immolaverunt defuncto, amplioris fuisse sortis quam humanae rati, quia consummasset perfectissimum numerum, quem novem novies multiplicata componunt.]

Séneca, Cartas a Lucílio VI.58.30-1 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

Realisation

Alexandre percorria a Índia levando a guerra e a destruição a povos cuja existência até os seus vizinhos mal conheciam. Durante o cerco a uma cidade, ao circundar as muralhas na busca do ponto mais vulnerável das fortificações, foi ferido por uma flecha. Durante algum tempo continuou montado, sem interromper o combate. Por fim, ao coagular o sangue na ferida, a dor começou a aumentar; a perna, pendurada da sela, foi ficando entorpecida e Alexandre viu-se obrigado a desmontar. Disse então: "Toda a gente jura que eu sou filho de Júpiter, mas esta ferida grita bem alto que eu não passo de um homem!".

[Alexander cum iam in India vagaretur et gentes ne finitimis quidem satis notas bello vastaret, in obsidione cuiusdam urbis, circumit muros et inbecillissima moenium quaerit, sagitta ictus diu persedere et incepta agere perseveravit. Deinde cum represso sanguine sicci vulneris dolor cresceret et crus suspensum equo paulatim obtorpuisset, coactus absistere 'omnes' inquit 'iurant esse me Iovis filium, sed vulnus hoc hominem esse me clamat'.] 


Séneca, Cartas a Lucílio VI.59.12.
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

domingo, 27 de novembro de 2011

Estado de Excepção

When in answer to his question they all acknowledged that they could see no other hope, Peisander went on to present the with the stark conclusion. 'Well,' he said, 'this is not going to happen unless we win the King's trust by adopting a more prudent form of government and restricting eligibility for office to a selected few; unless we concentrate now on survival rather than the constitution (we can always change things later, if there is anything we do not like); and unless we bring back Alcibiades, who is the only man alive who can make this happen'.

[ὁπότε δὲ μὴ φαῖεν ἐρωτώμενοι, ἐνταῦθα δὴ σαφῶς ἔλεγεν αὐτοῖς ὅτι ‘τοῦτο τοίνυν οὐκ ἔστιν ἡμῖν γενέσθαι, εἰ μὴ πολιτεύσομεν τε σωφρονέςτερον καὶ ἐς ὀλίγους μᾶλλον τὰς ἀρχὰς ποιήσομεν, ἵνα πιστεύῃ ἡμῖν βασιλεύς, καὶ μὴ περὶ πολιτείας τὸ πλέον βουλεύσομεν ἐν τῷ παρόντι ἢ περὶ σωτηρίας (ὕστερον γὰρ ἐξέσται ἡμῖν καὶ μεταθέσθαι, ἢν μή τι ἀρέσκῃ), Ἀλκιβιάδην τε κατάξομεν, ὃς μόνος τῶν νῦν οἷός τε τοῦτο κατεργάσασθαι.’]

Tucídides, A Guerra do Peloponeso VIII.53
Oxford World's Classics, Oxford: 2009 (trad.: Martin Hammond)

Guardian Books Podcast: Rhetoric and Iliad

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Filosofia Política Clássica vs Moderna VII


Quinto Império, Manoel de Oliveira

(Parte II desta mensagem.)

A felicidade de Alcibíades não foi demasiado duradoira: tinham-lhe sido atribuídas todas as honras possíveis, e toda a república lhe tinha sido confiada tanto nos assuntos civis como militares, para que pudesse ser regida por um só arbítrio; tinha ainda pedido que lhe fossem atribuídos dois pares, Trasíbulo e Adimanto, e nem isso lhe foi negado. E então partiu com a frota em direcção à Ásia, e como aí em Cymes as coisas não lhe correram tão bem como esperava, regressou a suspeita contra ele. Pois até então pensavam que não havia nada que ele não pudesse fazer; donde resulta que por tudo o que acontecesse com menos prosperidade lhe atribuíam culpa, e o acusavam de ter tomado as suas decisões ou de modo negligente ou até mesmo malicioso. Chegavam até a dizer que não quis tomar Cymes por ter sido corrompido pelo rei [dos reis; i.e. o Rei da Pérsia]. E portanto sou da opinião que as expectativas demasiado altas da sua inteligência e virtude lhe foram em última instância danosas. Pois era amado não menos do que era temido, e receavam que se a fortuna lhe fosse propícia e as suas forças lhe bastassem o desejo de se tornar tyrano se tornasse demasiado forte.

Haec Alcibiadi laetitia non nimis fuit diuturna. Nam cum ei omnes essent honores decreti totaque res publica domi bellique tradita, ut unius arbitrio gereretur, et ipse postulasset, ut duo sibi collegae darentur, Thrasybulus et Adimantus, neque id negatum esset, classe in Asiam profectus, quod apud Cymen minus ex sententia rem gesserat, in invidiam recidit. 2 Nihil enim eum non efficere posse ducebant. Ex quo fiebat, ut omnia minus prospere gesta culpae tribuerent, cum aut eum neglegenter aut malitiose fecisse loquerentur; sicut tum accidit. Nam corruptum a rege capere Cymen noluisse arguebant. 3 Itaque huic maxime putamus malo fuisse nimiam opinionem ingenii atque virtutis. Timebatur enim non minus quam diligebatur, ne secunda fortuna magnisque opibus elatus tyrannidem concupisceret. 

