A filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga as palavras, nem sequer se contradiga a si mesma; importa que todas as nossas acções sejam do mesmo teor. O maior dever — e também o melhor sintoma — da sabedoria é a concordância entre as palavras e os actos, o sábio será em todas as circunstâncias plenamente iguala si próprio. "Mas quem será capaz de atingir um tal nível?" Poucos, decerto, mas mesmo assim, alguns! Não escondo que a empresa é difícil; nem te digo que o sábio avançará sempre ao mesmo ritmo, embora o rumo seja sempre o mesmo. Auto-analisa-te, portanto, e verifica se há discordância entre a tua roupa e a tua casa, se és pródigo para contigo mas mesquinho para com os teus, se é frugal a tua ceia mas luxuosa a tua habitação. Adopta de uma vez por todas uma regra de conduta na vida e faz com que toda a tua vida se conforme com essa regra. Há pessoas que se retraem em casa e que se expandem sem inibições fora dela; semelhante variedade de atitudes é viciosa, é indício de um espírito hesitante que ainda não achou o seu ritmo próprio. Posso explicar-te, aliás, donde provém esta inconstância, esta divergência entre os propósitos e as acçções. A causa é que ninguém fixa nitidamente aquilo que quer nem, se o fez, permanece fiel ao seu propósito, antes pretende ir mais além; e não se trata apenas de mudar de objectivo, acaba-se por voltar atrás e de novo cair na situação anteriormente rejeitada e condenada. Em suma, deixando as antigas definições de sabedoria e abarcando numa fórmula todo o ciclo da vida humana, acho que seria bastante dizer isto: a sabedoria consiste em querer, e em não querer, sempre a mesma coisa. Não é necessário acrescentar, como condição, que devemos querer o que é justo, porque só é possível querer sempre a mesma coisa se essa coisa for justa. Ora sucede que as pessoas ignoram o que querem excepto no próprio momento do querer; ninguém determina de uma vez por todas o que deve querer ou não querer; todos os dias se muda de opinião, mudança por vezes diametralmente oposta; para muitos, em suma, a vida não passa de um jogo! Quanto a ti, mantém-te fiel ao propósito que adoptaste, e assim conseguirás talvez atingir o ponto máximo, ou pelo menos um ponto tal que apenas tu compreenderás não ser ainda o máximo.
Séneca, Cartas a Lucílio II.20.2-6
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)
[Facere docet philosophia, non dicere, et hoc exigit, ut ad legem suam quisque vivat, ne orationi vita dissentiat vel ipsa inter se vita; unus sit omnium actio[dissentio]num color [sit]. Maximum hoc est et officium sapientiae et indicium, ut verbis opera concordent, ut ipse ubique par sibi idemque sit. 'Quis hoc praestabit?' Pauci, aliqui tamen. Est enim difficile [hoc]; nec hoc dico, sapientem uno semper iturum gradu, sed una via. [3] Observa te itaque, numquid vestis tua domusque dissentiant, numquid in te liberalis sis, in tuos sordidus, numquid cenes frugaliter, aedifices luxuriose; unam semel ad quam vivas regulam prende et ad hanc omnem vitam tuam exaequa. Quidam se domi contrahunt, dilatant foris et extendunt: vitium est haec diversitas et signum vacillantis animi ac nondum habentis tenorem suum. [4] Etiam nunc dicam unde sit ista inconstantia et dissimilitudo rerum consiliorumque: nemo proponit sibi quid velit, nec si proposuit perseverat in eo, sed transilit; nec tantum mutat sed redit et in ea quae deseruit ac damnavit revolvitur. [5] Itaque ut relinquam definitiones sapientiae veteres et totum complectar humanae vitae modum, hoc possum contentus esse: quid est sapientia? semper idem velle atque idem nolle. Licet illam exceptiunculam non adicias, ut rectum sit quod velis; non potest enim cuiquam idem semper placere nisi rectum. [6] Nesciunt ergo homines quid velint nisi illo momento quo volunt; in totum nulli velle aut nolle decretum est; variatur cotidie iudicium et in contrarium vertitur ac plerisque agitur vita per lusum. Preme ergo quod coepisti, et fortasse perduceris aut ad summum aut eo quod summum nondum esse solus intellegas.]
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