A retórica socrática existe para ser um instrumento indispensável da filosofia. O seu propósito é conduzir potenciais filósofos até à filosofia quer treinando-os quer libertando-os dos encantos que obstruem o esforço filosófico, assim como para prevenir o acesso à filosofia àqueles que não são aptos. A retórica socrática é enfaticamente justa. É animada pelo espírito da responsabilidade social. É baseada na premissa de que existe uma desproporção entre a busca intransigente pela verdade e os requisitos da sociedade, ou que nem todas as verdades são sempre inócuas. A sociedade há-de sempre tentar tiranizar o pensamento. A retórica socrática é o meio clássico para frustrar sempre e para sempre essas investidas. Este mais elevado de todos os tipos de retórica não morreu com os pupilos imediatos de Sócrates. Há muitas monografias que testemunham o facto de os grandes pensadores de tempos posteriores terem usado um tipo de cuidado e de contenção ao comunicar o seu pensamento à posteridade, cuidado esse que deixou de ser apreciado: deixou de ser apreciado mais ou menos ao mesmo tempo da emergência do historicismo, no final do século XVIII.
A experiência da presente geração ensinou-nos a ler a grande literatura política do passado com outros olhos e com outras expectativas. Essa lição não pode deixar de ter importância para a nossa orientação política. Somos confrontados cara a cara com uma tirania que ameaça tornar-se, graças à "conquista da natureza" e em particular da natureza humana, naquilo que uma tirania prévia jamais se tornou: perpétua e universal. Confrontados com a alternativa tenebrosa de que o homem, ou o pensamento humano, possa ser colectivizado, seja dum só golpe e sem misericórdia, seja por processos lentos e cuidadosos, somos forçados a questionarmo-nos sobre como poderemos escapar a este dilema. Repensamos portanto quais as condições elementares e discretas da liberdade humana.
O facto de a reflexão aqui apresentada aparecer de forma histórica talvez não seja desapropriado. A colectivização ou coordenação manifesta e deliberada do pensamento está a ser preparada de maneira escondida, e muitas vezes até mesmo inconsciente, pela difusão do ensinamento de que todo o pensamento humano é colectivo, independentemente de qualquer esforço humano que tenha isso como objectivo, visto que todo o pensamento humano é histórico. Parece não haver maneira mais apropriada de combater esse ensinamento do que o estudo da história.
Leo Strauss. On Tyranny. Chicago University Press.
Tradução minha.
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