 Cornélio Nepos. Vidas dos Homens Ilustres. Vida de Alcibíades [7]. Tradução minha.

 Daqui surge a seguinte disputa: se é melhor ser amado que temido, ou se o inverso. Há quem responda que o melhor seria ser tanto um como outro, mas visto que é dificil conseguir os dois, é muito mais seguro ser temido do que ser amado, se nos devemos privar de uma das opções. Porque sobre os homens se pode genericamente dizer isto: são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores, fugidores de perigos, ávidos de lucro; e que enquanto lhes fazes bem, estão completamente do teu lado, oferecem-te o seu sangue, as vestes, a vida, os filhos, como se disse acima, enquando a necessidade está longe; mas quando chega a hora revoltam-se. [...] E os homens têm menos pruridos em ofender alguém que se esforce por ser amado do que um que se faz temer; pois que o amor é sustido por um vínculo de obrigação, vínculo esse que, visto que os homens são desgraçados, se quebra em todas as ocasiões em que seria necessário; mas o temor é mantido por um medo de castigos que jamais desaparece. O príncipe deve apesar de tudo fazer-se temer de modo a que, se não conquista o amor dos seus súbditos, que ao menos fuja ao ódio; porque é muito bem possível ser ao mesmo tempo temido e não odiado; algo que conseguirá com facilidade desde que se abstenha de roubar os seus cidadãos e os seus súbditos, e das mulheres deles; pois os homens esquecem muito mais rapidamente a morte do pai do que a rapina do seu próprio património.

Maquiavel. Príncipe XVII. Tradução minha.

Nasce da questo una disputa: s’elli è meglio essere amato che temuto o e converso. Respondesi che si vorrebbe essere l’uno e l’altro; ma perché gli è difficile accozzarli insieme, è molto più sicuro essere temuto che amato, quando si abbia a mancare dell’uno de’ dua. Perché degli uomini si può dire questo generalmente: che sieno ingrati, volubili, simulatori e dissimulatori, fuggitori de’ pericoli, cupidi di guadagno; e mentre fai loro bene, sono tutti tua, òfferonti el sangue, la roba, la vita, e figliuoli, come di sopra dissi, quando il bisogno è discosto; ma quando ti si appressa e’ si rivoltano. [...] E li uomini hanno meno respetto a offendere uno che si facci amare che uno che si facci temere; perché l’amore è tenuto da uno vinculo di obligo, il quale, per essere li uomini tristi, da ogni occasione di propria utilità è rotto; ma il timore è tenuto da una paura di pena che non ti abbandona mai. Debbe nondimanco el principe farsi temere in modo che, se non acquista lo amore, che fugga l’odio; perché può molto bene stare insieme essere temuto e non odiato: il che farà sempre quando si astenga dalla roba de’ sua cittadini e de’ sua sudditi e dalle donne loro; e quando pure li bisognasse procedere contro al sangue di alcuno, farlo quando vi sia iustificazione conveniente e causa manifesta; ma sopra tutto astenersi dalla roba d’altri; perché li uomini sdimenticano più presto la morte del padre che la perdita del patrimonio.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Leitores Atentos §14

O lugar de onde todas as coisas têm a sua geração é o mesmo em direcção ao qual elas têm de ser destruídas, segundo a necessidade; pois elas têm de pagar pela penitência e ser julgadas pela sua injustiça, segundo a ordem do tempo.

ἐξ ὧν δὲ ἡ γένεσίς ἐστι τοῖς οὖσι, καὶ τὴν φθορὰν εἰς ταῦτα γίνεσθαι κατὰ τὸ χρεών· διδόναι γὰρ αὐτὰ δίκην καὶ τίσιν ἀλλήλοις τῆς ἀδικίας κατὰ τὴν τοῦ χρόνου τάξιν.

Anaximandro DK B1
tradução de João Constâncio em 'O Dito de Anaximandro', 
in Heidegger, Caminhos da Floresta. Gulbenkian, Lisboa: 2002.


[...] what comes to be
Must go back into non-being
For the sake of the equity, the rhythm
Past measure or comprehending.
[...]

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Aires Barbosa na Cosmópolis Renascentista


Programa
11h00 Mesa 1: Presidida por Rita Marnoto (Directora do DLLC da FLUC)
Nair Castro Soares (Univ. de Coimbra): “O primeiro Humanismo ibérico
Italo Pantani (Università degli Studi di Roma “La Sapienza): “Aires Barbosa e l’esperienza poetica dell’umanesimo italiano
Discussão

12h30 Belmiro Fernandes Pereira (Univ. do Porto): Apresentação do livro coordenado por Nair Castro Soares, Margarida Miranda e Carlota Miranda Urbano, Homo eloquens, homo politicus. A retórica e a construção da cidade na Idade Média e no Renascimento (Coimbra, Classica Digitalia, 2011)

Pausa para Almoço

14h30 Mesa 1: Presidida por Arnaldo Espírito Santo (CECUL)
Sebastião Tavares de Pinho (Univ. de Coimbra): “A viagem marítima como metáfora da criação literária: o exemplo paradigmático de Aires Barbosa
Carlos Morais (Univ. de Aveiro): “Gramáticas para o ensino do Grego em Portugal: séculos  XVI-XVIII
Discussão

