domingo, 20 de novembro de 2011

Graecum est, non refert

“Somos todos gregos” - Konstantínos Kaváfis


Sonho de visionários e poetas – Victor Hugo evoca os “Estados Unidos da Europa” -, o projecto de unir económica e politicamente o continente só se tornou uma realidade institucional após o fim da segunda guerra mundial. Mas não há dúvida de que os alicerces da construção europeia remontam já à Antiguidade Clássica, e significativamente, sempre que a ideia de Europa retoma o seu elã, é aí que se remonta. É aí que encontramos os primórdios de tudo o que aludimos como expoentes da civilização comum. A Grécia vê florescer quase todas as artes e quase todas as ciências ainda hoje designadas sintomaticamente por nomes gregos ou, pelo menos, com uma terminação ou radical daí originários. Em Atenas assistimos a uma maravilhosa floração de génios: Ésquilo, Sófocles e Eurípides; Aristófanes; Heródoto e Tucídides; Sócrates, Platão e Aristóteles, entre muitos outros nomes sonantes. E é com Péricles que a política culta na melhor tradição europeia começa também a fazer carreira. Haveria de escrever H.S. Butcher, em relação aos gregos, que “os seus métodos científicos e filosóficos podem ser muitas vezes errados e as suas conclusões muitas vezes absurdas, mas eram senhores daquela ousadia de pensamento que é a primeira condição para descobrir a verdade”. Na Grécia emerge “o nada que é tudo”! Bem se pode considerá-la a aurora ou a “primeira pedra” de uma Europa ela própria criadora de mundos. Na arte, na filosofia e na ciência o espírito europeu é indiscutivelmente considerado de matriz helénica.

Por isso hoje leio as notícias e entristeço profundamente. A Grécia é a ovelha negra da Europa e “parece ter peçonha”, como escrevia há tempos Baptista-Bastos. Todos a olham de soslaio, todos a repudiam e se mostram voluntariosos em mostrar o seu desfavor para com ela. A par da Europa política e económica que se desmorona, também a Europa “ética” se afunda. Onde está a solidariedade de facto de que falava Schuman? Uma utopia. Os gregos são a vergonha da Europa e é o “império germânico”, com a sua dux Merkel, que decide o seu futuro, que lhes ditam o que fazer e que os incluem ou excluem das suas decisões. Dir-se-ia que para os líderes europeus, com Merkel à cabeça, tudo o que é grego não interessa ( graecum est, non refert).

A Grécia, pelo que representa, jamais deveria estar sujeita a este desrespeito, fundado num capitalismo tão atroz quanto néscio. A curiosidade intelectual, a exploração da expressão literária e artística, mantêm-se e animam novas tarefas científicas e artísticas em todos os lugares em que os homens renovam o seu contacto com os Gregos, homens a quem a Natureza pôs numa caverna obscura e que, iluminados apenas pelo reflexo de uma fogueira - vendo dançar nas paredes a sombra vaga dos que lá fora passavam sob a luz do sol - empregaram todos os recursos do seu espírito em desprender-se dos grilhões que os encadeavam e vieram, eles também, banhar-se na claridade radiosa do grande sol doirado, no caminho livre. Os templos caem, dentro em pouco um fanatismo destruidor os deitará ao chão por completo, partirá estátuas, fará desaparecer as ofertas sagradas e nunca mais a flauta de Pã vibrará no ar ardente. Mas por todo o tempo ficará no homem – isso é certo - a saudade, o anseio de reencontrar essa Grécia divina onde se adoram, sobre todos os deuses, a Beleza e a Vida.


* Artigo publicado in Açores9, Jornal de distribuição gratuita na R.A.A.


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