domingo, 20 de novembro de 2011

La Strada Entra Nella Casa

pormenor de La Strada Entra Nella Casa (1911), de Umberto Boccioni @ Sprengel Museum, Hanover.
Eu morra se o silêncio é tão necessário como parece a quem se entrega ao estudo! Aqui estou eu agora, rodeado de barulho por todos os lados, pois estou vivendo por cima de um balneário. Imagina toda a casta de ruídos capazes de porem os ouvidos no desespero: se são os fortalhaços a treinar-se erguendo nas mãos pesados halteres de chumbo, quando não conseguem ou fingem não conseguir levantá-los, só oiço gemidos; se sustêm a respiração e depois voltam a respirar, então são assobios, é um arfar ofegante; se me calha apanhar algum fracalhote que não deseja mais do que uma vulgar massagem, então chega-me aos ouvidos o som das mãos a bater nos ombros — um som que varia conforma a mão assenta plana ou côncava. Mas se surge um jogador de bola que se ponha a contar os pontos marcados, então é o fim! Junta a tudo isto o barulho dos arruaceiros, dos ladrões apanhados em flagrante, dos que gostam de se ouvir a cantar no banho, dos que saltam para a piscina com um chapão de todo o tamanho! E para além destes tipos, que, pelo menos, têm uma voz normal, imagina agora o depilador fazendo ouvir de vez em quando, para atrair as atenções, uma voz efeminada e guinchenta e só se calando quando encontra axilas para depilar, altura em que quem grita é o paciente. E toca a consumir ainda todo o tipo de pregões: o vendedor de bebidas, o salsicheiro, o pasteleiro, e todos os negociantes de comes e bebes apregoando a sua mercadoria cada um com uma entoação própria! [...] Pois eu, juro-te, não me preocupa mais esta barulhaça do que o rumor das ondas ou das cascatas, embora saiba que houve um povo que mudou a localização da sua cidade só por não conseguir suportar o ruído das cataratas do Nilo!

Séneca, Cartas a Lucílio VI.56.1-3 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)

[Peream si est tam necessarium quam videtur silentium in studia seposito. Ecce undique me varius clamor circumsonat: supra ipsum balneum habito. Propone nunc tibi omnia genera vocum quae in odium possunt aures adducere: cum fortiores exercentur et manus plumbo graves iactant, cum aut laborant aut laborantem imitantur, gemitus audio, quotiens retentum spiritum remiserunt, sibilos et acerbissimas respirationes; cum in aliquem inertem et hac plebeia unctione contentum incidi, audio crepitum illisae manus umeris, quae prout plana pervenit aut concava, ita sonum mutat. Si vero pilicrepus supervenit et numerare coepit pilas, actum est. Adice nunc scordalum et furem deprensum et illum cui vox sua in balineo placet, adice nunc eos qui in piscinam cum ingenti impulsae aquae sono saliunt. Praeter istos quorum, si nihil aliud, rectae voces sunt, alipilum cogita tenuem et stridulam vocem quo sit notabilior subinde exprimentem nec umquam tacentem nisi dum vellit alas et alium pro se clamare cogit; iam biberari varias exclamationes et botularium et crustularium et omnes popinarum institores mercem sua quadam et insignita modulatione vendentis. [...] At mehercules ego istum fremitum non magis curo quam fluctum aut deiectum aquae, quamvis audiam cuidam genti hanc unam fuisse causam urbem suam transferendi, quod fragorem Nili cadentis ferre non potuit.]

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