15h45 Mesa 2: presidida por Maria do Céu Fialho (Directora do CECH)

Manuel Barbosa (Univ. de Lisboa): “Aspectos do humanismo em Portugal no dealbar do século XVII: Luís da Cruz e companhia
Henrique Manso (Univ. da Beira Interior): “A edição quinhentista do comentário barbosiano à Historia Apostolica, de Arator
16h45 Discussão
17h00 Sebastião Tavares de Pinho (Univ. de Coimbra): Apresentação do livro de Henrique Manso, Comentário de Aires Barbosa ao segundo livro da Historia Apostolica de Arator. Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

The Horror, The Horror

Thereafter, when Nicias and Demosthenes thought their preparations complete, the army at last began its departure on the third day from the sea-battle. The pity of it was not only the fact that they were retreating after the loss of their entire fleet, and with those high hopes now turned to imminent danger both for themselves and the city of Athens, but in the very act of leaving the camp every man had to endure painful and heart-rending sights. The dead bodies were unburied, and to see a friend lying there brought distress and fear at the same time in equal measure. The living who were being left behind - the wounded and the sick - were much more distressing even than the dead to their living comrades, and in more pitiful state than those who had been killed. The cries of entreaty they started up ('take us with you') reduced the others to despair. They would call out for help to every friend or relative they could see; they clung to their tent-mates even as they moved off, and followed as far as they could; when strenght and body failed them they fell back with anguished groans and a stream of curses. So the whole army was in tears, and this despairing pity made it hard for them to move out, even though it was a move from enemy country where they had suffered disasters too great for tears already, and were in fear of suffering more in an uncertain future.

Tucídides, A Guerra do Peloponeso VII.75 
Oxford World's Classics, Oxford: 2009 (trad.: Martin Hammond)



[Μετὰ δὲ τοῦτο, ἐπειδὴ ἐδόκει τῷ Νικίᾳ καὶ τῷ Δημοσθένει ἱκανῶς παρεσκευάσθαι, καὶ ἡ ἀνάστασις ἤδη τοῦ στρατεύματος τρίτῃ ἡμέρᾳ ἀπὸ τῆς ναυμαχίας ἐγίγνετο. δεινὸν οὖν ἦν οὐ καθ' ἓν μόνον τῶν πραγμάτων, ὅτι τάς τε ναῦς ἀπολωλεκότες πάσας ἀπεχώρουν καὶ ἀντὶ μεγάλης ἐλπίδος καὶ αὐτοὶ καὶ ἡ πόλις κινδυνεύοντες, ἀλλὰ καὶ ἐν τῇ ἀπολείψει τοῦ στρατοπέδου ξυνέβαινε τῇ τε ὄψει ἑκάστῳ ἀλγεινὰ καὶ τῇ γνώμῃ αἰσθέσθαι. τῶν τε γὰρ νεκρῶν ἀτάφων ὄντων, ὁπότε τις ἴδοι τινὰ τῶν ἐπιτηδείων κείμενον, ἐς λύπην μετὰ φόβου καθίστατο, καὶ οἱ ζῶντες καταλειπόμενοι τραυματίαι τε καὶ ἀσθενεῖς πολὺ τῶν τεθνεώτων τοῖς ζῶσι λυπηρότεροι ἦσαν καὶ τῶν ἀπολωλότων ἀθλιώτεροι. πρὸς γὰρ ἀντιβολίαν καὶ ὀλοφυρμὸν τραπόμενοι ἐς ἀπορίαν καθίστασαν, ἄγειν τε σφᾶς ἀξιοῦντες καὶ ἕνα ἕκαστον ἐπιβοώμενοι, εἴ τινά πού τις ἴδοι ἢ ἑταίρων ἢ οἰκείων, τῶν τε ξυσκήνων ἤδη ἀπιόντων ἐκκρεμαννύμενοι καὶ ἐπακολουθοῦντες ἐς ὅσον δύναιντο, εἴ τῳ δὲ προλίποι ἡ ῥώμη καὶ τὸ σῶμα, οὐκ ἄνευ ὀλίγων ἐπιθειασμῶν καὶ οἰμωγῆς ὑπολειπόμενοι, ὥστε δάκρυσι πᾶν τὸ στράτευμα πλησθὲν καὶ ἀπορίᾳ τοιαύτῃ μὴ ῥᾳδίως ἀφορμᾶσθαι, καίπερ ἐκ πολεμίας τε καὶ μείζω ἢ κατὰ δάκρυα τὰ μὲν πεπονθότας ἤδη, τὰ δὲ περὶ τῶν ἐν ἀφανεῖ δεδιότας μὴ πάθωσιν.]

Ad M—

Evening Landscape With Two Men (1830-5), de Caspar Friedrich @ Hermitage
Já vês que, afinal, uma estadia numa província distante não nos priva assim tanto um do outro. É dentro da alma que temos os amigos, e a alma nunca se separa de nós; dentro da alma está sempre presente quem ela queira e quando o queira! Podes, assim, estudar, comer, passear na minha companhia... Muito estreita seria a nosa existência se houvesse alguma barreira a opor-se ao pensamento. Estou a ver-te diante de mim, Lucílio amigo, estou mesmo a ouvir a tua voz; estou de tal modo perto de ti que já não sei bem se te vou escrever uma carta, ou apenas um recado para enviar a tua casa!

