"Coisas belas talvez no seu modo de entender o mundo pela beleza que é talvez bela mas não é esta a minha hora de a aprender. (...)
Agora quero olhar-te no fresco de Pompeia, se não te aborreces. Está aqui numa parede do meu quarto (...) Eles que esperem todos, tenho tanto que estar só contigo. Com a tua imagem fictícia da minha idealidade vã. (...) - olho o fresco de Pompeia. Ou não bem de Pompeia, mas de Estábias que fica logo a seguir e ao Sul. Ou talvez não de Pompeia mas Pompeios que é um nome feio como um tombone (trombone?). Representa a Primavera, o fresco. Ou talvez a deusa Flora para ser mais corpórea contigo. Mas é um corpo transcendente até à sublimidade. Tu tinhas mais peso do que isso, querida. Mas eu preciso agora tanto de seres divina. Transcendente irreal. Dissolúvel e vã - deixa-me ser infantil. Mesmo o amor só começa a existir assim, é dos livros. Metafísico disparatado. Abaixo disso tem já outro nome que vem na fisiologia. Preciso ardentemente de irradiar o teu corpo a tudo quanto baste para ser divino. (...)
É uma deusa linda num instante do seu movimento leve, mas não se lhe vê a face. Porque a beleza não é dela mas da leveza do seu passar. (...)
E o imponderável de todo o seu ser de passagem. Mas era o que sobretudo eu gostaria de te dizer desta deusa grave e aérea. Não bem o seu corpo esbelto como um voo de ave, mas só esse voo. Não bem a sua juventude eterna mas a eternidade. Não o gracioso dela mas a graça. Olho-a infinitamente para tu lá estares e ouço-te rir porque não estarias nunca. Fito-o e filtro-o para ficar comigo o seu impossível até à morte. (...)
Olho-a ainda, olho-a sempre. Passa aérea e de costas. E assim a sua beleza é invisível, no anúncio do que jamais poderemos ver. Assim a sua beleza é a mais bela porque está perto e longe, na realidade tangível e intocável para sempre. Na face oblíqua de que jamais saberemos a face. No olhar que inunda todo o corpo como é próprio de todo o olhar mas de que jamais saberemos os olhos donde vem a torrente. No seu corpo de deusa e no enleio do seu movimento que jamais poderemos ter nas mãos porque a sua realidade é o passar. (...) Tenho de deixar de olhar esta deusa efémera no breve instante de ser deusa (...)
Mas tanto como me custa. Deixo de a olhar e ela passa, quando voltarei a vê-la?"
Vergílio Ferreira, Em nome da terra, Quetzal Editores, 2009, pp.113-114
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