domingo, 21 de outubro de 2012

O Fio de Ariadne

[a partir dos 2'36'']

Tonino Guerra, que colaborava com Theo Angelopoulos no desenvolvimento dos argumentos dos  filmes deste, falou-lhe do hábito das mulheres dos sicilianos que partiam para a América lhes oferecerem alguma recordação para que se lembrassem delas. Muitas vezes, o memento era uma peça de roupa feita pela própria, como uma camisa de malha. Angelopoulos aproveitou poeticamente este pormenor histórico que Guerra partilhou com ele para a sequência em que Eleni, a protagonista de The Weeping Meadow [το λιβάδι που δακρύζει] (2004), se despede do marido, de partida para a América. Numa entrevista ao realizador, este chama a atenção para os ecos odisseicos da cena: Eleni uma nova Penélope, que oferece ao esposo um cachecol que confessa não ter tido o tempo de acabar, tal a rainha a sua teia — e, como a trama do mito, também o cachecol é desfeito porque a distância permanece (aqui: aumenta). Todavia, ao ver o filme, o primeiro paralelo que fiz não foi esse. Lembrei-me, sim, de Ariadne: era como se Eleni quisesse, como a filha de Minos, garantir ao amado o meio de saber o caminho de regresso, um regresso também ao amor dela (e daí o vermelho do fio). O facto deste se quebrar lança desde logo uma sombra sobre o resto do filme, fazendo-nos recear o fim.

1 comentário:

  1. O lendário do nordeste brasileiro também tem histórias com fios que unem casais separados em distância. mas, por lá, a renda costuma ser lembrança feminina das redes dos maridos pescadores que migram pro sudeste para trabalhar.

    a imagem do fio, seja umbilical, da vida, da guerra ou do trabalho, é mesmo muito forte.

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