Séneca, Cartas a Lucílio VI.55.11 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

[Videbis non multum esse quod nobis peregrinatio eripiat. Amicus animo possidendus est; hic autem numquam abest; quemcumque vult cotidie videt. Itaque mecum stude, mecum cena, mecum ambula: in angusto vivebamus, si quicquam esset cogitationibus clusum. Video te, mi Lucili; cum maxime audio; adeo tecum sum ut dubitem an incipiam non epistulas sed codicellos tibi scribere. Vale.]

domingo, 20 de novembro de 2011

Tucídides Cansado de Discursos

He [Nicias] appealed again to each of the trierarchs, calling them by their father's name, by their own name, by the name of their tribe; he urged those who had claim to distinction on their own account not to betray that claim and those with famous ancestors to mantain their family honours untarnished; he reminded them of their fatherland, the freest country there was, where every man could live his life in unregimented liberty; and he continued in the vein familiar at such moments of crisis, when men do not try to avoid the impression of conventional language (such as the standard references on all ocasions to 'our wives and children and the gods of our fathers') but invoke what they think could be helpful at a time of distress.

[αὖθις τῶν τριηράρχων ἕνα ἕκαστον ἀνεκάλει, πατρόθεν τε ἐπονομάζων καὶ αὐτοὺς ὀνομαστὶ καὶ φυλήν, ἀξιῶν τό τε καθ' ἑαυτόν, ᾧ ὑπῆρχε λαμπρότητός τι, μὴ προδιδόναι τινὰ καὶ τὰς πατρικὰς ἀρετάς, ὧν ἐπιφανεῖς ἦσαν οἱ πρόγονοι, μὴ ἀφανίζειν, πατρίδος τε τῆς ἐλευθερωτάτης ὑπομιμνῄσκων καὶ τῆς ἐν αὐτῇ ἀνεπιτάκτου πᾶσιν ἐς τὴν δίαιταν ἐξουσίας, ἄλλα τε λέγων ὅσα ἐν τῷ τοιούτῳ ἤδη τοῦ καιροῦ ὄντες ἄνθρωποι οὐ πρὸς τὸ δοκεῖν τινὶ ἀρχαιολογεῖν φυλαξάμενοι εἴποιεν ἄν, καὶ ὑπὲρ ἁπάντων παραπλήσια ἔς τε γυναῖκας καὶ παῖδας καὶ θεοὺς πατρῴους προφερόμενα, ἀλλ' ἐπὶ τῇ παρούσῃ ἐκπλήξει ὠφέλιμα νομίζοντες ἐπιβοῶνται.] 

Tucídides, A Guerra do Peloponeso VII.69
Oxford World's Classics, Oxford: 2009 (trad.: Martin Hammond)

Visita ao Museu


Uma cena de Viaggio in Italia (1954), de Roberto Rossellini.

La Strada Entra Nella Casa

pormenor de La Strada Entra Nella Casa (1911), de Umberto Boccioni @ Sprengel Museum, Hanover.
Eu morra se o silêncio é tão necessário como parece a quem se entrega ao estudo! Aqui estou eu agora, rodeado de barulho por todos os lados, pois estou vivendo por cima de um balneário. Imagina toda a casta de ruídos capazes de porem os ouvidos no desespero: se são os fortalhaços a treinar-se erguendo nas mãos pesados halteres de chumbo, quando não conseguem ou fingem não conseguir levantá-los, só oiço gemidos; se sustêm a respiração e depois voltam a respirar, então são assobios, é um arfar ofegante; se me calha apanhar algum fracalhote que não deseja mais do que uma vulgar massagem, então chega-me aos ouvidos o som das mãos a bater nos ombros — um som que varia conforma a mão assenta plana ou côncava. Mas se surge um jogador de bola que se ponha a contar os pontos marcados, então é o fim! Junta a tudo isto o barulho dos arruaceiros, dos ladrões apanhados em flagrante, dos que gostam de se ouvir a cantar no banho, dos que saltam para a piscina com um chapão de todo o tamanho! E para além destes tipos, que, pelo menos, têm uma voz normal, imagina agora o depilador fazendo ouvir de vez em quando, para atrair as atenções, uma voz efeminada e guinchenta e só se calando quando encontra axilas para depilar, altura em que quem grita é o paciente. E toca a consumir ainda todo o tipo de pregões: o vendedor de bebidas, o salsicheiro, o pasteleiro, e todos os negociantes de comes e bebes apregoando a sua mercadoria cada um com uma entoação própria! [...] Pois eu, juro-te, não me preocupa mais esta barulhaça do que o rumor das ondas ou das cascatas, embora saiba que houve um povo que mudou a localização da sua cidade só por não conseguir suportar o ruído das cataratas do Nilo!

