terça-feira, 2 de outubro de 2012

Política & Vida


Deixar a família, originalmente para abraçar alguma empresa aventureira e gloriosa, e mais tarde simplesmente para dedicar a vida aos negócios da cidade, exigia coragem, pois era só no lar que o homem se empenhava basicamente em defender a vida e a sobrevivência. Quem quer que ingressasse na esfera política deveria, em primeiro lugar, estar disposto a arriscar a própria vida; o excessivo amor à vida era um obstáculo à liberdade e sinal inconfundível de servilismo. A coragem, portanto, tornou-se a virtude política por excelência, e só aqueles que a possuíam podiam ser admitidos a uma associação dotada de conteúdo e finalidades políticos e que por isso mesmo transcendia o mero companheirismo imposto a todos — escravos, bárbaros e gregos — pelas exigências da vida. A vida «boa», como Aristóteles qualificava a vida da cidadão, era, portanto, não apenas melhor, mais livre de cuidados ou mais nobre que a vida ordinária, mas possuía qualidade inteiramente diferente. Era «boa» exactamente porque, tendo dominado as necessidades do mero viver, tendo-se libertado do labor e do trabalho, e tendo superado o anseio inato de sobrevivência comum a todas as criaturas vivas, deixava de ser limitada ao processo biológico da vida.

Hannah Arendt, A Condição Humana, pp. 45-46
Editora Forense-Universitária, Rio de Janeiro: 1981.(trad.: Roberto Raposo).

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