quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os Gregos e o Fogo dos Céus


o relâmpago tudo conduz
τὰ δὲ πάντα οἰακίζει κεραυνός. Heraclito B64




Wir lernen nichts schwerer als das Nationelle frei gebrauchen. Und wie ich glaube, ist gerade die Klarheit der Darstellung uns urprünglich so natürlich, wie den Griechen das Feuer vom Himmel. ( - Hölderlin]

Nós não aprendemos nada com mais dificuldade do que o uso livre do que é nacional. E, segundo eu julgo, a clareza da apresentação é-nos tão originária e natural quando aos Gregos [era] o fogo dos céus.


Temos portanto dois povos — o Grego e o Alemão — que lidam com problemas radicalmente opostos mas que precisamente por serem radicalmente opostos se tocam. O eixo da cultura para a Grécia e para a Alemanha parece ser o mesmo. Algo de semelhante aconteceu com Hölderlin nos seus projectos de tradução, mais notoriamente nos seus Fragmentos de Píndaro, onde a relação estranhizante com a Grécia foi levada a níveis duma esquizofrenia mágica: revelar o língua Alemã parece algo que é apenas possível se a língua Alemã for transformada na língua Grega, não por esta ter quaisquer afinidades com a outra (isso é um dos mitos da cultura alemão que culminará, podemos dizer, com a construcção de Walhalla por Ludwig I, mas pelo excerpto acima facilmente compreendemos que Hölderlin não é adepto dessa visão simplista), mas sim por ser tão oposta. O destino da Grécia só se cumpriu quando os gregos se confrontaram com aquilo que lhes era mais estranho: a clareza da apresentação.

É curioso que Heidegger diga isto. Porque deixa em aberto o que quer ele dizer, ou mais concretamente a quem se refere ele. Pois quando ele diz que Hölderlin teve de se confrontar com o fogo dos céus para perceber a Alemanha, compreendemos: este fruto de Tübingen, amigo de Hegel e de Schelling, estava bem imerso na “clareza de apresentação” que era a Alemanha dos séculos XVIII e XIX, e que portanto o seu embate com o “fogo dos céus” se poderia fazer através dum confronto com a poesia grega, em particular com Sófocles e Píndaro, compreendemos. Mas quanto aos gregos, de que estamos nós mesmo a falar? De que maneira é que o “fogo dos céus” se fundiu com a “clareza de apresentação”? Será esta última a filosofia? Assumamos que se está a referir à filosofia pré-socrática: que clareza de apresentação é que podemos realmente encontrar em Parménides ou em Empédocles, pelo menos no estado em que os seus poemas nos chegaram? (Já nem falo em Heraclito). Mas estes seriam realmente os mais indicados para encontrar o fogo dos céus, e aqueles a quem Heidegger recusa chamar filósofos para chamar mais apropriadamente pensadores. (Isto significa: poeticizar e pensar, sem filosofia, e sem metafísica). Segundo esta lógica, Hölderlin transcende a Dichtum nos seus últimos poemas para se transformar num Denker. Somos levados a pensar que Heidegger desejaria o mesmo para si, transcendendo a Philosophie.

Mas clareza de apresentação nos pré-socráticos é árduo de aceitar: em todo o pensamento (com a palavra utilizada neste sentido, para que não seja acusado gratuitamente de obscurantismo) é árduo de aceitar. Nesse caso teríamos de assumir que Heidegger aceitou como a fusão perfeita — e por perfeita quero dizer: a fusão que levou a cabo o destino dos gregos — a filosofia platónica. Essa sim, e aos nossos olhos benevolentes faz todo sentido pensar Platão como um unificador da clareza de apresentação (algo que não podemos porém confundir com transparência de apresentação à la Russel &c) e do fogo dos céus. Alguém cuja práctica é perpetuamente “accompanied, sustained and elevated by eros […], graced by nature's grace.

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