Séneca, Cartas a Lucílio VI.56.1-3 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

[Peream si est tam necessarium quam videtur silentium in studia seposito. Ecce undique me varius clamor circumsonat: supra ipsum balneum habito. Propone nunc tibi omnia genera vocum quae in odium possunt aures adducere: cum fortiores exercentur et manus plumbo graves iactant, cum aut laborant aut laborantem imitantur, gemitus audio, quotiens retentum spiritum remiserunt, sibilos et acerbissimas respirationes; cum in aliquem inertem et hac plebeia unctione contentum incidi, audio crepitum illisae manus umeris, quae prout plana pervenit aut concava, ita sonum mutat. Si vero pilicrepus supervenit et numerare coepit pilas, actum est. Adice nunc scordalum et furem deprensum et illum cui vox sua in balineo placet, adice nunc eos qui in piscinam cum ingenti impulsae aquae sono saliunt. Praeter istos quorum, si nihil aliud, rectae voces sunt, alipilum cogita tenuem et stridulam vocem quo sit notabilior subinde exprimentem nec umquam tacentem nisi dum vellit alas et alium pro se clamare cogit; iam biberari varias exclamationes et botularium et crustularium et omnes popinarum institores mercem sua quadam et insignita modulatione vendentis. [...] At mehercules ego istum fremitum non magis curo quam fluctum aut deiectum aquae, quamvis audiam cuidam genti hanc unam fuisse causam urbem suam transferendi, quod fragorem Nili cadentis ferre non potuit.]

Graecum est, non refert

“Somos todos gregos” - Konstantínos Kaváfis


Sonho de visionários e poetas – Victor Hugo evoca os “Estados Unidos da Europa” -, o projecto de unir económica e politicamente o continente só se tornou uma realidade institucional após o fim da segunda guerra mundial. Mas não há dúvida de que os alicerces da construção europeia remontam já à Antiguidade Clássica, e significativamente, sempre que a ideia de Europa retoma o seu elã, é aí que se remonta. É aí que encontramos os primórdios de tudo o que aludimos como expoentes da civilização comum. A Grécia vê florescer quase todas as artes e quase todas as ciências ainda hoje designadas sintomaticamente por nomes gregos ou, pelo menos, com uma terminação ou radical daí originários. Em Atenas assistimos a uma maravilhosa floração de génios: Ésquilo, Sófocles e Eurípides; Aristófanes; Heródoto e Tucídides; Sócrates, Platão e Aristóteles, entre muitos outros nomes sonantes. E é com Péricles que a política culta na melhor tradição europeia começa também a fazer carreira. Haveria de escrever H.S. Butcher, em relação aos gregos, que “os seus métodos científicos e filosóficos podem ser muitas vezes errados e as suas conclusões muitas vezes absurdas, mas eram senhores daquela ousadia de pensamento que é a primeira condição para descobrir a verdade”. Na Grécia emerge “o nada que é tudo”! Bem se pode considerá-la a aurora ou a “primeira pedra” de uma Europa ela própria criadora de mundos. Na arte, na filosofia e na ciência o espírito europeu é indiscutivelmente considerado de matriz helénica.

Por isso hoje leio as notícias e entristeço profundamente. A Grécia é a ovelha negra da Europa e “parece ter peçonha”, como escrevia há tempos Baptista-Bastos. Todos a olham de soslaio, todos a repudiam e se mostram voluntariosos em mostrar o seu desfavor para com ela. A par da Europa política e económica que se desmorona, também a Europa “ética” se afunda. Onde está a solidariedade de facto de que falava Schuman? Uma utopia. Os gregos são a vergonha da Europa e é o “império germânico”, com a sua dux Merkel, que decide o seu futuro, que lhes ditam o que fazer e que os incluem ou excluem das suas decisões. Dir-se-ia que para os líderes europeus, com Merkel à cabeça, tudo o que é grego não interessa ( graecum est, non refert).

A Grécia, pelo que representa, jamais deveria estar sujeita a este desrespeito, fundado num capitalismo tão atroz quanto néscio. A curiosidade intelectual, a exploração da expressão literária e artística, mantêm-se e animam novas tarefas científicas e artísticas em todos os lugares em que os homens renovam o seu contacto com os Gregos, homens a quem a Natureza pôs numa caverna obscura e que, iluminados apenas pelo reflexo de uma fogueira - vendo dançar nas paredes a sombra vaga dos que lá fora passavam sob a luz do sol - empregaram todos os recursos do seu espírito em desprender-se dos grilhões que os encadeavam e vieram, eles também, banhar-se na claridade radiosa do grande sol doirado, no caminho livre. Os templos caem, dentro em pouco um fanatismo destruidor os deitará ao chão por completo, partirá estátuas, fará desaparecer as ofertas sagradas e nunca mais a flauta de Pã vibrará no ar ardente. Mas por todo o tempo ficará no homem – isso é certo - a saudade, o anseio de reencontrar essa Grécia divina onde se adoram, sobre todos os deuses, a Beleza e a Vida.


* Artigo publicado in Açores9, Jornal de distribuição gratuita na R.A.A.


sábado, 19 de novembro de 2011

Realpolitik


There was now gathered in contention for Syracuse what was certainly the largest number of nations ever to converge on a single city, a number only exceeded by the full tally of those involved in this war for or against the cities of Athens and Sparta. Here follows a list of the various nationalities who were there on either side to attack or defend Sicily and took part in the war over Syracuse. They had come to share either in the conquest of the country or in its rescue, but their particular alignment was not determined by any justifying cause or kindred loyalty so much as by purely contingent factors of self-interest or compulsion. 

[ἔθνη γὰρ πλεῖστα δὴ ἐπὶ μίαν πόλιν ταύτην ξυνῆλθε, πλήν γε δὴ τοῦ ξύμπαντος λόγου τοῦ ἐν τῷδε τῷ πολέμῳ πρὸς τὴν Ἀθηναίων τε πόλιν καὶ Λακεδαιμονίων.Τοσοίδε γὰρ ἑκάτεροι ἐπὶ Σικελίαν τε καὶ περὶ Σικελίας, τοῖς μὲν ξυγκτησόμενοι τὴν χώραν ἐλθόντες, τοῖς δὲ ξυνδιασώσοντες, ἐπὶ Συρακούσας ἐπολέμησαν, οὐ κατὰ δίκην τι μᾶλλον οὐδὲ κατὰ ξυγγένειαν μετ' ἀλλήλων στάντες, ἀλλ'ὡς ἑκάστοις τῆς ξυντυχίας ἢ κατὰ τὸ ξυμφέρον ἢ ἀνάγκῃ ἔσχεν.]

Tucídides, A Guerra do Peloponeso VII.56-7 
Oxford World's Classics, Oxford: 2009 (trad.: Martin Hammond)

Notas Sobre O Destino da "Terra do Poente"


Que me adiantará, aliás, a tua benevolência se tenho já aqui algo impossível de dizer em latim, facto que originou a minha ira contra a nossa língua? Maior será a tua condenação da pobreza vocabular romana quando souberes que é uma única sílaba aquilo que eu não consigo traduzir. Queres saber qual é? Τὸ ὄν ("o ser"). Posso parecer-te homem de fraco engenho: há um recurso imediato, posso verter esse conceito por quod est ("aquilo que é"). Mas é evidente a diferença entre as duas: sou obrigado a usar um verbo em vez de um nome. A necessidade obriga, porém, a dizer "aquilo que é"! 

[Quid proderit facilitas tua, cum ecce id nullo modo Latine exprimere possim propter quod linguae nostrae convicium feci? Magis damnabis angustias Romanas, si scieris unam syllabam esse quam mutare non possum. Quae sit haec quaeris? 'to on'. Duri tibi videor ingenii: in medio positum, posse sic transferri ut dicam 'quod est'. Sed multum interesse video: cogor verbum pro vocabulo ponere; sed si ita necesse est, ponam 'quod est'.]

Séneca, Cartas a Lucílio VI.58.7 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

La Liberté Guidant Le Peuple


This was also the time of the revolution in Samos, when the people rose up against the men in power, helped by the Athenians from the three ships which they had there at the time. The Samian people killed in all up to two hundred of the most powerful men, condemn another four hundred to exile, and distributed their land and houses among themselves [...]. Among other measures, they withdrew all civic rights from the former landowners and prohibited any future marriage alliances, bride or groom, between them and the people or the people and them. 

[Ἐγένετο δὲ κατὰ τὸν χρόνον τοῦτον καὶ ἡ ἐν Σάμῳ ἐπανάστασις ὑπὸ τοῦ δήμου τοῖς δυνατοῖς μετὰ Ἀθηναίων, οἳ ἔτυχον ἐν τρισὶ ναυσὶ παρόντες. καὶ ὁ δῆμος ὁ Σαμίων ἐς διακοσίους μέν τινας τοὺς πάντας τῶν δυνατωτάτων ἀπέκτεινε, τετρακοσίους δὲ φυγῇ ζημιώσαντες καὶ αὐτοὶ τὴν γῆν αὐτῶν καὶ οἰκίας νειμάμενοι, Ἀθηναίων τε σφίσιν αὐτονομίαν μετὰ ταῦτα ὡς βεβαίοις ἤδη ψηφισαμένων, τὰ λοιπὰ διῴκουν τὴν πόλιν, καὶ τοῖς γεωμόροις μετεδίδοσαν οὔτε ἄλλου οὐδενὸς οὔτε ἐκδοῦναι οὐδ' ἀγαγέσθαι παρ' ἐκείνων οὐδ' ἐς ἐκείνους οὐδενὶ ἔτι τοῦ δήμου ἐξῆν.]

Tucídides, A Guerra do Peloponeso VIII.21 
Oxford World's Classics, Oxford: 2009 (trad.: Martin Hammond)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Literatura Clássica ou os Clássicos na Literatura



No âmbito da edição da obra Os Anais de Cornélio Tácito traduzidos em linguagem portuguesa por José Liberato Freire de Carvalho (a ser publicada no primeiro trimestre de 2012), decidiu a Área "Antiguidade Clássica: textos em contextos" do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa organizar um encontro científico de carácter internacional, a ter lugar nesta Faculdade nos dias 5 a 7 de Dezembro de 2011, que congregue especialistas nas áreas das literaturas clássica e portuguesa, tendo em vista uma actualização do estado da arte dos estudos da recepção dos autores greco-latinos na literatura portuguesa. Esta iniciativa é inovadora uma vez que têm sido, até hoje, marginais os estudos comparatistas entre literatura portuguesa e literaturas antigas. É o ponto de partida para a criação de uma rede de investigação que apresentará resultados periódicos (dois em dois anos) em eventos científicos similares a este. 

Tendo em vista uma panorâmica geral sobre a literatura portuguesa desde o período medieval até aos nossos dias, foram convidados investigadores nacionais e estrangeiros de renome, jovens investigadores nos vários níveis de formação (Mestrado, Doutoramento e Pós-Doutoramento), de oito universidades nacionais (Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Évora, Minho, Aberta e Católica) e de duas estrangeiras (Oxford e Bari), que irão reflectir sobre a recepção de autores antigos nas várias épocas e géneros da literatura portuguesa. Haverá, ainda assim, especial atenção para o período contemporâneo, estando programada uma mesa-redonda com poetas e ficcionistas portugueses em cuja obra se manifesta a influência clássica. Este colóquio pretende ter como público-alvo a comunidade académica (promovendo a interacção científica entre investigadores seniores e jovens graduandos e pós-graduandos) e a sociedade civil. 

Em síntese, o colóquio A Literatura Clássica ou os Clássicos na Literatura: Uma (re)visão da literatura portuguesa das origens à contemporaneidade constituirá um valioso contributo crítico para o conhecimento científico ao fornecer uma visão panorâmica da recepção dos autores clássicos nas diversas épocas da nossa literatura. Este é um evento em que o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa se assume como pioneiro na produção e divulgação de saber nesta área. 

Entrada Livre 
Certificado de participação e Documentação: 5€ (inscrição prévia) 
Informações e Inscrições: literaturaclassica@fl.ul.pt Tel. 217920005

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O cisne deu três voltas

O cisne

O cisne deu três voltas no seu lago.
Engomava o silêncio liquefeito...
A curva do perscoço, sobre o peito,
Tinha a doçura branca dum afago
De mão que desconserta a simetria...

Contam que Zeus, um dia,
Num desejo de amante insatisfeito,
Se vestiu da ilusão daquelas penas...
Quem me diz que a divina fantasia
Não encontrou a porta de saída,
E o cisne que ali passeia a vida
É um Júpiter de Atenas!...

Miguel Torga, Diário VI, 1953
in Poesia Completa, volume I, Dom Quixote, Lisboa 2007, p.476

domingo, 13 de novembro de 2011

A Nudez Forte da Verdade

Quando já tinha chegado a um ponto em que se tornara indiferente avançar ou voltar para trás, aquela tranquila superfície que me seduzira alterou-se; sem ser ainda tempestade, o mar começou a ondular, e, gradualmente, as vagas aumentaram de frequência. Pus-me a pedir ao piloto que me desembarcasse em qualquer ponto da costa; respondeu-me que o litoral era escarpado, inabordável, e que, numa tempestade, ele nada temia mais do que a terra firme. Aliás eu estava a ficar aflito demais para me dar conta do perigo; atormentava-me uma náusea mole, sem solução, daquelas que excitam a bílis sem a expelir. Insisti com o piloto e forcei-o, com vontade ou sem ela, a aproximar-se da costa. Quando nos avizinhámos dela, sem esperar alguma daquelas manobras descritas por Virgílio [...], lembrando-me da minha habilidade como velho praticante de banhos frios, atiro-me ao mar, com equipamento de "nadador de águas frias", isto é, com uma camisola de lã. Não imaginas o que eu passei ao trepar pelos baixios, procurando, e por fim encontrando, um caminho. Fiquei a perceber que os marinheiros têm razão em recear a terra! Foi incrível o que eu aguentei, eu, que nem a mim mesmo já me aguentava. Fica sabendo que não foi tanto pelo ódio do deus do mar que Ulisses naufragou em todo o lado: o que ele tinha eram náuseas! Quanto a mim, onde quer que tenha de ir por mar, levarei como ele vinte anos a chegar!...

Séneca, Cartas a Lucílio VI.53.2-4 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)


[Cum iam eo processissem ut mea nihil interesset utrum irem an redirem, primum aequalitas illa quae me corruperat periit; nondum erat tempestas, sed iam inclinatio maris ac subinde crebrior fluctus. Coepi gubernatorem rogare ut me in aliquo litore exponeret: aiebat ille aspera esse et importuosa nec quicquam se aeque in tempestate timere quam terram. Peius autem vexabar quam ut mihi periculum succurreret; nausia enim me segnis haec et sine exitu torquebat, quae bilem movet nec effundit. Institi itaque gubernatori et illum, vellet nollet, coegi, peteret litus. Cuius ut viciniam attigimus, non exspecto ut quicquam ex praeceptis Vergilii fiat,[...] memor artificii mei vetus frigidae cultor mitto me in mare, quomodo psychrolutam decet, gausapatus. Quae putas me passum dum per aspera erepo, dum viam quaero, dum facio? Intellexi non immerito nautis terram timeri. Incredibilia sunt quae tulerim, cum me ferre non possem: illud scito, Ulixem non fuisse tam irato mari natum ut ubique naufragia faceret: nausiator erat. Et ego quocumque navigare debuero vicensimo anno perveniam.]

Ifigénia

Ifigénia, Herbert Gustav Schmalz 
era o início da primavera

ela estreava o vestido
o vestido côr-de-açafrão que a mãe lhe oferecera
agora és já uma mulher
agora minha menina
dissera-lhe a mãe
és já uma mulher
por isso pôs o vestido que a mãe lhe oferecera
o vestido côr-de-açafrão
o mais bonito dos seus vestidos

vira-o uma vez
fora nos aposentos do pai
raramente lá entrava
assustavam-na todos aqueles homens gordos e barbudos
as suas canções ordinárias e bêbadas
o cheio nauseabundo a vinho e vómito
o pai pediu-lhe que cantasse
ela acompanhou com um péan as libações
todos se calaram para a ouvir cantar
ele era jovem e belo
sabia que ele a olhava
o seu canto virginal vacilou
amoravelmente

o pai mandara-a buscar
viearm dois homens para a levar
por isso pôs o vestido côr-de-açafrão
o vestido que a mãe lhe oferecera
uma brisa deixou-lhe os cabelos em desalinho
flores desabrochavam
ao sair do palácio
pressentia que a sua vida ia mudar
teve pela primeira vez consciência
de que era já uma mulher
estava feliz

era o início da primavera

caía
uma chuva
miudinha

J. P. Moreira in 

Apelo em nome da Herança Greco-Latina da Humanidade



Houve em tempos e sobrevive ainda hoje por todo o globo uma comunidade capaz de ultrapassar religiões, raças, nações, e costumes, para se propor e aceitar em comum ideias fundamentais e princípios superiores. Essa comunidade vai buscar o seu nome àqueles que pelos séculos e idades dela tomaram parte; chamamos-lhe Republica das Letras; e tal como tudo o que é político é constituída por cidadãos. Todavia não apenas por cidadãos como nós que nesta nossa era nos associamos uns com os outros, mas também por aqueles que nesta vida nos anteciparam. e que são deste modo igualmente chamados seus cidadãos. As suas vozes em conjunto podem ser justa e belamente escutadas através dos escritos e das conversas de sábios e pensadores


Esta comunidade ergueu pontes não só para o seu próprio tempo, mas também para o futuro, do qual nunca desviaram o olhar quando se esforçavam para melhorar a sociedade presente. Assim interligados os seus cidadãos puderam sentir-se uma parte indissociável das reflexões e experiências uns dos outros por mais separados, pois que sentiam aquele vínculo que unifica todo o género humano onde quer que ele se encontre e se pense. Tudo isto foi devido à capacidade e vontade assumida por esta República de transcender os limites do tempo e do espaço; puderam fazê-lo através de línguas não expostas às mutações do fluxo continuo do uso vernacular. Acontece que hoje esta comunidade e as suas línguas está em grave perigo: as responsabilidade politicas que lhe são devidas para o seu sustento e promoção deixam de ser assumidas, e deste modo se treinam gerações de olhares fixos no pragmatismo económico, às quais não foi sequer concedido vislumbrar o vasto tesouro que lhes poderia permitir aceder à sua doutrina, pois que estas línguas vão sendo quase completamente abandonadas nas mãos de um circulo restrito de especialistas.


Admiramo-nos ainda de sobremaneira que a UNESCO não tenha ainda levado em conta as tradições duma comunidade humana tão vasta e duma influencia tão decisiva no plano cultural, de pensamento, e de ideias que dizem respeito ao conhecimento de algo mais; e por isso propomos o documento que se pode ler nas páginas anexas, que têm por objectivo persuadir a UNESCO a acolher esta comunidade e as suas línguas no seio da sua salvaguarda, reconhecendo-as enquanto “Património Imaterial da Humanidade”, pois que são uma jóia dada aos povos, a todos sem excepção.


Ler mais, e assinar a petição -


Pede-se também a divulgação por todos os interessados.






Fuit olim − et etiamnunc exstat − in universo terrarum orbe quaedam societas hominum, quae, praeter omnia religionis, varietatis, nationis et patriae discrimina, in tradendis notionibus et cultu fovendo communia et superiora agnovit sibi fundamenta. Quae hominum societas ab iis qui per saecula et aetates eius pars magna fuere, res publica litterarum est appellata; ac sicut omnes res publicae, ex civibus constitit. Civitate vero non modo homines aetate inter sese coniunctos, verum etiam eos, qui hac in vita praecesserant illos, quorumque voces litteris commissae vel sapientium praesentibus vocibus docentium traditae nihilominus audiri poterant pleno iure donavit.


Quae hominum societas ante omnia quasi quendam pontem exstruere voluit quo ad futura pertineret tempora, neque umquam non magnam adhibuit curam cum in provehendis aetatibus quibus ipsa floruit, tum in providendo posteritati, quacum huius rei publicae cives fraternitatis quodam totius generis humani vinculo iam se connexos atque copulatos esse sentiebant. Quae hominum societas, linguarum ope continuas fluminis rerum mutationes non subeuntium, regionum et temporum spatia transcendere potuit; attamen periclitatur hodie valde, cum eam in dies subsidia atque auxilia potestatum quae hoc officium suum sentiant, necnon rationes et viae, quibus provehatur et innutriatur penitus deficiant. Periculum igitur est ne, hac recentiore aetate, qua saepe homines nonnisi effrenata lucri cupiditate impelluntur aurique sacra fame tantum excitantur, iuniores hoc inaestimabili patrimonio orbentur, quippe quod neque honore alatur, neque usquam vulgo tradatur colaturque, neque, nisi ab exigua hominum manu peculiarem quandam provinciam singulariter tractantium, quanti sit percipiatur.


Admirati igitur omnium gentium coetum, c.n. UNESCO nondum cultus et communium huius societatis humanae fundamentorum satis hucusque rationem habuisse - quae societas tam multum valuit ad totius orbis humanitatem fovendam, ad notiones et consilia verbis exprimenda, ad altiorem quandam sapientiam quaerendam - documentum, quod in insequentibus paginis scriptum est, proponere voluimus, ut omnia necessaria fiant ad aliud genus “humani generis patrimonium” agnoscendum: illud scilicet, quod totum et universum hominum genus thesaurorum pretiosissimum existimat ac ducit.